Dizem os médicos que tenho uma tendinite no ombro e ela de vez em quando faz questão de me lembrar que continua ali para me chatear e fazer gemer. E eu gemo, faço fisioterapia ou tomo um medicamento prescrito pelo médico para a acalmar. Há alguns dias, quando estava num desses momentos de crise a massajar o ombro na tentativa de aliviar a dor, alguém do lado disse-me: “Eu também andava com uma dor no braço e o médico deu-me uns comprimidos que me fizeram desaparecer a dor num instante. Porque é que não tomas já um”?
É vulgar termos ao lado um familiar, amigo ou colega de trabalho que, para um problema de saúde, disponibiliza um medicamento na hora ou, no mínimo, prescreve o que é que devemos tomar porque foi o medicamento que resultou com ele em determinada situação, que até pode não ser igual à nossa. E no caso de recusarmos o conselho ou medicamento, ainda que de forma diplomática, pode ficar amuado, sentindo a rejeição como uma afronta, como se os seus “serviços” não sejam valorizados, quando a intenção era só de ajudar.
Desde sempre houve esse espírito de entreajuda. Só que, se noutro tempo se limitava a recomendar uma “mezinha”, um chá de cidreira, camomila, limonete ou tília, “talhar o pulso” ou outra parte do corpo, “endireitar a espinhela” e até uma ida ao “bruxo”, nos dias de hoje o desenvolvimento da medicina, muito em particular da farmacologia, para além da vasta informação obtida no “Dr. Google” (onde se sabe tudo de tudo), é frequente encontrar em alguém que nos é próximo um aconselhamento terapêutico ou até assistencial na hora, mesmo que não profissional, com medicação que diz “apropriada” para o nosso caso. As mulheres são as mais “eficientes” pois, para além de se disporem com mais facilidade a ajudar, têm um leque mais vasto de um “suposto conhecimento médico” e são mais prevenidas porque trazem sempre consigo um stock de medicação “muito bem aviado” – para alguma coisa servem as bolsas enormes que trazem às costas – e são elas que “prescrevem” às pessoas em sofrimento o que devem tomar, com base na sua experiência pessoal, numa vontade de ser útil ao próximo e num “Deus queira que dê certo”. É assim ou por decisão própria, que nos automedicamos frequentemente, às vezes correndo riscos sérios sem o saber.
Por alguma razão surgiu o ditado popular que “de médico e louco, todos temos um pouco”. É que temos uma tendência geral para “dar receitas” a toda a hora. Se alguém ao nosso lado diz que está com dor de cabeça, a “receita” é instintiva: “Toma Ben-U-Ron que isso passa”. Mas se a dor é num braço ou na perna, o “médico de serviço” ao lado recomenda um “Brufen” porque além do efeito analgésico (tira a dor) também é anti-inflamatório. Se outrora houvesse alguém a espirrar o diagnóstico era “estás constipado” e a receita um “mete-te já na cama, toma um chá quente com mel e agasalha-te” ou, mais resumidamente, um “abafa-te, avinha-te e abifa-te”. Mas hoje, como já estamos muito “formatados” no receituário farmacológico, não são as mezinhas que aconselhamos, mas antes um “Atarax” que faz parar o pingo do nariz e alivia a respiração. Mais ainda, já somos suficientemente capazes de aconselhar ao nosso vizinho e “paciente” que precisa de ser operado às varizes, tirar as cataratas, arrancar o dente ou meter uma prótese da anca, caso contrário cada vez anda com mais dificuldade e maiores serão as suas dores a caminhar. Pensando bem, esta nossa “veia de médico” deveria dar-nos para aconselhar os “pacientes” a procurar conselhos de quem é realmente responsável, em vez de estarmos a querer impingir receitas baseadas em conhecimentos de “Espírito Santo de orelha”. E há riscos, mesmo em medicamentos de consumo corrente como é o caso do “Paracetamol” (Ben-U-Ron), um dos que é mais vendido (e sugerido por nós, leigos), pois a sua utilização em excesso pode levar a complicações.
A facilidade de acesso à informação convenceu muito boa gente que basta ler artigos na net e consultar a Wikipédia para ser especialista e estar abalizado a emitir opiniões e prescrever receituário. E já vimos isso de forma assustadora em muitos órgãos de informação durante a crise pandémica, onde toda a gente tinha opinião sobre assuntos que pertencem à esfera médica. Políticos, sociólogos, psicólogos, artistas, jornalistas e muitas outras pessoas cujo contacto com um hospital se limitou a estar sentado numa sala de espera, gente que não percebe patavina do assunto, permitiram-se emitir opiniões sobre as vacinas, defendendo o não à vacinação, fazendo crer que quem nada percebe são os cientistas e estudiosos que as desenvolveram. E os exemplos piores vieram de responsáveis mundiais como Trump, Bolsonaro e outros, ao darem a sua opinião de leigos com estatuto de autoridade médica sobre como controlar a pandemia. Trump chegou a sugerir que se injetasse desinfetante pelos brônquios dos infetados, tendo sido registados muitos casos de intoxicações em gente que seguiu a sua sugestão. Já agora, qualquer um pode ter um blogue com aspeto muito sério e profissional onde ensina a emagrecer numa semana, a fazer exercício para deixar de usar óculos, eliminar a queda do cabelo e outras maleitas humanas. E tudo cientificamente comprovado. Se de médico e louco todos temos um pouco, não se pode confundir a sabedoria popular genuína, baseada na tradição e transmitida de geração em geração com o conhecimento à pressa e sem critério nos média ou em qualquer site da moda.
Bom seria que fôssemos capazes de evoluir na medicina tradicional e desenvolver os conhecimentos milenares, pois é verdade que muitas receitas de raízes, ervas e larvas usadas antigamente na cura das doenças começam a ser aceites na medicina alopática e homeopática. E os banhos de imersão, sangrias e a aplicação de larvas para curar as feridas, além de sanguessugas que voltam a ser usadas como terapia.
Bom seria que a medicina tradicional encontrasse solução para a dor de cotovelo, a ganância, o egoísmo e a falta de humanidade. Era certo ter clientela garantida …