Os malucos já tomaram conta deste manicómio

O manicómio em que se tornou este mundo ocidental em que vivo anda à deriva e, em muitas situações, os malucos já tomaram conta dele. E não há volta a dar. Eu pensava que a maioria dos homens que o habitam eram normais, racionais, conscientes do certo e do errado, com respeito pela história, pelo bem comum e pelos outros, pela sua liberdade e criatividade, vivendo em democracia, sem censura nem fingimentos. Mas aquilo que me parecia “normal” virou-se do avesso neste ocidente dominado pelo “politicamente correto” e por minorias que gritam mais alto que ninguém, com o absurdo no topo da agenda.                          Derrubaram-se monumentos, retiraram-se estátuas dos lugares onde estavam expostas por honrarem a memória de esclavagistas de eras passadas ou de descobridores de novos mundos, agora passados de “descobridores e heróis” a “colonialistas, racistas e bandidos”, como se faça algum sentido julgar atos de há mais de 500 anos com o olhar de hoje. Colocaram placas em museus a pedir perdão pela brancura das esculturas para não se entender por promoção da superioridade do povo europeu. Até uma exposição de Darwin, em Londres, teve de ser revista por algumas peças poderem ser tidas por ofensivas.

Por cá também chegou a imbecilidade com o que fizeram à estátua do Padre António Vieira e com os brasões do Jardim do Império em Lisboa, onde ainda querem mudar o nome para apagar a história. O que é isto e quem é esta gente? De que complexo sofrem os governantes que se submetem servilmente à vontade destas minorias tão (a)berrantes? Vamos agora demolir as pirâmides porque foram feitas com recurso a trabalho escravo?! Vamos derrubar todas as efígies de reis porque somos uma república?! Vamos riscar dos livros de História os nomes dos homens porque durante séculos consideraram que as mulheres eram propriedade sua, igualzinhas a uma colher de pau?! E serviria isso para impedir discriminações ou abusos futuros? Na mais recente vaga de estupidez, passaram a censurar as obras de Enid Blyton, como as aventuras dos Cinco, banidas das bibliotecas, e reescreveram livros de Agatha Christie, a rainha do crime, porque as descrições feitas então pelas escritoras, escritos com 100 anos ou mais, podem ofender os leitores de hoje. É a violação de legados que temos obrigação de preservar e que não se podem destruir. Novas edições surgiram, já revistas e reeditadas, com nomes, personagens e enredos adulterados para convertê-las em obras já “politicamente corretas”. Além da estupidez evidente, as tentativas de reescrever a História e todas as histórias, de apagar o passado para não ofender as novas gerações são ridículas e perigosas e nunca se sabe onde vão acabar. Quem ainda acredita que há bonomia nesta inenarrável escalada de imbecilidade, talvez devesse começar já a ponderar o que fazer a obras como Lolita (uma ode à pedofilia, supõe-se) ou o nosso Os Maias (um tratado ao incesto, adivinha-se) e até os Lusíadas, talvez tido por racista e uma ode à supremacia dos portugueses brancos. A que título na história Peter Pan, um personagem criado pelo escocês J. M. Barrie e que deu origem a um livro para crianças publicado em 1911, se mudaram os protagonistas que fizeram parte do original do livro e dos filmes, sendo quase todos substituídos por “não brancos”. O único branco que “sobreviveu” na história é o … “Capitão Gancho”, talvez por ser o “mau da fita”. O mesmo se passa em outras histórias infantis, fazendo com que esse monstro da indústria cinematográfica que é a Disney se tenha vergado aos protestos de algumas minorias em nome da tal “inclusão” e “não discriminação”.  Em vez de se fazer a promoção das histórias que cada raça ou povo tem, reescrevem-se as que tiveram sucesso apesar da “brancura” dos protagonistas e faz-se “integração”, adulterando aquilo que o autor criou e que não pode deixar de ser uma obra sua, que não pode nem deve ser alterada.                                    É impossível apagar aquilo que foi. E ainda bem. É conhecendo o passado que se pode criar um futuro melhor, não lhe subtraindo, amolgando e formatando aquilo que já passou à imagem da sociedade atual. Não é queimando livros e arrasando a memória que se evolui, (foi Hitler que o fez para apagar da história tudo o que fosse contrário à sua ideologia totalitária. Agora estão a querer fazer o mesmo) mas conservando-a para que todos conheçam os avanços e recuos que houve ao longo da história para chegar até aqui e qual foi o preço do que hoje se dá por adquirido e perceber quantas “montanhas” houve que transpor.                                                                                                       Numa escola de raparigas, em Inglaterra, a professora chegou à sala de aulas e disse: “Bom dia, meninas”. No final da aula um grupo de alunas protestou contra a professora por ter dito “bom dia, meninas” já que algumas delas não se “sentiam” do género feminino. E, veja-se, o protesto foi levado tão a sério, que a direção da escola, “feminina”, chamou a professora e exigiu que esta apresentasse um pedido de desculpas às “não meninas”! E ela teve de o fazer, apesar de estar a lecionar numa “escola de meninas”. Esta gente não está maluca? Ou será que os malucos já tomaram conta do “manicómio” e a maioria continua silenciosa, a dormir na forma?                                                   Stephanie Matto, ex-participante de um reality show americano, teve de parar o seu negócio inovador de venda de “peidos engarrafados” a 1.000 dólares o frasco por causa da dieta com ovos, feijões e proteína que fazia para produzir mais gases e que lhe causou complicações intestinais. A “Influencer digital” iniciou as vendas a pedido dos seus seguidores, que também lhe pediram para vender os seus sutiãs, as calcinhas, cabelo e até água usada no banho. Cada frasco, além dos gases, continha pedaços de fezes em forma de chouriço. Conseguira vender algumas centenas de milhares de dólares quando teve de parar por indicação médica, com muita pena dos clientes.                                                                            Com o corpo todo tatuado, o francês Anthony Loffredo é conhecido pelo “Projeto Alien Negro”. Tem muitos piercings e até já fez várias modificações corporais e cirurgias para conseguir a aparência do ET desejada. Removeu o nariz, orelhas e parte dos lábios. Até cortou 2 dedos da mão esquerda para se aproximar do modelo de “Alien” com que quer ser com a colaboração de médicos de deontologia duvidosa, mas ainda não está satisfeito com a sua imagem de um extraterrestre. Há cada uma!!!                                                                                                       Um deputado da Assembleia Legislativa do Brasil relatou o seguinte em plena reunião: “Aconteceu um assalto em S. Paulo. Um motorista da Uber apanhou três clientes e, no meio do caminho, os três homens, que eram os assaltantes, tentaram matar o motorista. No entanto, como ele era um antigo policial, mesmo pondo a vida em risco, reagiu e acabou por matar os três assaltantes”. A deputada Maria do Rosário, do Rio Grande do Sul, que não estava na reunião, quando soube do que aconteceu, reagiu com um comentário absurdo, que nos remete para as “tonterias” do nosso tempo e que merece ser divulgado para se ver qual o grau de loucura de alguém que está no poder e não sabe distinguir o certo do errado, ao dizer o seguinte: “Era bom que a sociedade parasse para pensar pois hoje temos três famílias a chorar por causa de um opressor. É que, no caso de ele (o motorista) não ter reagido, apenas uma família estaria a chorar. E assim, o prejuízo para a sociedade seria bem menor”.                                                                           Começo a pensar que o Hospital “Conde Ferreira” faz muita falta …

Zé do Telhado: (A)final, um homem bom?

Há um bom par de anos andei por terras de Angola durante alguns meses, tendo passado uma boa parte desse tempo em Malange. E a partir dali fazia incursões pela Baixa de Cassange para me dedicar ao estudo da cultura do algodão. Foi nessa região que me “cruzei” com o passado de um homem oriundo das nossas terras, onde se tornou figura mítica e ficou conhecido por Zé do Telhado. Depois de ter sido deportado para Angola na sequência de uma sentença do tribunal do Marco de Canaveses, estabeleceu-se em Malange como negociante de borracha, cera e marfim, sendo conhecido entre os angolanos como o “Kimuezo”, ou seja, o homem de barbas grandes, já que as deixara crescer desde que chegara a África. Viria a morrer em 1875 com 57 anos e uma enorme fama de homem bom, figura mítica e protetora dos mais desfavorecidos, de tal forma que ainda hoje, quase 150 anos após a sua morte, são feitas romagens à sua campa, um pequeno “mausoléu” erigido pelos naturais da longínqua aldeia de Xissa, onde morreu. 

Em 65 estive várias vezes diante do “mausoléu” e é impressionante como, passados que eram noventa anos sobre a sua morte, a sua fama de homem bom, de protetor dos mais necessitados e figura mítica, continuava viva no coração daquela gente de Angola, nessa terra onde acabou os seus dias. Ouvi-o de viva-voz da boca de alguns residentes da “sanzala”. E tanto o cuidado posto na conservação do mausoléu como o seu nome atribuído à escola local eram testemunho desse respeito e gratidão que a população local continuava a dedicar-lhe.

Zé do Telhado fora deportado para Angola, condenado pelos crimes que lhe foram imputados enquanto chefe duma quadrilha de ladrões, se bem que na mente (e talvez no coração) de uma grande parte das gentes da sua época, tenha permanecido como o “Robin dos Bosques português”, alguém que, à sua maneira e em época muito conturbada da História de Portugal, combateu as injustiças sociais e de quem, a senhora da Casa de Carrapatelo, onde levou a efeito um dos maiores assaltos, o que a torna insuspeita na sua afirmação, disse em tribunal: “Existem pessoas de bem que nunca deram às classes humildes um centésimo do que Zé do Telhado lhes deu”. 

Confesso que tenho uma atração muito grande por essa figura local, misto de bandido e benfeitor que ficou conhecida por Zé do Telhado, de que ainda ouvi falar muito na minha infância com admiração, até porque assaltou ou tentou assaltar algumas casas bem conhecidas na região. E ficou-me a curiosidade, porque não o respeito por alguém de quem ouvi muitas histórias, umas reais e outras de ficção, que o transformaram num herói aos olhos de uma criança e num mito para a sociedade.                                                                                                Aprendeu e trabalhou como capador e tratador de animais, tornou-se militar nos “Lanceiros da Rainha” em Lisboa, onde se distinguiu pela sua conduta e coragem, levando-o a tomar parte na luta pelos liberais contra os setembristas. Derrotado, fugiria para Espanha, regressando para aderir à Revolução da Maria da Fonte às ordens do general Sá da Bandeira. Nessa luta foi notável pela sua bravura, pelo que recebeu a mais alta condecoração de Portugal. 

Com a derrota da revolução, caiu em desgraça e foi expulso do exército, tendo regressado a casa pobre e marginalizado pelos vencedores, sem direito a um trabalho que lhe permitisse sustentar a família, sendo presa fácil para quem o tentava levar ao caminho dos assaltos como única saída para poder alimentar os filhos que lhe pediam pão. Foi sempre um homem com dignidade, não virando nunca a cara à luta, fosse como combatente ao serviço do reino e das causas que defendeu, quer fosse nos assaltos ou disputas nas feiras e romarias.

Como assaltante foi corajoso e cavalheiro, impondo alguns códigos de conduta ao bando com o respeito pelos mais fracos e pelas mulheres. Só roubava os ricos e fazia questão de distribuir parte do produto dos roubos pelos pobres. A benemerência do salteador ofendeu mais os poderes de então do que propriamente os roubos que fez e talvez por isso tenha sido perseguido sem tréguas. E a denúncia das injustiças sociais fizeram com que fosse tão louvado pelos pobres (e até pelos ricos), mas, sobretudo, um incómodo para o poder. 

Zé do Telhado teve assim três fases distintas na sua vida. A primeira, como capador de animais, homem casado e militar condecorado pela sua disciplina e coragem. A segunda, como chefe de uma quadrilha de ladrões, comprovadamente empurrado pelas circunstâncias de se ter colocado às ordens do General Sá da Bandeira, aderindo à Revolução da Maria da Fonte e saído derrotado, pobre e sem hipótese de algum trabalho. E a terceira, já em Angola, como negociante e homem bom que protegia os mais desfavorecidos ao ponto de se tornar uma lenda que continua viva um século e meio depois. 

Se Zé do Telhado pudesse voltar cá, sentir-se-ia injustiçado ao saber que um assaltante e ladrão de banco fora nomeado para secretário de estado e que muitos outros governantes de honestidade e ética muito duvidosa não deixaram de o ser por isso. E perante o panorama geral do que vem acontecendo, ele invocaria a poesia de António Aleixo e assumia como sua essa quadra extraordinária:

“Sei que pareço um ladrão …

Mas há muitos que eu conheço

Que não parecendo o que são

São aquilo que eu pareço”!!!

O lado bom de envelhecer …

Ao que parece, ninguém quer envelhecer, ficar velho. Ver crescer as peles e os pelos mais do que o habitual e encolher e mingar outras partes que bem gostaria que continuassem em alta, firmes, como … a saúde. Mas tal não deixa de ser um paradoxo porque ninguém prefere a alternativa, isto é, “bater a bota” antes de entrar na terceira idade, não ver crescer os filhos, muito menos os netos. Então, é caso para perguntar: “Em que ficamos? Mas é assim tão mau ser idoso”? Será porque se diz por aí que “os anos pesam muito” e não se aguenta esse peso?

Vamos lá ver o lado positivo da questão e conhecer as vantagens de ter muitos anos, tantos que a gente já não sabe bem quantos são. Pois é, já não temos a obrigação de nos lembrar de tudo e a idade é só um pormenor. O relógio já não comanda a nossa vida e temos liberdade de horários, tanto para ficar noite dentro a ver um daqueles filmes pornográficos que, afinal, já não ajudam nada, a não ser a recordar velhas memórias – se é que ainda nos lembra de alguma coisa – como para ficar a dormir até ao meio-dia … se nos deixarem em paz. Além disso, podemos jantar às 6 horas para estar a roncar quando chegar a hora da telenovela.                                                                                              Para um elevado número, ser velho é de grande utilidade … para os filhos, quando estes precisam de alguém para tomar conta dos netos. Daí, é-se tanto mais útil quantos mais netos se tiver para tomar conta. Mas ainda é mais importante a utilidade quanto maior for o valor da sua pensão de reformado, para “reforçar” o orçamento familiar … dos filhos. Também tem grande importância para alimentar pombas e outras aves nos parques e jardins públicos, além de prestar ali um excelente serviço ao limpar os bancos com as calças sempre que se senta ou levanta …

Ser idoso tem, pelo menos, duas grandes vantagens sobre os jovens: Enquanto eles só têm uma dentadura em regra ele tem sempre duas. E quando está a ouvir uma palestra ou participar numa conversa de grupo que seja maçadora, como ouve mal, tem a possibilidade de “desligar” com facilidade e de se “ausentar” sem sair do lugar para não ter de escutar a conversa de “chacha”.

Ser velho é ter experiência, conhecimentos e sabedoria, algo que é muito respeitado e tem muito valor no Oriente, mas que cá entre nós, regra geral, não interessa nada a ninguém. É ter a certeza que as suas articulações fazem uma previsão do tempo muito mais exata do que o Serviço Nacional de Meteorologia. É poder viver sem sexo, mas não sem óculos. É descobrir que o investimento na apólice de despesas médicas começa a valer a pena. É estar seguro que os amigos já não revelam os seus segredos, por uma razão simples: não os conseguem recordar. É aprender que a hora de ir para a cama é três horas depois de ter adormecido no sofá a ver televisão. É saber que é conveniente adiar o mais possível a arrumação e limpeza do sótão ou da garagem porque, assim que o fizer, os filhos adultos vão querer lá colocar as suas tralhas.

Para um idoso e reformado, receber um valor mensal sem ter de ir ao trabalho é como passar de empregado a patrão, com uma semana de seis sábados e um domingo e por isso com a chatice de não ter tempo suficiente para fazer qualquer coisa, ainda que seja trocar a lâmpada que se fundiu. 

Porque, durante a semana, de segunda a sexta, não faz nada e ao sábado e domingo, descansa do trabalho da semana. Além disso, tem filas próprias, prioritárias, em muitas repartições públicas, que não usa para não o olharem como velho ou ficarem a resmungar por ter “passado à frente” dos outros que já lá estavam há horas. Mas bom, bom, são os descontos nos transportes públicos, museus e em muitos outros locais, quase sempre de cinquenta por cento, melhor do que os descontos nos supermercados do Pingo Doce no Dia do Trabalhador.

Está provado que o idoso devia voltar à escola e ter aulas para saber como ser um velho feliz. Na maior parte dos casos tinha um bem: já não havia a mãe para lhe puxar as orelhas se se portasse mal. Mas ia aprender a não se meter na vida dos filhos nem a dar palpites sobre o casamento deles, muito menos a tomar partido ou a querer interferir na educação dos netos. A conviver com a nora ou genro, pois foi uma escolha do filho ou filha. A não ser um velho rabugento, porque se já não querem um velho, quanto mais se for um chato que vive a falar do “seu tempo” e das suas doenças, de que ninguém quer saber nada. A desligar-se dos telejornais e das notícias chocantes que só o vão incomodar quando, afinal, não conseguirá resolver mesmo nada e a ver só o que o diverte e anima. E, sobretudo, a nunca deixar nenhum “problema” para os seus filhos, a ser alegre e agradecido por ter chegado a idoso, pois muitos outros ficaram pelo caminho e a deixar saudades quando partir, em vez de alívio por ter demorado tanto …

Sorria, faça sorrir, não deixe para ninguém “aquele vinho bom” que tem guardado para uma ocasião especial, pois ocasião especial é o dia que está a viver. Lembre-se que o cabelo grisalho já não se respeita. Pinta-se. E que andar de mota e beber umas cervejinhas com idade avançada dá a oportunidade de conhecer mulheres atraentes e muito inteligentes. Um amigo meu já conheceu assim duas médicas, quatro enfermeiras e várias socorristas do INEM …

Pois eu, que vivi em oito décadas diferentes, dois séculos diferentes e dois milénios diferentes, só tenho de estar grato a Deus e àqueles que me ajudaram nesta caminhada, apesar dos altos e baixos da estrada, por ter envelhecido. Foi uma dádiva que não rejeito, apesar de ter nascido numa sociedade rural, pobre e difícil, mas rica em valores. Sim, passei por muita coisa, mas tive uma vida maravilhosa. Pertenço a uma geração que viveu uma infância analógica e uma idade adulta digital. Pertenço a uma geração que viveu e testemunhou muito mais coisas que qualquer outra geração viveu em todas as dimensões da vida. E isso só foi possível por ter envelhecido, por ser idoso e chegar àquilo que sou, com orgulho e sem o estigma da palavra: Velho.

Há gente resolvida. Bem ou mal …

Há gente que, perante o vislumbre de uma oportunidade ainda que se possa dizer absurda, a agarra com as duas mãos. Aliás, é costume dizer-se que “o difícil faz-se e o impossível, embora com um pouco mais de dificuldade, também se faz”. E a prová-lo está esta história mirabolante que mais parece uma invenção fantástica do que uma história passada na Inglaterra, um país tido por bem organizado. Oh se é: “No exterior do England’s Bristol Zoo, dos Jardins Zoológicos mais velhos do mundo, existe um parque de estacionamento próximo com capacidade para 150 automóveis e 8 autocarros. Ora, durante 25 anos a cobrança dos estacionamentos foi efetuada por um cobrador só, mas muito simpático. As taxas, pagas em libras, correspondiam a 1,40 euros para os automóveis e a 7,00 euros para os autocarros.

Um dia, após 25 anos consecutivos e regulares sem nenhuma falta ao trabalho, o cobrador simplesmente não apareceu. Perante a ausência, a administração daquele Jardim Zoológico telefonou para a Câmara Municipal e solicitou que enviassem outro cobrador. Aí, a Câmara fez uma pequena pesquisa e respondeu que o estacionamento do Zoo era da responsabilidade do próprio Zoo, não dela. Então, a administração do Zoo reafirmou dizendo que aquele cobrador era um empregado da Câmara. E em resposta a Câmara escreveu-lhes que o cobrador desse estacionamento jamais fizera parte dos seus quadros e que nunca lhe tinham pagado qualquer ordenado …

Enquanto decorria esta troca de comunicações entre a Câmara e os responsáveis do Zoológico, descansando na sua bonita residência num lugar qualquer da costa do sul de Espanha, existia um homem que, ao que tudo indica, instalou no parque de estacionamento do Zoo uma máquina de cobrança por sua conta e então, com toda a naturalidade, começou a aparecer todos os dias, fazendo a cobrança e guardando as taxas de estacionamento, estimadas em 560 euros por dia … durante 25 anos!!! Considerando que ele fazia a cobrança todos os dias da semana, deve ter arrecadado algo como um pouco mais de 5 milhões de euros, isentos de impostos ou taxas. E o interessante de toda a história é que ninguém sabe o seu nome, nem quem é e nem sequer onde vive” …!!!

Se a história se tivesse passado num país africano, provavelmente os leitores teriam um pensamento comum: “Só em África”. Mas, não, isto passou-se no nosso Ocidente civilizado. Eu diria: “Chico-esperto” …

Da mesma forma, perante uma situação inesperada, há quem tenha boa capacidade de “desenrascanço” sem avaliar as consequências do meio usado para a resolver. E lembrei-me da história que aconteceu com um médico amigo aqui mesmo na nossa região e no improviso impensável para resolver uma “situação de urgência”:                                                                  No tempo em que a saúde pública fazia muita medicina ao domicílio, um médico local, na altura ainda jovem, antes de sair do Centro de Saúde onde trabalhava para fazer a sua ronda de consultas, mandou carimbar as receitas que entendeu necessárias para que os doentes, depois de consultados, não tivessem de lá ir fazê-lo e assim poderem aviá-las diretamente na farmácia. Nesse dia, como tinha um amigo mais velho já reformado sem nada para se ocupar e sabendo que ele gostava de dar uma volta, convidou-o para o acompanhar e também conversarem, o que fez com prazer. Numa das primeiras paragens, enquanto o médico entrou em casa do doente para fazer a consulta, o amigo ficou no carro à espera. Depois de acabada a visita, o médico regressou ao carro e encontrou o seu amigo meio constrangido e com uma novidade para lhe contar: “Doutor, o senhor desculpe, mas já não tem nenhuma receita carimbada”. “Mas o que é que aconteceu já que eu ainda só gastei 2 receitas”, perguntou o médico admirado. “Ó doutor, enquanto foi ver o seu doente o meu intestino deu-me sinal e eu não tive outro remédio senão ir ali atrás daquela árvore fazer o “serviço”. Como o único papel que havia aqui eram precisamente as suas receitas, tive de as gastar todas para conseguir limpar o rabo”. Incrédulo com a forma como as receitas tinham sido “aviadas”, ao médico (e amigo do aflito), não restou outro remédio senão voltar ao Centro de Saúde carimbar mais algumas porque as outras “já haviam sido duplamente carimbadas” e tinham perdido a “validade” para ser aviadas na farmácia” … Ainda hoje vejo o brilho nos olhos do médico sempre que falamos neste episódio caricato e absurdo com o amigo que, em “situação” apertada, soube desenrascar-se e que ele recorda como um acontecimento hilariante.                                                                         Se há pessoas que numa situação anormal bloqueiam e ficam sem capacidade de reação, há outras que veem logo uma oportunidade ou encontram de imediato uma saída ainda que não seja muito ortodoxa e são capazes de improvisar com um sentido de responsabilidade que deixa muito a desejar, embora consigam resolver os imbróglios que criaram com alguma despreocupação. É o caso do protagonista desta história incrível, ocorrida em terras africanas:

No Zimbabué, o motorista de um autocarro que transportava vinte doentes mentais parou no caminho para tomar uma bebida num bar ilegal. Ao regressar ao autocarro, descobriu que os doentes que era suposto levar de Harare para Beltway, tinham fugido. Não querendo admitir a sua negligência, o condutor foi até à paragem de autocarro mais próxima e ofereceu a todos aqueles que lá se encontravam uma viagem grátis. Assim, com o autocarro cheio, levou-os diretamente ao hospital psiquiátrico para onde devia ter transportado os 20 doentes com problemas mentais, agora fugitivos, informando os médicos logo à chegada que os doentes eram muito instáveis, com tendências para fantasias bizarras. 

Esta “cortina de fumo” lançada para encobrir a realidade, levaria a que a verdade só viesse a ser descoberta três dias depois” … 

Uma “telenovela” fileira em horário nobre …

Sou do tempo em que não havia televisão, muito menos telenovelas. A única coisa parecida com isso eram as radionovelas, tendo-me ficado na memória a primeira chamada de “Simplesmente, Maria”, que fazia com que as mulheres (e alguns homens) ficassem coladas ao rádio, de lágrima no olho. Já as telenovelas chegaram a Portugal pela mão dos brasileiros com “Gabriela, cravo e canela”, de Jorge Amado. Novidade em Portugal. O país parava para não perder pitada de um enredo bem conseguido e assistir ao desempenho de atores brilhantes na pele de personagens como Nacib, Tonico Bastos, Mundinho, o temido coronel Ramiro Bastos e a dona do Bataclan, Maria Machadão. Seguiram-se outras com desempenhos fabulosos como no Roque Santeiro com as personagens Sinhozinho Malta e Viúva Purcina e na Tieta do Agreste, mas mais nenhuma atingiu as audiências da primeira.                                As novelas instalaram-se nas televisões portuguesas, inicialmente as brasileiras e depois as portuguesas, tendo estas começado com Vila Faia. E vieram para ficar. Os especialistas nesta matéria dizem que há um conjunto de ingredientes para que tenham sucesso: Na base, uma boa história de amor, uma vilania bem desenhada e o retrato da nossa sociedade em geral com traições, mentiras, jogos de interesse e poder, dinheiro e todo o tipo de sentimentos, até os menos dignos. O mais importante é surpreender, provocar choque, jogar com o inesperado em reviravolta da ação. A verdade é que os produtores nacionais de telenovelas aprenderam depressa com o modelo importado do Brasil e realizaram excelentes trabalhos, com audiências a ultrapassar as suas congéneres importadas, se bem que manifestamente inferiores a esse tempo do “Gabriela, cravo e canela”. No entanto, este género de produção tem mantido uma clientela fiel entre nós, que não resiste a assistir diariamente aos avanços e recuos de uma boa história.                              Ora, nos últimos tempos, as telenovelas ganharam um concorrente de peso em Portugal, que tem mantido os muitos espectadores atentos ao desenrolar da “teia de acontecimentos” que se vão sucedendo a um ritmo alucinante e surpreendente, fazendo lembrar o que acontecia por cá só para ver uma Gabriela despudorada ou um Tonico Bastos a pentear o seu fino bigode. Trata-se de uma espécie de romance misto de policial e político, nada mais que uma verdadeira telenovela da vida real com “um elenco de peso” a desempenhar o papel de algumas personagens importantes da vida nacional, onde não tem faltado enredo quanto baste, mentiras, traições, acusações, o uso e abuso do poder, tráfico de influências, jogos de bastidores, péssima gestão da coisa pública, num espetáculo de incompetência e com revelações extraordinárias pelo absurdo, com roubos que, se calhar, não o foram, onde nem faltaram agressões físicas e verbais com intervenção da PSP e Polícia Judiciária, para além da ação excecional do SIS, as “secretas” portuguesas. Ora, o ritmo é tal, que os espectadores todos os dias se devem perguntar: “O que raio se vai ficar a saber mais hoje”? E tudo é importante para aumentar as audiências, dia após dia. E espera-se de cada audição “novas revelações”, para manter a emoção.                                                                                                  Tudo começou quando alguém “pôs a boca no trombone” ao saber que uma tal Alexandra Reis, nomeada para secretária de estado do Tesouro, “papara” meio milhão de euros por ser despedida da TAP, tendo logo de seguida sido “encaixada” na gestão de outra empresa pública. Daí a saber-se que fora uma ilegalidade, que ela até se tentara despedir antes sem indemnização, que o ministro começou por dizer que não sabia de nada tendo até sacrificado um secretário de estado, para depois confessar que, afinal, sabia de tudo e até aprovara o valor da indemnização. E caiu o ministro. Mas, diz-se: “rei morto, rei posto”. Saiu um e entrou outro da mesma fornada, com os mesmos tiques. Na comissão de inquérito a CEO francesa da TAP disse ter participado em reunião antes com um grupo parlamentar para “acertar” as perguntas e respostas nessa comissão, em mais um jogo para tornear a verdade. E a CEO e o presidente do conselho de administração foram postos no “olho da rua”, sem se avaliar previamente se havia ou não razões para tal, como “bodes expiatórios” para acalmar ânimos e abriu-se a porta a novas indemnizações que vão ser pagas pelo “Zé” do costume. Como as surpresas nesta “telenovela da vida real” não paravam, soube-se que no ministério do novo ministro houve cenas próprias de um filme policial barato, com gritos, fecho das portas, sequestro, roubo ou não, pancadaria, chamada das forças de segurança com recurso a outros ministros e até envolvimento do SIS, as secretas de que ninguém fala, mas que aqui toda a gente falou. E na comissão de inquérito alguns dos intervenientes mais mediáticos disseram “a sua verdade”, muito bem ensaiada, para o espetáculo televisivo continuar a ter grandes audiências. Como numa telenovela, alguns “atores” fizeram questão de “representar” um determinado papel, sem grande preocupação pela verdade nem pelos interesses do país, com acusações muito bem ensaiadas. Enfim, estamos na presença de uma verdadeira “telenovela mexicana” de muito baixa qualidade, num local onde nunca deveriam ocorrer cenas tão tristes, colocando a instituição pública ao nível de um tasco ou de uma boîte foleira.                                                                      Presumo que o espectador comum ao assistir a este triste espetáculo fique dividido em função da sua sintonia ou não com o “artista” que conta a sua versão da “história”, perante este rol de amor e ódio, de fidelidade e traições, de falsas verdades e mentiras, da ética ou mais propriamente da falta dela, tal como da ausência total do “sentido de estado” que deveria ser o apanágio principal de quem nos governa.  Como “telenovela” foleira em horário nobre tem todos os ingredientes para ter um grande sucesso e as televisões devem estar a deliciar-se com todo este “material” que lhe é fornecido pelos intervenientes e que tem dado para horas e horas de emissão, “à borla”.                                                                                   E tudo o que se ouviu neste folhetim seria motivo para nos divertir se o que está em causa não afetasse a vida de todos nós. Ficou exposto o amadorismo duma governação, a fragilidade das estruturas do poder tomadas de assalto pela “rapaziada das jotas”, a displicência com que se consome o dinheiro dos nossos impostos em intervenções como é o caso da TAP onde já se enterraram mais de 4 mil milhões, sem que haja consequências para quem tomou a decisão de derreter todo este dinheiro. Uma ponta do iceberg que nos pode afundar a todos? E para quem olha o que este triste espetáculo significa, fica incrédulo ao ver uma casa a arder, pois está em causa o bom funcionamento das instituições. Como dizia António Capinha no Diário de Notícias, “Há lodo no cais. Alguém vai ter de limpar toda essa porcaria! E depressa”.                                            

Aqui, não bate coisa com coisa …

Neste nosso mundo há imensas coisas pois tudo é uma coisa, seja um objeto físico ou uma coisa espiritual, como sentimentos ou estados de espírito. Daí que todos nós falamos sempre das coisas mais diversas. “Chega-me essa coisa”, “cala-te com essa coisa”, “ando a sentir cá uma coisa” ou “as coisas que podemos ver na cidade do Porto”. Hoje quero escrever alguma coisa sobre qualquer coisa, mas até há pouco não sabia sobre que coisa havia de ser, até receber uma coisa pela internet a falar das tais coisas que todos nós falamos. É verdade, queria tanto escrever qualquer coisa, uma coisa que fosse, a falar de coisas que nós coisamos. Mas pergunto-me se devo dizer alguma coisa ou não digo coisa nenhuma? É certo que há coisas que não nos dizem respeito, há outras que não nos dizem o estado das coisas e também há quem não diga coisa com coisa, sobretudo quando bebe algumas coisas.                                                                                                                    Sabemos que algumas coisas mudam muito, mas há outras coisas que não mudam nada, mesmo que se altere qualquer coisa para ver se a coisa funciona melhor. Mas nem assim a coisa vai lá. É que, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Ora, quando se juntam as duas coisas, nem sempre dá boa coisa. Chegado aqui, estou a pensar uma coisa, pois já devem estar a dizer que já não digo coisa com coisa. E se calhar até têm razão nalguma coisa, se bem que eu tenho coisas ainda para dizer.                                                                                                               Há todo o tipo de coisas. Dizem mesmo mil e uma coisas, desde coisas do arco da velha a coisas que não lembram ao diabo e até coisas que não interessam “nem ao Menino Jesus”. Sabe-se também que nem sempre a coisa bate com a coisa, que as grandes coisas são sempre as mais simples e que quem fala de muita coisa acaba por não dizer coisa nenhuma porque se perde nas coisas que as coisas têm. Por exemplo, já viram as coisas que se sabem no cabeleiro de mulheres? É que elas devem ter coisas na cabeça pois, quando alguém lhes mexe no cabelo, falam, falam e até têm sempre coisas para dizer, elogiar, denegrir ou, simplesmente, contar. E as coisas que se ficam a saber! É assim que as novidades sobre as coisas passam de boca em boca, verdadeiras ou falsas, até que a coisa se esclareça. Mas então, já se fala de outra coisa. Por isso, coisa boa é não ter coisa alguma para fazer. Ora, quem diz tal coisa, nunca precisou de coisar coisa nenhuma para ter aquelas coisas com que se compram as coisas.                                                                                                              Marisa canta “As coisas vulgares que há na vida não deixam saudades” e Quim Barreiros “Ela tem jeito para a coisa”. Já Roberto Carlos fala de “Coisas do coração” (“quantas coisas entre nós foram ditas sem falar”) e José Cid canta “Coisas do amor e do mar”. Enquanto Cláudia Pascoal diz que vive da música e de outras coisas, Gilberto Gil canta que “a fé é uma reafirmação constante e permanente do existir das coisas”. Já a Adriana Calcanhoto encanta com “Coisas sagradas permanentes” ao mesmo tempo que exibe os seios em palco, Mariana Reis lança “Coisas por dizer”. Há o programa do Nuno Markl “As minhas coisas favoritas” e Fernando Pessoa, escreveu no poema “Tabacaria”, isto: “A vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une. Sou o que penso? Mas penso ser tanta coisa. E há tantos que pensam ser a mesma coisa, que não pode haver tantos. Noutros satélites de outros sistemas, qualquer coisa como gente continuará fazendo coisas, com versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, sempre uma coisa defronte da outra, sempre uma coisa tão inútil como a outra, sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra”.                                                                             Não sei quem é o autor desta coisa, mas que é uma coisa interessante, é. Por isso transcrevo partes desta coisa que terá chegado do Brasil: “A palavra coisa tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de palavra “muleta” a que a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia. Coisas do português. Gramaticalmente, coisa pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo, como coisar. “Ó sua coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar”? … Alceu Valença canta: “Segure a coisa com muito cuidado que eu chego já” … “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça”. A garota de Ipanema era coisa de fechar o trânsito. Mas se ela voltar, se ela voltar que coisa linda, que coisa louca. Coisa de Jobim e Vinícius, que sabiam das coisas. Coisa não tem sexo. Pode ser masculino ou feminino … Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, “coisa nenhuma virou um monte de coisas. Mas onde a coisa tem história mesmo é na MPB. No Festival da música popular brasileira em 1966 a “coisa” estava na letra das duas vencedoras. “Disparada”, de Geraldo André, “prepare o seu coração para as coisas que eu vou contar”.  E a Banda, de Chico Buarque, “para ver a banda passar, cantando coisas de amor”. Nesse ano de Festival, no entanto, a coisa estava preta ou melhor, verde oliva. E a Turma da Jovim Guarda não estava nem aí com as coisas. “Coisa linda, coisa que eu adoro” … “Essa coisa doida”, é trecho da música “Qualquer coisa”, de Caetano Veloso, que também canta “Alguma coisa está fora da ordem”. E o famoso hino a S. Paulo, “Alguma coisa acontece no meu coração”. Por essas e outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez. Afinal uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. E tal e coisa e coisa e tal. Um cara cheio de coisas é um indivíduo chato, já um cara cheio das coisas vive dando gozo. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está sempre feia. O salário mínimo não dá para coisa nenhuma. A coisa pública não funciona no Brasil. Político, quando está na oposição é uma coisa, mas quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando elege o seu candidato de confiança, pensa: “Agora a coisa vai”. Coisa nenhuma. A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar, outra é fazer. Coisa feita. O eleitor já está cheio dessas coisas. Se as pessoas foram feitas para se amar e as coisas para ser usadas, porque então nós amamos tantas coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: As melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra. Paz, saúde, alegria e outras coisitas mais. Mas deixemo-nos de coisas.                                                                                            Cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida. Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: Amarás a Deus sobre todas as coisas. Entendeu o espírito da coisa?”

Negócio: O alimento que sai de um esgoto natural …

Ora, depois de ter tido uma estufa para produzir cravos em sociedade informal, negócio que foi salvo pela revolução do 25 de Abril e pela “febre de cravos vermelhos” ao fazer escoar num ápice uma produção “encalhada” e depois de ter uma exploração de coelhos também ela em sociedade informal de três amigos, que nos fizeram atravessar a Espanha à procura de progenitores, mas garanto que nunca os “tirei da cartola”, decidi agora tornar-me produtor de ovos, abraçando uma nova atividade para dar o contributo ao crescimento da economia e do PIB nacional. É verdade, esta ideia dos ovos entrou-me na cabeça depois de ver o preço a que já chegou a dúzia no supermercado e ao acreditar que a guerra na Ucrânia está aí para durar. Ora, quando a minha exploração de galinhas poedeiras estiver em plena produção, pelos meus cálculos cada ovo já deve valer 1 euro ou mais. É verdade que este é um negócio de trampa porque os ovos saem pelo mesmo buraco por onde saem as fezes e a urina da galinha. 

Ou seja, é um alimento que vem a este mundo através de um “esgoto natural”. Mas é o que é e eu quero fazer a diferença ao produzir os verdadeiros “ovos do campo, biológicos”, pois as minhas galinhas vão esgravatar na terra, comer o que a natureza lhes der, ser livres e felizes. Mas não quero ter ovos de aviário conseguidos à base de rações com muitos ingredientes que fazem mal à saúde e onde até o corante entra para o amarelo da gema ser mais vivo. Nada disso. Quando muito, poderão comer alguns grãos de milho, diria poucos para não aumentar ainda mais a importação de cereais que vêm quase todos de fora. E vai ser tudo à moda antiga pois até vou recorrer ao velho costume de lhes meter o dedo no cu para saber se têm ovo ou não para “botar” … 

O meu plano de negócio diz-me que o investimento é bom, a começar pelo pavilhão para as galinhas se abrigarem e “botarem” ovos, se bem que, como andam ao ar livre, podem “botá-los” em qualquer sítio da “propriedade” pois, se a vontade chegar longe do abrigo, só têm de se aninhar num canto e pôr, como fazíamos em criança quando no meio do monte precisávamos de nos “aliviar” …

Confesso que estou a cometer uma ilegalidade: não submeti o projeto a licenciamento para não atrasar a construção do “pavilhão” por mais 2 a 3 anos com as burocracias do costume. E assim, as obras já estão bastante adiantadas: paredes ao alto, chapa lateral e caixilharias. Só falta colocar a cobertura e pouco mais. Quanto à “propriedade” está a ficar quase toda vedada para que as galinhas andem por ali sem risco de se perder ou serem comidas pelas raposas e texugos. Vou ter de estar de olho nos ovos, porque podem ser largados em qualquer sítio, para precaver que as aves de rapina e os cucos os comam.

Em qualquer indústria, mais importante que produzir é ter uma boa rede de escoamento do produto. Não me adianta nada produzir ovos, muitos ovos, e ficar com eles acumulados em casa. Não vou chocá-los nem sequer vou fazer omeletes. É por isso que já tenho cinco clientes assegurados que me garantem o consumo da produção quase na sua totalidade. Só não sei se pagam bem! Aliás, para estar seguro de que todos os ovos terão saída, parte da produção destina-se à indústria de pastelaria para poder dormir tranquilo: se não me pagarem com dinheiro, vão ter de me pagar em bolos …                                                                                               Como não podia deixar de ser, nos tempos que correm, este projeto tem uma vertente ecológica, pois pretende vir a aproveitar os restos de legumes e frutas que, doutra forma, vão parar ao caixote do lixo. Com tal medida reduzo a quantidade de lixo dando utilidade a parte dos resíduos orgânicos e, ao mesmo tempo, diminuo a quantidade de milho a comprar para alimentar as aves. Além disso, já fiz plantação de maracujás e chuchus que estão a usar as vedações como suporte para se estenderem à vontade e produzir fruta deliciosa até porque serão fertilizados com “guano” natural, resultado do aproveitamento dos excrementos das aves ricos em nitrogénio, o que me trará um rendimento suplementar, especialmente nos maracujás pois o preço está bem apetitoso … para quem vende. E até os frutos caídos serão aproveitados na íntegra ao alimentarem diretamente as galinhas.

Para me dedicar a este ramo de atividade tive de estudar bem qual a raça de galinhas poedeiras que mais interesse tinha para mim. Colhi informações dos técnicos mais credenciados e cheguei à conclusão que deveria escolher uma raça com origem nos Estados Unidos, com o nome de Rhode Island Red, pois está bem adaptada e pode pôr 250 ovos por ano ou mais. É muito ovo para uma só galinha. Ainda pensei na Pedrês Portuguesa, até porque o povo diz que “a Pedrês vale por três”. Mas lembrei-me que o mesmo povo também diz que “Santos da terra não fazem milagres”. Depois de rejeitar as raças asiáticas pois acho que “devem ter os olhos em bico” e seriam demasiados “bicos” para comer, e pôr de lado as raças inglesas por terem a mania que pertencem à monarquia, escolhi a raça americana porque pode ser que com isso me ajude a realizar o “sonho americano”.                                   Já aprendi que, no espaço que está reservado às galinhas, não posso ter cebolas, abacates, citrinos, cascas de batata nem feijão seco, pois as minhas “inquilinas” não podem comer nada disso. Ora, sendo elas consideradas “trabalhadoras”, se bem que só recebendo a título de pagamento, “cama, mesa e cuidados de saúde”, tenho de dar atenção a toda a “hotelaria” para que se sintam bem instaladas, sem stress ou agitação. Só assim poderão produzir em pleno e com qualidade. É que eu quero que os clientes se sintam muito satisfeitos com a qualidade dos ovos, a começar por mim como cliente número um e pelos meus filhos na qualidade de clientes dois e três. Já decidi que não compro um jeep para percorrer toda a propriedade vedada, com 20 hectares, digo, com 20 metros quadrados, tendo ao fundo aquilo a que o povo chama “galinheiro” embora eu, pomposamente, chamo de “pavilhão”, onde se vai abrigar um numeroso grupo de … 6 galinhas.                                                                                                  Como compreenderão, já não vou poder aceitar mais clientes para os ovos, embora esteja a equacionar fornecer um ou outro interessado em bolos, se a “mestre pasteleira” da família não desistir por cansaço. Terei a porta aberta para receber frutas e legumes, evitando que vão parar ao lixo e talvez venha a abrir uma escola para ensinar “como construir um galinheiro”. Ou, se preferir, um “pavilhão para galinhas poedeiras”. Sempre dá outro estatuto …

Crónica para o diretor do jornal …

Hoje, mal soube a notícia, disse a mim mesmo que esta crónica seria dedicada a ti. Mas, confesso, estou sem jeito para escrever o que quer que seja, faltam-me as palavras e nem sei bem por onde começar. E o problema está em mim, pois não se pode escrever sobre alguém de que, pessoalmente, se conhece pouco, a não ser do resultado do seu trabalho.                                                                                                                   Devo dizer que és o culpado de eu ter voltado a escrever “coisas” para um jornal, depois de me ter aventurado a percorrer esse caminho já lá ia um bom par de anos. No teu jeito bem tranquilo, não me fizeste um convite formal, mas disseste:                                                                            “O senhor podia voltar a escrever para o jornal, se quisesse”. A conversa foi de curta duração, mas deixaste-me a pensar no assunto e, dias depois, acabei por te telefonar a dizer que “acedia à tua sugestão (que nem sequer chegou a ser um pedido) e ia ver se escrevia qualquer coisa. Já lá vão mais de dez anos, já respondi à tua sugestão com cerca de 500 crónicas que, como são mais longas do que é habitual, funcionam como soporífero para os leitores que se aventuram a ler para além do título, correndo o risco de adormecer a meio.                                                                                                                             E sei disso porque alguns amigos (que gostam das notícias tipo telegrama), já me têm manifestado esse “defeito”. Mas a verdade é que durante estes mais de dez anos nunca me disseste para escrever artigos mais ou menos curtos, nem para abordar ou não um ou outro tema. Deste-me rédea solta de tal forma, que isso me levou a explorar alguns assuntos que, no dizer de um amigo meu, “não estão de acordo com a minha condição”. Mas é preciso ir para além do “politicamente correto” de vez em quando, agitar as águas e as consciências, brincar com a minha condição humana e os meus defeitos, que são os mesmos de muito boa gente que não gosta de se ver ao espelho …                                                                                Ia-me esquecendo que me enviaste muitas mensagens ao longo destes anos todos, uma realidade muito incómoda … para ti. Porque foram sempre a perguntar a mesma coisa: “ainda vai enviar o artigo para o jornal desta semana”? É que nem sempre tive tempo ou a inspiração para escrever atempadamente a crónica semanal quando passou a ser habitual e daí o teres de “me lembrar” que estava a ser precisa para preencher esse espaço no jornal. E fizeste-me trabalhar muitas vezes fora de horas para cumprir contigo um contrato que não assinamos nunca e sem quaisquer cláusulas de direitos e obrigações. E hoje aqui, confesso-te que o fiz muitas vezes a pensar que não podia trair a tua confiança, pela enorme responsabilidade que é exigida ao diretor de um jornal regional e pelas dificuldades de sustentabilidade com que se deve defrontar para o manter de pé, especialmente neste tempo surreal das redes sociais.                                                                        Também nunca me perguntaste quanto terias de me pagar por cada crónica que eu escrevi, mas é verdade que nunca me apresentaste a conta do que teria de pagar pela publicação de cada uma, se calhar por cada linha. Nunca houve necessidade dessa contabilidade do deve e haver e as únicas coisas que recebi (e não serão de pouca monta), foram as borlas em um ou dois jantares do jornal para os quais me convidaste e as amáveis palavras, tuas e da tua mãe, como estímulo, para compensar o trabalho de matraquear nas teclas do computador.                                                                                 Encontramo-nos na rua por mero acaso há três ou quatro meses e eu ainda quase não abrira a boca quando me deixaste sem reação. Nesse teu tom tranquilo habitual informaste-me que não terias mais do que três meses de vida, como quem diz que vai ficar nu por falta de roupa ou conhece o prazo de validade da sua “pilha”. E tinhas razão. Como disse, a surpresa da notícia fez com que não te desse os parabéns, que dou agora por, com erros e acertos, avanços e recuos, ter “carregado” e levado a bom porto a herança da família “Afonso” que é este Jornal. E, deixa-me que te diga, é tarefa em que eu não me aventuraria. Assim, ao conseguires “levar a carta a Garcia” e o mesmo é dizer “cumprir a missão eficazmente, por mais difícil ou impossível que possa parecer”, tens todo o meu apreço, o meu abraço e a minha homenagem.                                                                                                          Para concluir, apesar de querer andar por cá mais uns anitos a tentar bater a idade de minha mãe, faço-te um pedido: Ao instalares-te nessa “nova morada” e depois de assumires as funções de direção do Jornal  do Purgatório onde estás para o processo temporário de purificação em que a alma é preparada para entrar no Reino dos Céus, reserva-me desde já um espaço nesse Jornal para as minhas crónicas, já que cada uma deve contar um ponto para a remissão dos meus pecados, que não são assim tão poucos. Mas não te preocupes se para os remir por completo tiver de escrever muitos milhares de crónicas, para as quais já tenho muito material – só o dossier TAP é um poço sem fundo que nunca mais acaba de nos surpreender – e, em abono da verdade, tempo não me faltará, pois terei “todo o tempo do mundo” …                  E até um dia destes, meu caro Sérgio Afonso, Diretor do TVS.         

100 anos é muito tempo …

Cem quilómetros é muita estrada, cem sóis seria um mundo de luz e cem tiros na “mouche”, muito acerto. Já cem anos é muito “caminho” e muito tempo de vida, um sucesso de longevidade só ao alcance de alguns. A estatística regista que em Portugal há pouco mais de 5.000 pessoas com mais de cem anos de idade, ficando o resto ao longo da viagem, com as doenças crónicas que nos são habituais. Diz o ditado chinês, com cerca de 3.000 anos, que o segredo da longevidade está em “comer pela metade, exercitar em dobro e sorrir o triplo”. Nesse sentido, há estudos a referir que o nosso estilo de vida determina em 90% o nosso potencial para viver mais ou menos tempo.                     Mas há muita confusão sobre qual o melhor estilo de vida. Desde as dietas incríveis aos especialistas televisivos que dizem saber tudo, aos produtos milagrosos vendidos pela internet, há de tudo por todo o lado. A maioria não passa de uma grande mentira. O certo é que não estamos programados para viver tanto tempo e não há “milagreiros” que nos valham, a não ser estilos de vida comprovadamente bons. É o caso da região da Barbagia, na ilha da Sardenha, em Itália, onde estão os homens com 10 vezes mais centenários do mundo que nos países desenvolvidos e com qualidade de vida. O segredo? Além da muita atividade física natural e de uma alimentação simples e saudável, o verdadeiro segredo parece estar na forma como as pessoas idosas são tratadas. Enquanto nas sociedades ocidentais são “descartáveis”, ali, quanto mais velho é mais valor tem, com relevância na sabedoria. E as mulheres de Okinawa, no Japão, são as que têm mais centenárias no mundo. Segredo? Comem em pratos pequenos, a panela não vai para a mesa e o que sobra fica longe da vista para não haver tentação. Só enchem 80% do estômago e, quando nascem, ficam logo com 6 amigos que as vão acompanhar para a vida e que estarão sempre prontos a ajudar nos momentos difíceis.                                                     

Há poucos dias uma senhora nossa conterrânea completou 100 anos de vida, uma ocasião muito comemorada pela família mais próxima, pelas pessoas da aldeia que por ela têm um carinho especial entre familiares e amigos, sobre o patrocínio do presidente da junta de freguesia e depois por um leque muito alargado de familiares. Mas, além de completar o centenário, o que por si só já é um feito, mantem uma excelente qualidade de vida sendo totalmente autónoma, o que lhe permite ir semanalmente às compras e à missa, cuidar do jardim e usar a máquina de costura para fazer alguns arranjos na sua roupa e até na dos seus filhos. Vê todos os dias o telejornal para se manter informada e quando a filha lhe diz para não acreditar em tudo o que dizem, ela responde-lhe: “Eu gosto de ouvir todas as notícias, mas só acredito naquilo em que quero”. Mantém conservadas as memórias de antigamente, recordando muito bem as pessoas e factos do seu passado distante, de que fala com tranquilidade.

Onde está o segredo da sua longevidade? Se quisesse ser adivinho, diria que tem algumas coisas do que já falamos aqui: Não come demasiado consumindo com regularidade vegetais e frutas, bebe um a dois copos de vinho por dia desde criança – relembra que quando tinha 6 anos de idade a mãe prometeu-lhe um “carrinho de corda” se não bebesse vinho durante um ano e ela cumpriu e ganhou – faz parte de um grupo e de uma comunidade, tem uma boa rede de pessoas amigas que não a deixam isolada e a família foi sempre a sua única opção. Mais, como católica e praticante foi catequista e ensinou várias gerações. Porém, talvez o grande contributo para a sua longevidade venha, para além do vinho, de algo impensável: carne de porco e os fritos. E esta? Das suas mãos nasceram trabalhos excecionais de rendas e bordados, para além de todo o tipo de roupas em malha, antes à mão e depois com máquina, tendo feito da sua casa uma autêntica escola de artes para jovens e menos jovens, com paciência e um sorriso no rosto, a título gratuito, recebendo somente por recompensa o prazer de ajudar os outros, o que fez pelos Vicentinos e a título pessoal ao longo do tempo. O seu estilo de vida, em geral tranquilo, ajudou-a a superar as perdas duras e extemporâneas do marido e dois filhos que a afetaram muito, mas de que soube fazer a aceitação.  

Escrevi-lhe uma carta há 10 anos quando ela fez 90 anos, para lhe dizer que, por ter de me deslocar fora do país iria estar ausente no seu aniversário. Mas sobretudo para lhe transmitir o meu orgulho e privilégio de ser seu filho, de me ter recebido e aceitado como uma bênção de Deus e assim me considerar ao longo de todos esses anos.

E, dez anos volvidos, continuo a ter a felicidade de ter a mãe querida que me cobriu de bênçãos em tempos tão difíceis como foram esses do pós-guerra, fazendo-me sentir muito amado. De ser a pessoa que desde criança me ensinou o amor pela natureza, ao fazer-me livre e responsável. De me ensinar o valor da caridade e da solidariedade e a sua prática, o respeito pelos pais, pelos mais velhos, autoridades e os mais fracos. De me mostrar a importância da palavra, da honra e do bom nome como valores fundamentais e preciosos da nossa vida.

Foi o meu Anjo da Guarda que me deu o mundo e soube libertar-me a esse mundo para seguir o meu caminho e constituir família.  Deu-me ânimo sempre que falhei ou quis desistir, em gestos que diziam muito mais do que em palavras que não dizem nada. Seus olhos foram bem firmes quando precisei de uma lição e sacrificou-se por nós, filhos, tendo-nos posto sempre em primeiro lugar, mesmo à mesa.                             Tive a felicidade de ter uma mãe sem preocupação de ter um único filho por não ter tempo, porque tinha todo o tempo do mundo para nós. Que esteve sempre presente e não tinha de me acordar ao nascer do dia para me entregar a outra. Construiu o meu caráter, ensinou-me todas as boas maneiras e os valores importantes da vida como a solidariedade, honestidade, amor ao próximo, a caridade e o respeito. E se foram diversas as escolas que me deram a instrução, a educação devo-a à minha mãe.

Não vou dizer o que faria se tivesse adivinhado que a mãe viveria 100 anos, pois a Luísa e os meus filhos poderiam não gostar de ouvir. Mas não posso estar mais feliz ao vê-la nesse rol restrito das centenárias portuguesas, pois é o sinal de que continuo a contar com ela para me ajudar quando preciso de conselho. E ela mantém a lucidez e o bom senso para o fazer.

Acabo com o mesmo final da carta que referi: “Diz-se que Deus não podia estar em todo lado e por isso criou as Mães. Pergunto então: “Meu Deus, porque permites que as Mães tenham de ir embora? Porque será que as queres levar um dia?” É que Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não se apaga. Será que posso pedir a Deus um descuido, que a possa fazer eterna”?

Obrigado, MÃE. Pelo seu aniversário e por ser quem é. 

A tradição ainda é (quase) o que era

Passou mais um dia de Páscoa onde se celebra a ressurreição de Jesus Cristo ao terceiro dia após a sua crucificação e morte no Calvário. Mas a verdade é que, quando era criança, na minha aldeia, e não só, vivia-se a Páscoa com mais fervor religioso. E a tradição ainda é o que era?  No sábado, véspera do dia de Páscoa, ao andar por aí, vi muita gente de calças arregaçadas, mangueira com água a correr numa mão e na outra uma vassoura para fazer a “limpeza geral” própria desta época. É a tradição no seu melhor, com os ajustes próprios da melhoria das condições de vida. Se antes se varria o terreiro da casa com uma vassoura artesanal de giestas ou um varrisco de codessos porque o piso era em terra batida, hoje, como o pavimento exterior é em cimento, tijoleira, cubos ou mesmo em placas serradas de granito, varre-se com vassoura ou espanador industrial e quando é necessário lavar o pavimento usa-se a mangueira com água e até a máquina de pressão para retirar toda a sujidade. Pelo contrário, como antes não havia água canalizada, as escadas de pedra eram lavadas à mão, de joelhos, com uma escova grande e sabão azul ou rosa. Duma maneira ou de outra, muitos são os que mantêm a tradição desta limpeza geral “para receber o Senhor”.                                                                                                  A tradição determina que essa “limpeza” também se estenda à alma através da confissão e era algo que a grande maioria da população fazia pessoalmente diante de um padre, de joelhos, verbalizando os pecados cometidos, tradição essa que veio a perder importância ao longo do tempo. Parece que a “lavagem da alma” passou a ser menos importante que a das nossas casas …                                                                 O domingo de Páscoa era uma ocasião muito especial pois começava por ser o “dia das estreias”. Não, não se tratava da estreia de nenhum filme, mas tão somente de roupa nova, fosse uma camisola, camisa, calças ou, melhor ainda, um fato completo. Como as dificuldades eram mais que muitas, quando os pais queriam dar algo novo para vestir aos filhos – e a si próprios – aproveitavam o dia de Páscoa porque a roupa funcionava não só como prenda da época, mas também como coisa útil para a ocasião já que a tradição mandava que se vestisse o melhor fato ou vestido nesse dia de festividade. E o “fatito” servia as duas coisas. Ora, para nós miúdos de então (e até os graúdos), uma roupa nova era razão suficiente para ficar feliz. E ainda me vejo todo vaidoso a exibir a roupa, fosse o fato ou uma simples camisola. Hoje a Páscoa já não é ocasião para estrear fatos, muito menos camisolas, até porque nesse dia a maioria das pessoas veste informalmente. Aliás, já nem há ocasiões especiais para ter de se estrear roupa nova a não ser nos casamentos, porque as mulheres não podem aparecer com um vestido que já usaram num outro casamento. Seria um escândalo …                                                                       Se antes a maioria das crianças recebia a “rosca” de trigo (regueifa) ou uma simples “pitinha” (a imitar um pintainho) feita da mesma massa e passeava-se todo o dia com ela enfiada no braço pelos caminhos da aldeia porque era um privilégio único ter uma “rosca” só para si, coisa a que não tinham acesso no resto do ano, hoje nada disso tem valor porque a fartura é muita e nem sequer as “roscas de pão de ló” ainda são algo especial …                                                                                                  A visita pascal era o momento mais festejado na aldeia. Apesar das casas serem muito modestas, não havia quem não cuidasse de as limpar, arranjar e engalanar para “receber o Senhor”. À entrada da casa espalhavam-se flores e folhas em especial de era, mais tarde substituídas por “tapetes de flores”. Aliás, hoje é uma tradição que se mantém e eu próprio não deixo de apanhar folhas de era no jardim para atapetar a entrada de minha casa, sinal de que quero receber o “compasso”. Se antigamente praticamente todas as casas da aldeia estavam abertas para o receber, além de em muitas delas obrigarem os elementos do grupo a comer e beber alguma coisa, atualmente já são bastantes as que estão fechadas e são tantas mais quanto mais urbano for o meio, pois alguns já não estão para aí virados e outros aproveitam para gozar umas miniférias pascais num qualquer paraíso turístico, dentro ou fora do país, relegando para segundo plano essa coisa de passar a Páscoa em casa. Nas minhas recordações a imagem do “compasso” começa sempre com o tocar duma campainha agitada fortemente por uma criança no caminho entre casas, anunciando a sua chegada. Este ano vinha em dose dupla. A seguir vinha o juiz da cruz com esta nas mãos e era ele que a dava a beijar, tradição que se mantém, só interrompida pela pandemia. E era o senhor padre que nos dizia algumas palavras de saudação e anúncio da ressurreição de Jesus, mas que hoje tem nos acólitos os seus substitutos por força das circunstâncias. E à saída andava alguém com uma cesta para recolher os ovos oferecidos, uma tradição que desapareceu.                                                                                                  Há uma coisa que foi aumentando de forma muito significativa ao longo do tempo: os foguetes. Se antes não passavam de uma dúzia ou pouco mais ao longo do dia de Páscoa, hoje, desde o amanhecer até já depois de cair a noite, o foguetório é quase contínuo e o som chega de todos os lados pois não deve haver paróquia nenhuma que não mande as suas bombas, levando a que a minha cadela passe o dia refugiada debaixo da cadeira e até se retraia de ir lá fora fazer as necessidades, pois costuma ser apanhada a meio caminho com novos estrondos, fazendo com que desista e volte a correr para o seu “abrigo” à prova de bomba.                                                                                                                  A Páscoa é a celebração da ressurreição de Jesus Cristo, ontem como hoje, embora as vivências sejam diferentes. Atualmente vê-se no dia de Páscoa mais o fim de semana prolongado e a oportunidade de sair de casa para descanso ou diversão, enquanto noutro tempo prevalecia o sentido original da celebração, com as pessoas a deslocarem-se de longe ou perto num regresso à casa paterna e o povo em autênticas arruadas atrás do compasso. Mas, apesar de tudo, na província ainda se preserva a tradição, com as alterações próprias dos novos tempos.  A Páscoa faz-me relembrar sempre o propósito do sacrifício e morte de Jesus Cristo e a mensagem de que, enquanto vivendo em sociedade e em comunhão com os outros, temos a obrigação de nos sacrificar e sofrer para ajudar os que nos rodeiam sejam eles familiares, amigos e mesmo desconhecidos, de ser solidários, porque um dia destes, e que vem mais depressa do que esperamos, podemos ser nós a precisar do sacrifício, sofrimento e solidariedade de alguém …