É caso para dizer, “cruzes, canhoto”!

Ao longo dos séculos, todo aquele que era considerado “diferente” da maioria era cruelmente perseguido e condenado pelos demais. E os canhotos, as pessoas que utilizam preferencialmente a mão e o pé esquerdo, encontram-se nesse grupo de “párias”. Assim, ser canhoto, nem sempre foi visto com bons olhos. Durante boa parte da história da humanidade quem escrevia com a mão esquerda sofria de certeza, preconceito cultural, social e religioso. E houve casos até de pessoas queimadas vivas por “tamanho sacrilégio”. O que já foi considerado bruxaria, maldição ou superstição é, tão somente, uma questão de genética.

Foi assim que, na Idade Média, os canhotos, especialmente mulheres sofreram perseguição implacável. No caso delas, todas as acusações de bruxaria baseavam-se na relação estabelecida nos textos antigos entre o lado esquerdo e o pecado e a tentação. Em tempos recentes e durante muito tempo, os pais, professores e as instituições de ensino pressionavam as crianças para usarem a mão direita ao invés da mão esquerda. Assisti a esse “filme” e vi um colega de escola a ser avisado, admoestado e contrariado para não usar a mão esquerda …

Desde sempre a mão direita tem sido associada a todas as coisas boas e puras, enquanto a mão esquerda é sinal de tudo que é profano, mau e inferior. Este simbolismo está presente em quase todas as culturas. Por isso, o lado esquerdo é evitado quase universalmente. Os antigos gregos e romanos consideravam o lado esquerdo inferior e profano, e nos tempos medievais, o uso da mão esquerda era ligado à feitiçaria. Na Nova Zelândia, o lado esquerdo é dedicado a demônios e ao diabo. Os muçulmanos acreditam que Alá fala às pessoas na orelha direita e o diabo na esquerda. Na era medieval, o diabo era representado com a mão esquerda estendida. Entre os índios americanos, a mão direita representa coragem e virilidade e a mão esquerda, morte. Na África, o direito é bom, esquerdo é mau. Em alguns países, uma esposa nunca deve tocar seu marido no rosto com a mão esquerda. Na América do Sul, a direita é boa, é vida, divino e a esquerda é feminina, ruim, má e mórbida. E onde começou tudo isso? Na … costela esquerda de Adão. No passado, como a mão direita sempre foi a dominante, a esquerda era usada para a higiene depois da defecação. Por isso, ninguém levava comida à boca com a mão esquerda, e algumas culturas ainda hoje consideram ofensivo cumprimentar alguém com a esquerda. Até mesmo nos gaúchos, passar a cuia de chimarrão com a mão esquerda é ofensa. E entre os árabes, qualquer texto santo só pode ser tocado com a mão direita. 

Todo aquele que utiliza mais os seus membros esquerdos do que os direitos para os seus afazeres, é vulgarmente conhecido por canhoto, podendo também ser chamado esquerdino, esquerdo e sinistrômano. Mas, afinal, se a maioria das pessoas faz tudo com a mão direita, por que algumas delas nascem com a esquerda predominante? O certo é que continuamos sem saber muito bem por que algumas pessoas são canhotas e outras são destras. 

Estudos revelam que os canhotos representam cerca de 10% da população, pelo que, como a grande maioria é destra, quase todos os aparelhos são projetados para ser usados ​​por estes, dificultando o seu uso e a vida dos canhotos. Como consequência disso, os canhotos acabam por ganhar salários menores darem menor rendimento pelo facto das maquinarias lhes serem adversas. Além disso, também correm maiores riscos de sofrer acidentes, precisamente porque os equipamentos são feitos para ser usados com a mão direita e não com a esquerda. Nascer canhoto num mundo feito para destros não é fácil. Segurar uma caneca ou usar uma tesoura, por exemplo, podem ser tarefas surpreendentemente difíceis para essas pessoas, tal como teclados, facas, abridores de latas, saca-rolhas, serras, tornos e outros objetos produzidos e pensados para usuários destros. Mesmo que alguns objetos sejam inofensivos, como os teclados, serras, tornos, facas e abridores de latas, estes podem causar acidentes graves a pessoas canhotas. Apesar de tudo isso, os canhotos passaram de uma situação em que eram vistos como deficientes (o sinistrum do latim tinha até uma conotação moral), para uma situação oposta em que se começaram a encontrar-lhes muitas, e boas, virtudes. É caso para dizer, “cruzes, canhoto”!

E que é ser canhoto?
Ser canhoto é ser um jogador genial como Diego Maradona ou Messi. Ser canhoto é ser guerreiro como Alexandre, o Grande ou estratega como Napoleão Bonaparte; ser canhoto é ser génio da Matemática e da Física como Newton, da música como Beethoven e até da Física moderna como Einstein; ser canhoto é ser o maior génio da história como Leonardo da Vinci pela multiplicidade de artes e ciências em que se destacou; ser canhoto é ser o melhor piloto da história da F1 como Senna e o melhor guitarrista da história do rock como Hendrix; ser canhoto é ser um génio da pintura como Michelangelo, Rafael ou Picasso; ser canhoto é ser excecional atriz ou ator de cinema como Marilyn Monroe, Julia Roberts, Bruce Willis ou Tom Cruise; canhoto é ser um músico e compositor genial como Paul McCartney, Paul Simon ou Bob Dilan; ser canhoto é ser um pacifista como Gandhi; o canhoto é ser um presidente dos USA como Reagan, Bush, Clinton e Obama; ser canhoto é ser um escritor como Mark Twain. Ser canhoto é ser um tenista como Rafael Nadal. 

Ser canhoto é, enfim, ser o que quiser ser, podendo mesmo vir a ser o melhor, como estes e tantos outros que deixaram o seu nome gravado para a posteridade a letras de ouro, provando que, ser canhoto, só por si, não condicionou ninguém a ser o que sempre desejou. Mas, a perseguição de que foram alvos, deixará uma pergunta no ar que nunca terá resposta: Com a fobia e perseguição aos canhotos, quantos talentos não terão sido sufocados ao longo da história e que a história irá ignorar para sempre? 

Nada substitui o tempo que se lhes dá! (2)

O tempo é um recurso finito: usou, acabou. Se não o gerirmos bem, algo ficará por fazer. Horas diárias nas redes sociais deixam alguém de fora. Não queira fazer isso com os filhos, cônjugue, família, amigos e consigo, para estar satisfeito com a vida. E se não for capaz de se organizar para poder dar-lhes tempo na infância e adolescência, pelo menos, se calhar é melhor pensar no assunto antes de os ter. Se já os tem, pense nisso e não arranje desculpas porque assumiu muitíssimas responsabilidades quando decidiu ser pai ou mãe. Ou acha que não?

É que, os primeiros responsáveis pelo desenvolvimento das relações sociais duma criança são os pais: pai e mãe. O cérebro do bebé é como uma esponja que absorve tudo o que vem do que o cerca e, é natural, a criança tem desejo de explorar e aprender sobre tudo isso. Daí inundar a todos com uma enxurrada de perguntas, que devem ter respostas de qualidade e exemplos. Embora se possa justificar a falta de tempo, bom será reforçar a importância de ser modelo para os filhos e de poder dedicar-lhes tempo em qualidade e quantidade, porque esse tempo em quantidade e qualidade deixa marcas profundas, dá autonomia, inspira confiança, molda padrões, estabelece regras, forma amigos. Por isso, seja justo consigo e com seu filho, deixe que assimile da sua conduta e não deixe esse privilégio para outros. “Ensine bondade demonstrando bondade, as boas maneiras, praticando-as, a meiguice, sendo meigo, a honestidade e a veracidade, exemplificando-as”.

E para se inspirar, que tal aprender com exemplos como o de Vera. Quando lhe nasceu o primeiro filho foi-lhe diagnosticado autismo e apesar de ser a responsável de metade das lojas de uma multinacional no nosso país, uma situação invejável, abandonou a empresa para se devotar unicamente a ele. Foram anos de dedicação sem limites, lendo, informando-se, acompanhando-o a todos os lados. Dez anos depois ela e o marido decidiram ter outro filho. E veio então novo rapaz … autista. Passaram a ter dois filhos com autismos distintos e personalidades às avessas, a ser seguidos por terapeutas com tratamentos diferenciados. Mas, como a magia ou os milagres às vezes acontecem, conseguiram agilizar o relacionamento entre os dois. E Vera continua dedicada de corpo e alma aos seus amores que, apesar das dificuldades, a fazem sentir muito feliz. 

Por cá existem mais casais com dois filhos autistas e são-lhes de uma dedicação extrema! E não posso deixar de lembrar a Daniela que optou após a nascença por dar o seu tempo por completo ao filho, também ele autista, numa dedicação que deveria fazer corar de vergonha os pais comuns de crianças comuns, que praticam o extremo oposto …    

Já Marisa, recém-casada e a viver no rés do chão da casa dos sogros, ao saber que ia ter 3 filhos de uma “assentada”, chorou, mas mais chorou ao saber que um deles tinha paralisia cerebral e poderia não chegar a andar, falar, respirar, enfim, a viver. Deixou o emprego que tinha e assumiu o de Mãe a tempo inteiro e o compromisso de que a filha um dia iria andar. E a sua vida tornou-se numa roda-viva entre consultas médicas e tratamentos diversos. Contrariando a previsão de alguns clínicos, Susi foi equilibrando o corpo, começou a gatinhar, apresentou melhoras significativas. Com a posição dos pés em pontas a impedir de andar, foi sugerida uma cirurgia no México aos três anos de idade e lá foi, com a total solidariedade económica e emocional da família. E Susi já passou a dar alguns passos sem apoio e foi melhorando, até que um cirurgião russo lhe recomendou nova cirurgia em Madrid, aos seis anos, renovando a esperança. Criou uma rifa para fazer dinheiro e uma amiga desencadeou uma angariação de fundos, que lhe permitiu levar a filha a ser operada em Madrid com sucesso e entrar num processo de recuperação com tratamentos, terapias e duas novas cirurgias, que lhe permitiram tornar-se autónoma e estar quase a concluir o secundário.

E cresceu como pessoa e mulher, tomando consciência do que é verdadeiramente importante nesta vida, do que tem significado. 

Queixa-se da vida? Não, nem pensar. Pensa até que toda a gente devia passar por uma provação como a sua, para poder crescer e encontrar um objetivo digno para viver.      

Daquilo que para a maioria das pessoas seria uma cruz, e para ela tem sido bem pesada, ela fez dela a sua redenção, a sua bênção, o significado para a sua presença aqui. E diz, com um sorriso nos lábios: “Se Deus me deu de uma vez três filhos para tomar conta, tendo um deles problemas de saúde tão graves, por alguma razão foi. Porque ELE sabe o que faz.”  

Há dias assisti à celebração de uma missa e, no banco à minha frente, estava uma mãe relativamente jovem acompanhada por uma menina de 8 a 10 anos, com sinais duma doença cromossômica. Do início ao fim aquela mãe deu uma lição de amor e dedicação à sua filha como nunca vi. Sempre de sorriso no rosto, irradiava um brilho nos olhos de alegria e felicidade pela preciosidade que tinha a seu lado, fazendo-a seguir as diversas fases da celebração. Em momento algum deixou de dar atenção à sua filha “especial” e sorrir, cobrindo-a de carinho numa lição de entrega e amor, sem olhar à doença e suas limitações. 

Como a “cereja em cima do bolo”, o padre celebrante na homilia, referindo-se à leitura do evangelho, disse que “Jesus deseja que cada um aceite e carregue a sua cruz, pesada ou leve, boa ou má, com alegrias e tristezas, sem revolta ou mágoa. E ao ver aquela mãe abraçada à filha “especial”, numa imagem de felicidade, não pude deixar de pensar que Jesus a terá enviado como o exemplo acabado e perfeito de “como todos nós deveríamos carregar a cruz que nos tocar”, com razões dobradas para quem tem filhos sem doenças ou outras limitações em que a “cruz será bem mais leve e mais fácil de carregar” … 

Para estas mulheres e mães, a Teresa enviou-me a sua definição de “Mãe”: “Termo usado para designar um coração capaz de amar infinitamente. É sentir por dois, sorrir por dois, sofrer por dois, é dar o melhor de si duas vezes. É aquela que cura com um abraço e que sara a ferida com um beijo. É aquela que dá à luz AMOR.”

Nada substitui o tempo que se lhes dá! – 1

Diz-se que a maioria dos portugueses não tem dinheiro para ter uma vida digna, nem tempo para viver. Ora, se não tem tempo para viver, como tem tempo para ter filhos? Não, não falo no “tempo para fazer filhos”, isso é fácil e até é gostoso. Quem não gosta? Falo no tempo que é necessário para se lhes dar e dedicar. Quase sempre, tem-se filhos para outros criar, pois ainda pequeninos são entregues aos cuidados de familiares, quando há essa sorte, ou de desconhecidos se não se tem outra opção, numa ginástica operacional e orçamental nada fácil. Mas é triste saber que não seremos nós a ouvir a primeira palavra do nosso filho, nem a vê-lo dar os primeiros passos e a estar lá para o confortar na primeira queda. E ao conciliar a vida familiar com a profissional, alguém fica a perder e o elo mais fraco é sempre a criança. Tentamos encontrar justificações por não sermos nós a tomar conta deles, mas são razões económicas, em regra, pois necessitamos de dinheiro para comprar o que precisamos … e até do que não precisamos! E como não temos tempo porque, alegadamente, trabalhamos tempo demais, então que disponibilidade teremos para dar tempo aos filhos? 

A verdade é que (quase) toda a gente diz não ter tempo para eles porque tem (quase) sempre outras prioridades, que muitas vezes não passam de meras desculpas. Ora, se não se lhes dá tempo, não é de espantar que se recorra a todas as estratégias e mais uma para distrair e entreter as crianças, “comprando-se-lhes” o tempo ao dar-se tudo o que pedem sem questionar, com consequências trágicas na educação e na formação desses futuros adultos. E o smartphone é o substituto perfeito para fazer o papel de pai e mãe – o pai vê o futebol na televisão quando o filho lhe diz: “Pai, vamos brincar”? E o pai estende o braço para lhe entregar o smartphone enquanto diz: “Agora não, joga ou vê um vídeo”! É assim que a maioria dos filhos hoje tem tudo, só não tem aquilo que mais deseja: o tempo e a atenção dos pais! Mas podem dormir descansados pois a fatura de não se ter tempo chegará anos mais tarde, quando forem eles a não ter tempo para conceder aos pais, devolvendo-lhe em dobro aquilo que deles receberam …

Robert Keeshan, alertou para as consequências dessa falta de tempo, contando: “Uma menina, de dedo na boca e boneca nas mãos, aguarda impaciente a chegada dos pais. Quer contar uma coisa que aconteceu. Na hora, o pai chega. Mas ele, arrasado pelo stress do trabalho, muitas vezes diz à menina: “Agora não, estou ocupado”, “estou cansado” e “vai ver televisão”. Mas, se não é agora, é quando? “Mais tarde”. “Amanhã”. Mas esse “mais tarde” e esse “amanhã”, raramente chegam …

Passam-se anos, a menina cresce. Dão-lhe brinquedos, um telemóvel, roupas de marca, mas não lhe dão o que ela mais quer: algum do seu tempo. Agora tem catorze anos seus olhos estão vidrados e sentem que está envolvida nalguma coisa. “Querida, o que se passa? Fala comigo”! É tarde demais. O amor já passou por ali e foi-se … A criança que não encontra amor nem apoio quando mais precisa, tende a ir procurá-lo na adolescência em outros jovens, para substituir essa carência. E pode ser desastroso. Nessa altura, palavras, conselhos ou explicações, nada mais significam e falar de amor soa a falso, porque já não existe mais cumplicidade nem confiança na relação. Robert conclui: “Quando nós dizemos a um filho: “Agora não”, “mais tarde”, “vai ver TV” ou “não faça tantas perguntas”; quando deixamos de lhe dar aquilo que ele quer de nós, nosso tempo; quando não lhe damos atenção; não é que não nos importemos, mas só estamos demasiado ocupados para o atender com algo que dizemos ser importante e é só uma questão de prioridades”. Porque os pais são os grandes responsáveis para ensinar os filhos a reconhecer, controlar, ter empatia e lidar com os sentimentos que os acompanharão por toda a vida, ainda que algumas aptidões sejam aperfeiçoadas com os amigos ao longo da infância. E a falta de tempo não traz consequências só para a criança/adolescente, mas também para os pais que não desfrutam da companhia deles ao longo do seu crescimento. 

Felizmente, tem vindo a aumentar o número de pais que colocam os filhos como primeira prioridade, sobretudo na infância e adolescência, a altura mais crítica na sua formação, arranjando tempo para com eles estudar, explorar, brincar, descobrir, inventar e fazer todo o tipo de atividades, estabelecendo-lhes regras e criando uma cumplicidade que irá certamente durar para sempre e ficarão como boas recordações na sua memória. E, é verdade, são muito mais do que imaginamos. Ainda hoje encontrei e falei com dois Pedros, dois pais de crianças pequenas, perfeitamente sensibilizados para isto. Um demitiu-se do emprego que tinha no Porto, muito bem remunerado, a partir do momento em que foi pai, tendo vindo trabalhar para perto de casa apesar do salário ser inferior. Recuperou as cerca de três horas diárias de viagem que lhe são úteis para se dedicar ao filho o que “tem sido excecional”. O outro, com dois rapazes, reduziu o horário de trabalho para estar com eles na fase crucial, “dando-lhes tanto tempo a eles como o meu pai me deu a mim e pela importância que isso teve para ser a pessoa que hoje sou”. É curioso que esta decisão tenha sido muito criticada pelos colegas de trabalho, ao ponto de comentarem que “ele está a perder tempo a mais com os filhos”. 

As crianças precisam de se sentir amadas e queridas e de ver as suas necessidades atendidas. Precisam de tempo com os pais para os ver e observar enquanto exemplos e modelos. Precisam de tempo dos pais para poderem aprender, exercitar a dúvida, debate, a troca de ideias e de sentimentos e a argumentação. Mas, mais do que quantidade, é bem preciso “tempo de qualidade”. Pais eficientes são os que chegam a casa, depois dum dia de ausência, com saudades, e largam tudo para abraçar os filhos, brincar com eles e fazê-los sentir que são amados, antes de ver os e-mails, arrumar as compras ou ver televisão. Aí, sim, os filhos estão em primeiro lugar …

Um ananás “de pernas para o ar” …

Com certeza sabe que o ananás é um fruto comestível, mas o que pode não saber é que a imagem de um ananás invertido é um símbolo internacional que, há décadas, é utilizado por praticantes de swing — casais que gostam de ter relações com outros casais – para indicar discretamente o interesse em trocar de parceiros ou participar em atividades swinger. O seu uso é feito sobretudo nas férias ou viagens, em cruzeiros ou resorts, com a imagem num autocolante à porta do quarto ou no vestuário. O objetivo? Evidentemente, é para que os entendedores percebam a mensagem de forma “subtil”. 

Pois bem, talvez por já estar associado a estas “relações”, o ananás ao contrário passou a ser o símbolo da disponibilidade para o engate de homens e mulheres. Por isso, para encontrar o amor da sua vida ou ter uma relação casual pode deixar o Tinder, o Bumble e outras aplicações direcionadas para relações. Chega dos sites de encontros que se podem procurar na net para criar uma relação, seja ela qual for. Não sei se por golpe de marketing ou não, há outra forma que nasceu e cresceu em Espanha, tendo gerado muitos aderentes. Dirija-se a um supermercado Mercadona entre as 19 e as 20 horas e siga as regras. Ponha um ananás invertido no carrinho e, para encontrar as pessoas que estejam ali com o mesmo objetivo, procure outros carrinhos que tenham os ananases nessa posição. Caso queira conhecer o outro cliente, deve provocar o encontrão de carro contra carro e o ‘match‘ está dado. Se correr bem, pode sair do Mercadona com um encontro marcado. É assim que os corredores dos supermercados dessa cadeia estarão a ser usados como locais de engate. Foram muitos os espanhóis que seguiram as regras, responderam ao desafio e foram à procura do amor. Como saber se os dois têm intenções semelhantes? Antes de bater com o carrinho, olhe bem para o da outra pessoa e veja o que é que está lá dentro, além do ananás, pois há códigos específicos com os alimentos: Quem deseja uma relação séria também coloca legumes no carrinho. Mas se atirar com gomas e chocolates lá para dentro, dá a entender que deseja algo casual. Por outro lado, um pacote de alface ou uma pizza congelada, significa que essa pessoa procura uma relação curta, mas não tão passageira assim como um só encontro. Já se o objetivo é encontrar alguém para casar, o que têm de fazer é colocar um melão além do ananás. Se fingir que põe uma embalagem de gaspacho no carro de outra pessoa, também é sinal de interesse. Isto é capaz de ser mais eficaz para conhecer realmente alguém do que as tais aplicações de encontros onde, atrás de um teclado, as pessoas podem ser quem quiserem. E é sempre bom fazer com que larguem os ecrãs e brinquem mais fora de casa …

Esta nova moda de engate ficou conhecida por MercaTinder e tem sido o grande assunto das redes sociais. Começou por ser uma brincadeira, mas tornou-se rapidamente num evento massivo que atrai curiosos e interessados na teoria. Mas pode provocar “congestionamentos” nas lojas do Mercadona, como aconteceu há dias em Bilbau, Espanha, e que obrigou à intervenção da polícia. A intervenção evitou que a situação se agravasse, mas, ao que parece, o caos da tendência continua, com os ananases a ficarem esgotados em muitas lojas, embora não se saiba da quantidade de ananases vendidos ou usados só para o fim, de “engates” concretizados ou recusados, de paixões assolapadas e casamentos …

O “fenómeno” é tão grande que já está a ser usado na publicidade de outras marcas. Assim, apelando à fidelidade dos seus clientes, o Lidl reagiu: “Podes ter encontros onde quiseres, mas casar é aqui”. O ALDI diz que “a lua de mel é aqui”, com referência ao mel da marca própria. A Leroy Merlin aconselha a passarem à fase seguinte. “Se a vida te dá ananases, pensa já na decoração da casa”, enquanto a cerveja Sagres aproveitou “a boleia das regras” para sugerir um encontro às 19 horas no “corredor das bebidas”. O Auchan informa que “há muitas formas de fazer um match perfeito” e mostra vários produtos com base no ananás já que “para quem gosta, é de qualquer maneira”. A Control, com um humor subtil, colocou uma imagem de um abacaxi virado ao contrário com a frase “leva este que são capazes de gostar”. Até a PSP se juntou à festa nas redes sociais com a foto dum polícia junto de um carrinho e o conselho: “Seja na via pública ou no corredor de um supermercado, conduza com precaução, respeite os limites de velocidade e faça uso dos dispositivos de segurança”.

Mas isto de engatar com produtos no carrinho de supermercado pode gerar alguma confusão: Quando uma mulher, ouvir “que belo par de melões!”, fica sem saber se estarão realmente a elogiar os dois que leva para comer ao longo da semana ou se são os “seus”. E se um tipo junto á peixaria lhe perguntar se “vai um linguado”? Vai querer comprar um ou aceita a “oferta”? Para quem fez “match” e sair do supermercado com encontro marcado, vai-lhe ser dado algum talão para eventual “troca do produto” ou direito de reclamação por ser defeituoso? E se o “usou”, ainda pode trocá-lo? Para quem aderir ao desafio, vai mudar radicalmente a sua “roupa de supermercado”, pois se até aqui vai com calças de fato de treino e uma t-shirt foleira para se sentir confortável, agora tem de pensar em usar umas coisitas da moda para conquistar, pois quem sabe se não vai conhecer o amor da sua vida entre as prateleiras dos salpicões e as promoções de queijos flamengos. Aos solteiros mais entusiasmados, aconselha-se que sigam as indicações dos nutricionistas: “Nas idas ao supermercado, nunca vão com fome” …

As notícias dão conta que os corredores do supermercado Mercadona, em Espanha, para além da sua função tradicional, são excelente local de engate, embora ainda não haja estatísticas dos resultados. Não sei, nem posso garantir que este sistema de engate, para já, tenha adesão significativa em Portugal pelo que, se for visto a passear o carrinho nos corredores dum Mercadona com o ananás dentro, de pernas para o ar, não garanto que possa vir a ser abordado numa tentativa de engate ou somente para lhe dizerem que “o seu ananás não está direito”. Neste caso, prepare uma boa desculpa para dizer qual a razão por que “não o tem direito” e saia de cabeça levantada, apesar de, provavelmente, vir com “um grande melão” … 

Tempo de piolhos, lêndeas e … chatos!

As coisas que eu não sei! Na minha santa ignorância, pensava que as infestações de piolhos nas cabeças das crianças portuguesas era coisa do passado, do meu tempo de criança. Que este tipo de infestação tinha sido erradicado no nosso país. Mas, vejam lá, pelo que li em informação especializada, é a segunda doença mais frequente em crianças, depois das constipações. Dizem que cerca de metade das crianças de todos os estratos sociais, é anualmente contaminada com piolhos, parasita que pode provocar doenças na pele, nos olhos e afeta o rendimento escolar. Estes insetos chupadores de sangue que parasitam o couro cabeludo dos seres humanos, não olham a raça, sexo ou religião. Vai tudo a eito e, atenção pais, os cabelos limpos ou curtos também não escapam. O maior contágio é por contacto direto, cabeça contra cabeça.

Se em criança coçasse a cabeça, a primeira coisa que a minha mãe me perguntava era: Tens piolhos? E seguia-se o trabalho de inspecionar a minha cabeça para ver se os bichinhos já se tinham instalado entre o cabelo. A infestação de piolhos era muito comum e compreende-se, já que as regras sanitárias e de higiene eram o que eram. E, quando um aluno os apanhava, era certo e sabido que se espalhavam à turma. E como é que se matavam? Não pensem que havia os remédios e loções tópicas para tratar os piolhos que se compram na farmácia atualmente. Não, nada disso. Em regra eram mortos pela unha do polegar direito da mãe ou da avó. As mulheres eram especialistas em “catar os piolhos e as lêndeas”. Para tal, havia um ritual que seguiam passo a passo: depois de voltar da escola, sentavam a criança à sua frente numa posição mais baixa para poder ver bem a parte superior da cabeça, que “passavam a pente fino” para detetar e eliminar qualquer piolho ou lêndea, caso contrário a infestação voltava a descontrolar-se. É daí que vem a expressão “a pente fino”, porque nessa altura usava-se um pente de dupla face, dentes finos e juntinhos, para apanhar não só os piolhos como as lêndeas – se as lêndeas, que não são mais do que os ovos dos piolhos e ficam agarradas ao cabelo, não forem tratadas e tiradas na totalidade, ao fim do sétimo dia nasce um novo piolho que cresce rapidamente e, a partir do 19º dia, pode pôr mais de 15 lêndeas por dia, durante 10 dias, até morrer ao 32º dia de vida, fazendo com que a infestação se agrave rapidamente.

Os piolhos são insetos parasitas, sem asas, que precisam de hospedeiro como o ser humano para completar o ciclo de vida, podendo alojar-se no couro cabeludo (mais frequente), corpo, pestanas e região púbica e a infestação faz-se por contacto entre cabelos ou partilha de objetos infetados e afeta principalmente as crianças em idade escolar.

Um dia, antes de irmos para as aulas, eu e mais três colegas de escola passamos pelo local onde tinha estado acampado um grupo de ciganos que abalara no dia anterior. Como entre outras coisas deixaram um velho saco de serapilheira, nós andamos a brincar com o saco até irmos para a escola e o resultado foi uma enorme infestação de piolhos. De tal forma que, sempre que tínhamos um intervalo, por mais pequeno que fosse, passávamos o tempo todo a inclinar a cabeça sobre o tampo da carteira e a sacudir o cabelo em cima. Os piolhos caíam no tampo e nós fazíamos o que víamos as nossas mães fazer: matá-los com a unha do indicador. Mas, por mais piolhos que matássemos, não conseguíamos eliminar a infestação até porque as lêndeas ficam agarradas ao cabelo e só em casa a mãe ou outra mulher em sua substituição, tinha paciência e sabia tratar do assunto completamente e com “profissionalismo”.

Anos mais tarde passou a aparecer nas festas e, sobretudo, nas feiras, montado numa motorizada, um homem de Meinedo conhecido por “Ministro”, a vender um pó com o slogan “mata toda a bicharada” e que era aplicado na cabeça das crianças infetadas. Presumo que o pó tenha sido o DDT, o primeiro grande inseticida do mercado de pesticidas, que foi usado na agricultura durante muitos anos para combater várias pragas e que viria a ser retirado do mercado por ser perigoso para o ser humano. O certo é que, entre outras coisas, andou a ser espalhado na cabeça de milhões de crianças e terá matado muito mais piolhos … 

Nesse tempo, também era comum o aparecimento de outra espécie de piolho, geralmente encontrado nos pelos pubianos, conhecidos por “chatos”. Também são sugadores de sangue como os outros e causam comichão na pele. De modo geral, os chatos são transmitidos por meio do contato sexual a partir de alguém que esteja contaminado. E é por conta da transmissão pelo contato íntimo que o chato é considerado uma DST (doença sexualmente transmissível). 

Durante a pandemia aumentaram os relatos das infestações de piolhos nas crianças, mas como ainda existe alguma vergonha em se falar neste assunto em público e em que se saiba quem passou a quem primeiro – um tabu que ainda existe – pode levar a que, se alguém descobrir que um filho tem piolhos, não avise na escola de imediato nem peça ajuda se for caso disso. Muitos pais tratam o assunto com recato sem recurso a apoios existentes para não se exporem como se tal fosse condenável. Dizia um pediatra que “às vezes até parece que isto é terceiro-mundo, mas infelizmente ainda não conseguimos erradicar esta infestação, que

ameaça tornar-se uma “praga”. Para esta situação, contribui o “medo de falar do assunto”, pois para muitos “ter piolhos é sinal de porcaria”. Mas, “não falar sobre o assunto “é contribuir para que a situação se eternize e infernize”.

Confesso que tive piolhos, e muitos, e não morri, nem me envergonhei. Era (e parece continuar a ser) normal. Pelo contrário, matei muitos à “unhada”, embora a maior tarefa fosse da minha mãe. Se os médicos ainda não resolveram de vez o problema em Portugal, é porque os piolhos continuam a andar por aí e a passar de cabeça em cabeça. Por isso, vá por mim, ajude a erradicá-los. Não tenha vergonha de procurar ajuda e avisar a escola se lhe calharem em sorte, porque “quem não procura não encontra”. Nem caia na tentação de meter a cabeça do filho debaixo de água para afogar a bicharada, pois é mais fácil afogar o seu “rebento” do que afogar os piolhos. E, já agora, faço votos para que não “apanhe uma camada de chatos” num dos sítios mais recatados do corpo, porque isso pode significar que “mijou fora do penico”. E aí, a conversa será outra …

Somos bons a não cumprir regras …

Há uma coisa que faz parte do nosso ADN, da nossa maneira de ser, de estar na vida e viver em sociedade: Nós não gostamos de cumprir as regras. Porque o que tem piada é fazer precisamente o contrário do que deve ser feito. O “herói” (pensa ele) é aquele que não cumpre, que não “liga puto” às regras e normas e “está-se a borrifar”. 

Numa sociedade civilizada a ordem e a segurança predominam, por forma a que os cidadãos vivam de forma pacífica. Para tal, tiveram de abrir mão de certas liberdades proporcionando um equilíbrio entre a liberdade individual e a segurança coletiva, permitindo a introdução de regras que impedem um ambiente de caos e medo, regras que vão sendo moldadas de acordo com o progresso e transformação da sociedade. Mas, em função daquilo que vemos, é caso para perguntar: As regras são para cumprir, para “encaixilhar” ou “para inglês ver”? Porque é que os pais querem ir de carro até dentro d a sala de aula para “depositar” ou “levantar” os filhos, mas, como não conseguem, ficam em 1ª. fila, 2ª. fila e, se possível, em 3ª fila, em cima de passeios, rotundas, passadeiras, à frente de garagens e até em propriedades privadas, sem qualquer respeito pelas normas de civismo? 

Porque é que na rotunda em frente do hospital de Lousada é comum ver carros parados, fechados e sem ninguém dentro porque o dono foi ao Centro de Saúde e ali fica até que seja atendido, impedindo a passagem a quem quiser dar a volta completa à rotunda? 

Porque é que vemos tantas vezes na rua carros em segunda fila a bloquear o trânsito, com a desculpa de “é só um minutinho”?

Porque é que temos de escutar o barulho ensurdecedor de uma festa animada até às tantas da manhã no apartamento do lado, de cima ou de baixo ou na casa do vizinho em qualquer dia da semana e que não dá hipótese de dormir, nem a quem trabalha cedo no dia seguinte?

Porque é que temos de ver mobiliário urbano danificado, destruído ou “borrado de tinta”, seja em parques infantis, jardins públicos ou sinais de trânsito e tantos outros, com prejuízo de quem os usa e de toda a sociedade que tem de pagar os “custos dos artistas”?

Porque será que temos de ver estátuas destruídas, símbolos do país arrancados por vândalos que “têm o direito à ofensa”, mas não têm problemas em ofender?

Porque é que, apesar dos muitos contentores e ecopontos espalhados por aí, vemos tanto lixo espalhado no chão sem respeito nenhum?

E porque será que é muito frequente ver abrir-se o vidro de um carro em andamento para se lançar “beatas” acesas, com possibilidade de consequências trágicas, restos de comida e todo o tipo de lixo?

Para tudo isto há regras, normas e até leis, que estão mais ou menos bem feitas, mas não servem para “porra” nenhuma. Se não houver consequências sérias e efetivas, a maioria está-se a “borrifar” para elas. Dizemo-nos “civilizados”, mas só queremos liberdade para fazer o que quisermos ainda que seja não cumprir as regras. Não tenhamos dúvidas, nós estamos muito atentos quando “os outros” atrancam a nossa rua, nos impedem de passar e nos fazem esperar sem sequer pedir desculpa; despejam lixo à nossa porta; estacionam ou param e isso nos prejudica; borram ou estragam o nosso portão; mijam ou se aninham junto à nossa porta para “arrear o calhau”; ou se é o nosso vizinho que faz uma festa (sem nos convidar) e a música berra até às tantas da manhã tendo nós de ir trabalhar enquanto eles curam a ressaca da noitada. E nessas alturas nós sabemos muito bem dizer que está mal, que as autoridades deviam intervir, aplicar multas, etc., etc. Mas se formos nós a prevaricar, somos muito condescendentes connosco e até achamos que a regra podia cumprir-se ou não pois a “coisa” nem tinha grande importância …

Tal como cá, em Singapura há regras, normas e leis. Também não se pode atravessar a rua numa passadeira com o sinal vermelho. Nem mesmo às 4 horas da manhã sem trânsito nenhum. A essa hora, em Portugal alguém espera que mude para verde para poder atravessar? Ninguém. Lá, também ninguém … atravessa. Porque se atravessar com o sinal vermelho, vai passar uns dias de “férias na gaiola”. E se cuspir no chão ou atirar a beata à rua? Vai dentro. Já nem falo em respeitar aquilo que não lhe pertence. Duas pessoas minhas amigas foram jantar fora e uma quando chegou ao hotel apalpou os bolsos e viu que se esquecera da carteira e do telemóvel. Virou-se para o amigo e disse: “Deixei o telemóvel e a carteira no restaurante, mas não tem mal. Amanhã vou lá buscá-los”. E ao outro dia estava tudo lá. Se fosse em Portugal, com toda a certeza encontravam o lugar onde os deixaram. No entanto, lá não houve quem lhes tocasse porque sabem que são apanhados e que as consequências são muito sérias. 

A primeira vez que fui à Suíça foi à cerca de 40 anos, tendo ficado alojado duas noites no apartamento de um padre nosso conterrâneo. Éramos nove “clientes”, deitados de forma improvisada no chão do apartamento. Nas duas noites, antes das 22 horas, teve o cuidado de nos pedir para, a partir dessa hora, não fazermos barulho nenhum. Dizia ele, “nem sequer deixar cair um lápis ao chão”, pois, se tal acontecesse, não demorava muito a ter a polícia à porta. É a regra, para as pessoas poderem descansar, pois, ao outro dia têm de se levantar cedo para ir trabalhar. A exigência de não fazer barulho a partir dessa hora é tal que a lei impõe que “os homens não podem urinar de pé a partir das 22 horas”, o que já acontece em mais alguns países. Em alguns, pode-se até tirar licença para prolongar a festa. Só até às 23 horas. Dizia-me um emigrante que, quando chegou às 23 h, continuou. Dois minutos depois tinha a polícia à porta. São as regras. Tudo envolve regras para vivermos numa sociedade civilizada e têm de ser cumpridas ou isto torna-se uma selva. Seja a conduzir, dispor de equipamentos públicos, viver em condomínio, trabalhar, passear e educar o cão, contribuir para a limpeza em todos os lados, respeitar as filas, saber viver em comunidade. Não as cumprir, contribui para a perda da nossa qualidade de vida e se o tentarmos impedir, podemos ser insultados, ameaçados ou intimidados. Uns dirão que é culpa da Justiça, outros da Polícia e outros ainda dos políticos. É fatalidade e temos de a aceitar, encolher os ombros e esperar que passe? Dizemos que é falta de civismo, o cimento de uma sociedade, atribuindo-a aos políticos e suas políticas. Mas a falta de civismo e educação é culpa nossa, dos pais e os maus exemplos são tantos que não cabem nesta crónica e são a escola onde os filhos aprendem a fazer o mesmo …

Insistir no “porreirismo nacional” onde se pode cumprir ou não as regras porque isso é que é “porreiro” e agrada aos jovens, numa falta de civismo crónica do país e que se vem agravando graças à falta de educação para o civismo, vai conduzir-nos a um de dois cenários: Ou somos capazes como pais de reverter a situação cívica do país ou um dia destes vem-se pedir um estado policial tipo Singapura, onde o incumprimento das regras não se coloca porque “a besta” que há em cada um de nós é eliminada de forma drástica. E aí, já se cumprem as regras todas …

Onde para o orgulho português?

Já não se veste a bandeira nacional nem se canta “A Portuguesa” a não ser que haja um jogo da seleção ou quando Portugal se destaca nalgum evento de importância internacional. A última vez que tal aconteceu com uma dimensão verdadeiramente nacional, foi durante o Euro 2004, realizado em Portugal. E, goste-se ou não se goste do homem, o então selecionador nacional Luiz Scolari fez aquilo que se julgava improvável: desafiou e conseguiu puxar o orgulho nacional ao de cima e fazer com que a grande maioria dos portugueses desfraldasse uma bandeira em suas casas ou onde quer que fosse, um dos símbolos de Portugal, “puxando” pela nossa seleção e acreditando que ela poderia ganhar. Ele usou o seu conhecimento prático daquilo que fazem os brasileiros aquando do campeonato do mundo de futebol e até em muitas outras manifestações. Mas “foi sol de pouca dura” pois mal acabou no Euro, as bandeiras foram sendo retiradas das janelas e recolhidas, desaparecendo entre o lixo caseiro. E o orgulho português desapareceu e voltou a ser enterrado com elas, sem que se vislumbre qualquer tentativa de vir a ser ressuscitado, depois de “acusado” de criminoso pelo atual presidente da república e outros políticos de meia tigela …

Uma das recordações que guardo das viagens aos Estados Unidos e que me impressionou muito, foi o facto de a bandeira do país estar, dia e noite, em todos os lugares. Não tem como não ver. Dentro das casas e fora delas, sejam mansões ou simples barracões. Está nas ruas, nos carros, igrejas, lojas e até nos cemitérios. Veem-se nos barcos, pontes, vestuário e nos alimentos. Seja em zonas urbanas, nas rodovias ou no meio do nada, lá está ela com suas cores, listas e estrelas. As escolas americanas, todas, exibem a sua bandeira, grande ou pequena, porque faz parte da vida de todos, sejam americanos, imigrantes ou turistas. E isso significa amor à pátria, independentemente dos partidos políticos, clubes desportivos, raça, cor ou religião. Não é obrigatório, é sim uma questão cultural. O velho na camioneta velha usa a bandeira nacional sempre. E se a maior potência mundial leva isso muito a sério, porque é que nós não aprendemos com eles a ter orgulho nos nossos símbolos e no nosso país?

Dizia-me um americano comum: “Eu tenho uma bandeira desfraldada no meu jardim porque sou patriota e amo este país. E expor a bandeira é a minha maneira de dizer obrigado”. E um brasileiro que trabalha lá: “Eu acho linda a maneira como os americanos defendem o seu país e como eles dizem sempre “que Deus abençoe a América”. O patriotismo dos americanos é inquestionável e a sua fidelidade, respeito e orgulho pela bandeira americana está-lhes no sangue. E ensina-se nas escolas às crianças, todos os dias, com a turma toda de pé com a mão direita sobre o coração, a homenagear a bandeira e a recitar o Juramento de Fidelidade: “Prometo fidelidade à bandeira dos Estados Unidos da América e à República que ela representa, uma nação sob Deus, indivisível, com liberdade e justiça para todos”. Tudo isto hoje seria impensável em Portugal, porque os governantes de esquerda e até de direita, são os primeiros a ter vergonha de defender esses símbolos do país e puxar pelo nosso patriotismo, com medo de perder as clientelas marginais. Dificilmente se fala de amar os símbolos de Portugal, seja a bandeira ou o hino nacional, sem ser acusado de racismo, xenofobismo e mais uns quantos “ismos” do dicionário e não se assume que é só uma questão de ser patriota e de manifestar amor, dedicação e orgulho pela pátria. Nada tem a ver com política, partidos, raças ou religiões. “Gosto do meu país”, sem mais nada, é o que eu quero dizer ao cantar o hino nacional ou empunhar a nossa bandeira. Claro que há partidos, grupos organizados e ideologias que agem como se fossem os seus donos, os únicos a ter o direito de os usar, mas sempre vai haver essa tentação enquanto não houver uma maioria de portugueses a assumir os símbolos como seus, sem qualquer conotação que não seja o amor a Portugal e os use sem complexos ou outra ligação que não seja à sua pátria. 

Há já alguns dias que me tenho dado à pachorra de percorrer Lousada e outros concelhos até ao Porto, à procura de bandeiras de Portugal orgulhosa e permanentemente desfraldadas. Para minha desilusão não vi um único edifício público com a bandeira nacional. Nem as câmaras municipais, nem juntas de freguesia, nem escolas do ensino básico ou superior, nem nenhum organismo ou instituição. Zero, zero bandeiras. Provavelmente condicionados por uma legislação envergonhada que despromove a bandeira nacional, seja para poupar o tecido que vem da China (ou as próprias bandeiras como aconteceu em 2004) ou evitar o trabalho de a içar de manhã e arriar antes do pôr do sol pois pode-se constipar se dormir fora. Nem casas particulares ou lojas, cafés, bares, armazéns ou o que quer que seja. Bandeira nacional vi uma a acenar-me do alto de uma vedação, como que a dizer “sou filha única”, talvez esquecida. Vi algumas bandeiras brasileiras através das janelas, que marcam uma diferença. Talvez se a seleção nacional de futebol ainda estivesse na corrida de alguma coisa eu pudesse ver mais algumas a acenar-me. E só no domingo as vi hasteadas em duas câmaras durante o dia. Como diz o povo, “e é para quem quer” …

Napoleão Bonaparte dizia que “o amor à pátria é a primeira virtude do homem civilizado”. E tinha razão por que o patriotismo é o sentimento de orgulho, amor, devoção à pátria e ao povo de que fazemos parte. E apesar do mundo se ter tornado global, nós somos aquilo que vivemos e onde vivemos e nós fizemo-nos aqui.

Ainda há dias dois emigrantes a trabalhar na Suíça me disseram que, mal se reformem, regressam a Portugal e à terra que os viu nascer, porque “esta é a sua casa”, a casa onde nasceram e querem morrer. Muitos deles são quem sente e manifesta mais orgulho no seu país, na sua bandeira e não têm vergonha de a usar e exibir. Porque por cá, pouco ou nada se tem feito, especialmente com as gerações mais novas, o que traz consigo um afastamento cada vez maior dos símbolos nacionais, que têm dividido o povo mais do que o têm aproximado. 

50 anos depois da revolução, a letra dos primeiros versos do hino nacional tem perfeita atualidade:

          “Heróis do mar, nobre Povo, 

           Nação valente, imortal. 

           Levantai hoje de novo, 

          O esplendor de Portugal” …

Estamos a ser colonizados pela língua

A língua portuguesa faz parte dos bens que constituem o património cultural do nosso povo e da nossa nação. É ela que nos permite comunicar os valores, as ideias e até os sentimentos com os outros. Mas, mais ainda, a língua portuguesa é uma identidade cultural dos seus falantes, aquilo que se chama património imaterial e temos a missão de salvaguardar este elemento vital da nossa identidade cultural comum e preservar a essência e alma de um povo. Há um imenso território de vários países comum à língua portuguesa e que nos permite compreender uns aos outros, mas a língua portuguesa que se fala no Brasil é diferente da língua portuguesa que se fala em Portugal e isso revela as nossas peculiaridades e a história de cada povo. E, por mais Acordos Ortográficos que se façam, não há forma de travar a deriva em que o Português Brasileiro e o Português de Portugal entraram, ao ponto de falarmos a mesma língua, mas muitas vezes não nos entendermos, nem sequer compreendermos o que o outro diz. Mas uma coisa é certa: a língua portuguesa é boa para insultar, elogiar, vociferar, gracejar, para escrever belos textos em prosa ou poesia, canções e poemas além das variações nos dialetos e regionalismos que enfeitam o país de norte a sul. É muito bom falar português, escrever em português e de ler, cantar e declamar em português. Fernando Pessoa dizia que “a minha pátria é a língua portuguesa”.

Mas tudo isto vem a propósito de um fenômeno que começou com a chegada do covid-19 e se instalou em Portugal, levando a que os pais de crianças, em especial de tenra idade, por comodidade, desleixo ou falta de atenção, permitam que os seus jovens rebentos comecem por aprender as primeiras palavras, e não só, em Português do Brasil. A verdade é que os pais muitas vezes nem sequer pensam e não se preocupam com isso ou simplesmente não têm tempo e acham que não faz mal colocar nas mãos de uma criança um tablet, computador ou telemóvel com vídeos brasileiros em Português Brasileiro, para os ocupar, para que estejam quietos e calados ou para que não chateiem. 

Em idade tão tenra, as crianças são diamantes em bruto e, tal como uma esponja, absorvem tudo com muita facilidade e intensidade. O “gravador” tem a “fita virgem” e não tem dificuldades em gravar tudo o que ouve. Ora, agarrados aos aparelhos eletrónicos que os pais lhes colocam nas mãos, começam por ver o Ruca, o Panda ou coisas do género, mas rapidamente passam a outros vídeos cuja maioria é de brasileiros, em especial de um tal Lucas Neto, um youtuber com 36 milhões de subscritores. A partir daí, não querem outra coisa, não há forma de os calar seja com o que for que não seja o telemóvel ou o tablet para ver mais do mesmo. E ficam viciados. No princípio, os pais acham piada que as crianças digam palavras ou frases em Português Brasileiro, porque é engraçado, riem-se e assim vão alimentando um problema sem terem consciência de até onde isso os pode levar. E depois, quando acordam para a realidade e querem fazer alguma coisa, já é tarde. Às vezes, são as educadoras de infância ou outros técnicos de educação ou sociais que identificam o problema e dão o alerta, muito preocupadas por as crianças terem o seu discurso todo em “Português Brasileiro” e não dizerem os “r”s nem os “l”s. Dizia a mãe de uma criança pequena, orgulhosa do seu rebento falar tão bem o Português Brasileiro que, por várias vezes, tinha sido abordada por pessoas desconhecidas a querer saber se a família era brasileira, tal era o sotaque da criança. 

Nada tenho contra o Português do Brasil com as particularidades, palavras e expressões que lhe são próprias, como língua corrente lá no Brasil, tal como me parece normal que aqui, em Portugal, se fale, escreva e aprenda o Português cá de Portugal, porque nós somos portugueses e não brasileiros, por quem tenho muito respeito. Mas, como diz o povo, “cada macaco no seu galho”. E nesta questão da língua, temos a obrigação de salvaguardar a nossa e transmiti-la às gerações seguintes, porque faz parte da nossa identidade e da nossa cultura. Mas, o que está a acontecer é que, à conta de muitas horas de exposição a conteúdos realizados por youtubers do Brasil, as crianças aprendem a dizer as primeiras palavras não no português original e com a pronúncia portuguesa, mas com sotaque brasileiro, sendo que muitas delas precisam de “tradução”, caso contrário não vão ser entendidas, como são os casos de chamar “ônibus” a um autocarro, de “grama” à relva, “geladeira” ao frigorífico, “carona” a uma boleia, “bonde” a um elétrico, “listras” às riscas, “van” a uma carrinha, “galera” à malta, já para não falar em “veado”, não ao animal que conhecemos, mas a um homossexual. A uma mãe, só quando o filho no supermercado lhe pediu para comprar “balas” é que o alarme se acendeu e a fez levar o miúdo à terapeuta da fala para ser tratado e a levou a controlar-lhe o acesso aos conteúdos do tablet para que não continuasse a insistir no erro de visualizar vídeos brasileiros. Quando chegam a esta fase, os pais têm de dar mais atenção e tempo à criança e explicar-lhe as razões de tal procedimento e as diferenças.

Se há pais, professores e especialistas que entendem ser um motivo de grande preocupação, pois garantem que existem crianças que mal sabem falar português de Portugal, há quem considere que se trata de uma fase da vida das crianças como aconteceu com as telenovelas brasileiras, ou uma espécie de “colonialismo reverso” para vingar a colonização portuguesa na América. 

O alerta fica para quem se preocupa com os filhos de tenra idade. Como diz a psicóloga Mónica Nogueira, “uma criança que fica muita exposta a conteúdos que não estão na língua que os pais falam, claro que vai aprender o que ouve, seja português do Brasil, seja noutra língua qualquer. Porque os pais usam os conteúdos para ter a criança sossegada, para que coma a sopa ou não incomode a conversa”. E as consequências? Logo se verão …

“Cartas de amor, quem as não tem” …

Agora já só recebemos cartas do banco ou da conta da luz, da água, do gás, da companhia de seguros e outras, mas nenhuma a perguntar como estamos, onde estamos. Já ninguém nos dá muita atenção a não ser o cobrador. Muito menos a atenção de uma carta escrita à mão, de caligrafia exemplar e legível, espaçamento calculado, com as margens delimitadas e um desenho no final. Mas, sobretudo, com mensagens de amor que nos enchiam o coração. Eram as “cartas de amor”. E por isso, as cartas sempre exigiram atenção especial dos designers, pois umas das suas características mais marcantes era o aspeto visual. Ao contrário de um e-mail ou mensagem de texto, uma carta é um objeto físico aguardado, desembrulhado e conservado. 

Num tempo em que a comunicação à distância entre pessoas estava limitada às cartas escritas, por norma à mão, dado que os telefones eram poucos, limitados e caros e os telegramas não eram práticos, as “cartas de amor” eram o recurso para ligar corações. Há 60 anos, uma carta traduzia de forma bem cristalina e clara o estado duma relação e aquilo que outra pessoa representava para nós, se calhar, mais do que mil sms com duas dúzias de caracteres. É que, uma carta de amor expressa os mais puros sentimentos, nutre a paixão e cria memórias que podem durar por toda a vida. As cartas de amor eram sempre portadoras de uma mensagem: Um desejo, uma recordação, um grito, um pedido, de gratidão ou perdão. O artista Francisco Fonseca dizia que “era um tempo em que havia tempo e até se escreviam cartas de amor”. E eram esperadas com uma enorme ansiedade, como dizia o poeta António Nobre numa carta a Cândida Ramos: “Até que enfim. Chegou. Chegou a ambicionada cartinha que era o meu tormento e cuja demora me trazia o espírito doente e o coração sobressaltado. Não imaginas as suposições (…)”. E todos os apaixonados passaram por esse tormento de esperar que o carteiro trouxesse um envelope para si, com aquelas palavras mágicas que os faziam chorar, suspirar e sonhar …

Havia fórmulas clássicas para começar uma carta: «Espero que esta carta te vá encontrar de boa saúde na companhia dos teus (…).» E todas as missivas eram cuidadosamente elaboradas. Carregavam emoções que não conseguiam ser transmitidas por meio de meras palavras faladas, às vezes atadas à timidez do momento, de um face a face. Sonhos, desejos e fraquezas eram rebelados com eloquência. O processo de escolher as palavras com cuidado, construir frases lindas e fluídas e verbalizar emoções, criava uma ligação muito mais forte. Mas a delicadeza de se escrever uma carta de amor acabou.

As cartas de amor guardavam-se no cofre, em caixas arrumadas no sótão, na parte de trás de um armário ou escondidas na gaveta das meias se não fossem muitas, longe dos olhares indiscretos, mas onde se iam buscar para reler, recordar e sonhar. E muitas vezes, em sinal de que a relação acabou, “trocavam-se as cartas” para colocar o ponto final. Há quem as tenha conservado ao longo da vida como se fossem o seu refúgio espiritual, o lugar onde recuperar o ânimo e as forças.

Dizem que devíamos reabilitar as “cartas de amor” como património da Humanidade, admitindo que uma relação amorosa nunca poderá ficar completa enquanto o casal de namorados não trocar entre si algumas dessas missivas. Atualmente temos um conjunto de meios tecnológicos que nos ajudam a comunicar, mas que muitas vezes não nos ajudam a ser mais comunicativos. Mundo estranho e paradoxal este, pois na era da sociedade da comunicação, estamos cada vez mais virados para nós próprios tornando-nos autistas, o que não é um bom presságio quando se trata de estar numa relação amorosa.

A carta deu lugar ao recado digital e por isso, ainda pior que o antigo telegrama, mais descartável. 

Como quase todos os cidadãos que soubessem ler e escrever, escrevi também as minhas cartas de amor. Aliás, não só redigi as minhas como ainda tive de escrever as de algumas pessoas que não o sabiam fazer e eu servia de escriturário, acrescentando aqui e ali alguma frase mais assertiva e romântica que a pessoa não conseguia dizer. E orgulho-me de ter ajudado a unir alguns casais. Aliás, um deles uniu-se de tal maneira que consolidou a sua relação amorosa com relações sexuais antes do tempo, o que nessa altura era coisa “complicada”, sobretudo quando “a barriga começou a crescer”, o que fez antecipar o casamento porque não havia escolha: ou era sim ou sim.

Há muitos anos, Toni de Matos cantava: “Cartas de amor, quem as não tem, cartas de amor, pedaços de dor, sentidas de alguém”. Mas já Fernando Pessoa, em verso, dizia que “todas as cartas de amor são ridículas, porque são cartas de amor”. Será que ele chegou a escrever alguma?

Receber uma carta de amor é um dos grandes prazeres negados às novas gerações que nunca vão saber que essas notas manuscritas, seladas, representam paixões, emoções, um vínculo e podem ser revisitadas. Resta-nos a efemeridade do modo como comunicamos. Venceu o utilitarismo, a informalidade, a realidade nua e crua em vez do charme, do mistério, do talento, da sedução e beleza, da elegância e intemporalidade. Hoje, a alternativa são os e-mails, Whatsapps, Messengers e emojis q.b, mas a informalidade, amistosa para uns, é realmente entediante, para outros. Que romantismo há num “Oi, linda”, “Tudo bem, fofa?”, “Queres curtir?”, “Vamos dar uma queca?” Não são formas primárias, demasiado diretas, despreocupadas e sem espírito de romance ou conquista?  

Graças às cartas de amor que foram guardadas em recantos secretos, filhos, netos e bisnetos vão encontrar respostas para as perguntas que se arrependem de nunca ter feito e os historiadores descobrirão nelas forma de reconstituir o passado e de dar vida a personagens de outros tempos, importantes ou desconhecidas, entendendo melhor como é constante, através dos tempos, a essência da humanidade. E do amor …

Os portugueses vistos pelos portugueses …

Pelo que consta nos anais da história, desde há muito tempo temos o péssimo hábito de dizer mal dos portugueses, isto é, de nós mesmo. Eça de Queirós é o exemplo acabado de como é possível, e de forma muito contundente, arrasar o portuguesinho. Fernando Pessoa dizia que, num grupo de cinco portugueses, o culpado é sempre o sexto. Somos assim, muito bons críticos de nós, mas não aceitamos que os estrangeiros o façam.                                                                              Portugal é o país do deixa andar, do deixa para amanhã o que podes fazer hoje, do desenrasca, do bota-abaixo, dos três efes. É ao mesmo tempo o Quinto Império e “os cafres da Europa”, no dizer do Padre António Vieira. Os portugueses “são excessivamente sentimentais, com horror à disciplina, individualistas, mas sem dar por isso, falhos de espírito de continuidade e de tenacidade na ação” – a descrição é de 1938 e pertence a Salazar.                                                                                 Durante os Descobrimentos os portugueses agruparam-se à volta do Estado e continua a ser assim. Adoram o Estado, à sombra do qual muitos vivem. Submissos e resignados (“O Estado vai tomar conta de nós”). Mas queixam-se de que o Estado paga as suas contas “tarde, mal ou nunca”, que presta maus serviços, é lento, burocrático. É uma relação de “amor-ódio”. E se já era assim há 600 anos, significa que não temos emenda. Não conseguimos mudar! Para mudar a maneira de vivermos é preciso implementar reformas de fundo. Mas se nem com uma maioria absoluta foram capazes de o fazer, quando é que tal vai acontecer? 

E até que ponto nós portugueses queremos mudar a nossa maneira de viver? É que, para sermos ricos como os alemães, suíços, holandeses e nórdicos temos de entrar ao trabalho às oito da manhã, trabalhar até às seis, jantar às sete e estar na cama às nove. É esta a vida que queremos? E é difícil ir para a cama tão cedo com este clima (quando não nos atraiçoa …), que mata tal intenção ou a torna impossível! É verdade que temos grandes qualidades, embora não achemos que sim como dizia o ex-ministro Luís Amado: “Só oiço dizer mal de Portugal em Portugal”, enquanto Boaventura S. Santos fala de uma má consciência por causa da passividade, que todos reconhecem, mas que não conseguem mudar. Raramente dizemos: “A culpa é minha e a responsabilidade é minha.” Por norma atiramos a culpa para o outro.

E temos pouca participação democrática. Temos medo. Medo de falar de frente, de assinar a petição, de dar a cara quando é preciso enfrentar e confrontar. Medo de ser mal vistos, de fazer figura de parvo, de levantar a voz e ser ridicularizados, ser castigados, como se o poder esteja lá em cima e nós estejamos cá em baixo (“é melhor ficar calado, está mal, mas ainda pode ficar pior, recebo pouco, mas é melhor que nada”). É o medo de tentar ir mais além. [Miguel] Torga. Descreve os portugueses assim: Um “pacífico coletivo de pessoas revoltadas”. Mas os portugueses foram para França nos anos 60 e foi precisa coragem de gigante para quem nunca tinha saído de cá e nem falava francês.  Acreditaram e conseguiram.                                                                                                     Mas sabemos que a produtividade em Portugal é um problema, mas ninguém se esforça muito para a mudar. Alguns esforçam-se, têm sucesso, como a Jerónimo Martins. Mas o grosso das empresas, em especial as do Estado, vivem de fazer o suficiente para sobreviver. Assim, como é que podemos queixar-nos? E de quem?                                                                                                    Somos maus a gerir os dinheiros públicos. Vejamos os milhares de milhões de euros que vieram de Bruxelas, de que uma boa parte foi desperdiçada em obras para nada. António Barreto disse que foi um convite ao esbanjamento e à corrupção.                                                                                                           Ainda somos um país de “chico-espertos” que conseguem contornar o sistema. Quem foge aos impostos é o grande herói! O que consegue dar a volta ao Estado e evitar pagar impostos é o campeão. Andar no limite de velocidade nas estradas ou conseguir estacionar sem pagar são pequenas vitórias do dia-a-dia. Além do tráfico de influências e a corrupção, que começa pelo “jeitinho” e nunca se sabe onde acaba.                                                                                               Quando a Coca-cola quis entrar em Portugal, Salazar escreveu-lhes uma carta a recusar, dizendo que Portugal era um sítio pacato, que queria que ficasse assim, que tinha medo do progresso e que não queria que os camiões da Coca-Cola mudassem o ritmo de vida dos portugueses. Alguém dizia: “Percebo Salazar. O que estava a dizer tem a ver com os valores, com a maneira como queremos viver.

” Os portugueses não querem viver como os americanos, gostam da maneira de viver em Portugal. Queixam-se muito, mas gostam. Se os portugueses não gostassem da vida em Portugal, já tinham mudado. Gostam de ir almoçar durante uma hora e meia, duas horas, à sexta-feira, chegar tarde ao trabalho e depois ficar lá mais tempo a falar… E no fim do mês, queixam-se que recebem pouco, que lá fora é melhor!    Mas não são grandes adeptos da mudança. Porque a temem.                                                                          Os portugueses dizem que são invejosos – que o outro é invejoso, mas nunca o próprio, bem entendido. “Se não posso ter, não quero que os outros tenham. Fico com as minhas coisinhas e fico contentinho.” O “inho” vem também de uma frustração na vida, de sentir que não consegue ter. Os portugueses não pensam que se trabalharem muito, se se esforçarem, pouparem, investirem bem, arriscarem, conseguem chegar lá. Olham para a pessoa que tem [com desconfiança]: “Deve ter conseguido o que tem com malandrice ou teve uma cunha.”         Nós dizemos mal de Portugal e mal uns dos outros, mas adoramos Portugal. Como alguém da nossa família que não suportamos, mas que é da nossa família. Porque gostamos mesmo de Portugal. E os que imigraram, se pudessem ficar cá, também ficavam …