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Porquê, Eu? Porquê a mim?

As perguntas perante a dor são sempre muito mais fortes do que a nossa capacidade para lhe dar uma resposta adequada: “Porquê a mim”? “Que mal fiz eu a Deus para merecer isto”? “Porque é que o mal só acontece aos bons”? Estas e outras continuam a ser sempre as perguntas que fazemos quando somos apanhados pelo sofrimento de uma perda, acidente ou o que quer que seja e não temos mais nada para dizer. E quem nunca o fez? As perguntas dolorosas saem-nos da boca como uma prece que não será atendida, esperando a resposta que não virá. Saem-nos da alma quando a vida para de repente, sem aviso, sem justificação, quando tudo em nós fica suspenso. “Porquê a mim”? “O que fiz de errado”? “O que fiz ou fizemos para merecer a doença, a tragédia que ninguém previa, a perda e o luto, o adeus para sempre”? Nada.

Quase sempre não se fez nada nem foi por merecimento. Aconteceu simplesmente, como acontece todos os dias com milhões de pessoas que não conhecemos. Mas se acontece com elas, porque não pode acontecer connosco? Porque sim. Mas esse “porque sim” não nos chega para aplacar a dor que não podíamos adivinhar, nem prever. Nem sequer evitar ou fugir. De repente estamos confrontados com algo que não queríamos que acontecesse. Mas temos de aguentar ao ser postos à prova. E só depois do choque, sofrimento e choro, a vida nos ensina que não vale a pena fazer tais perguntas porque não têm resposta. Resta-nos aceitar e percorrer o caminho carregando a cruz que ninguém pode carregar por nós, de sublimar a tristeza e a mágoa com o renovar da união com aqueles que partilham connosco o mesmo problema e a mesma dor, porque a dor aproxima mais do que a alegria. Até podemos não merecer nada do que nos acontece e atormenta, mas temos de ser dignos do que vem depois sem esperar respostas ao “porquê a mim?”, mas procurar e encontrar a força nos que ficaram connosco nos escombros da nossa dor.

O americano Arthur Ashe tornou-se um tenista famoso ao vencer 18 títulos nos principais torneios mundiais de ténis como o Us Open, Roland Garros, Open da Austrália e Wimbledon, passando a ser um ídolo para milhões de fãs. Viria a ter problemas cardíacos e, depois de duas cirurgias ao coração, o tenista estava a morrer com HIV (SIDA), que nessa altura era fatal. Fora contaminado com o sangue de uma transfusão que lhe fizeram durante a segunda cirurgia. O seu drama gerou uma enorme consternação entre os seus fãs, de quem recebeu numerosas cartas de apoio e incentivo. Mas houve uma a chamar-lhe atenção especial pela pergunta que lhe colocava: “Porque é que Deus o escolheu para ter uma doença tão terrível”?

A resposta de Arthur Ashe é uma lição de vida excecional. Disse ele:

“Há alguns anos, cerca de 50 milhões de crianças começaram a jogar ténis. Eu era uma dessas crianças. Dessas, cinco milhões aprenderam realmente a jogar ténis e quinhentas mil delas tornaram-se tenistas profissionais. Porém, só cinquenta mil chegaram a jogar no circuito mundial, tendo cinco mil logrado jogar no Grand Slam (os 4 eventos anuais mais importantes do ténis). Mas das 5 mil, só 50 conseguiram entrar no torneio de Wimbledon (Reino Unido) e houve quatro que alcançaram as meias-finais. 

Dessas, duas apuraram-se e vieram a disputar a final. Uma delas era eu. E a verdade é que, quando eu estava a comemorar a vitória com a taça na mão, nunca me ocorreu perguntar a Deus: “Porquê eu”? Então, agora que estou com dores, como posso perguntar a Deus, “Porquê eu”? A felicidade mantém-te doce e as provações mantêm-te forte! A dor mantém-te humano e a falha mantém-te humilde! O sucesso mantém-te brilhante, mas só a fé te mantém de pé”, terminou ele”! 

Há ocasiões em que até podemos não estar satisfeitos com a nossa vida, enquanto muitas pessoas neste mundo sonham por poder ter a nossa vida. Quando uma criança a viver numa quinta vê um avião que voa, sonha voar. Mas o piloto do avião que voa sobre a quinta, sonha em voltar para casa. Se a riqueza é o segredo da felicidade, os ricos deveriam estar a dançar nas ruas. Mas só as crianças pobres fazem isso. Se o poder garante segurança, os VIPs deveriam andar sem guarda-costas. Mas apenas os simples têm essa liberdade. Se a beleza e a fama atraem ideais, as celebridades deveriam ter os casamentos melhores, mais felizes e duradouros. Mas não é isso que acontece!

Diz-se que, depois da dor vem a paz e depois do chão vem o céu. Que depois da queda vem a força para nos levantar e depois das lágrimas a luz do sol. Que depois das pedras vem o caminho melhor e depois da subida íngreme vem a descida para podermos voar!

Esta história real de um homem que atingiu o topo e, por um acaso infeliz contraiu uma doença mortal, deve servir-nos de exemplo para quando somos confrontados com as doenças, os acidentes e até a morte, avaliar se tem algum cabimento a pergunta “Porquê Eu?”.

E não posso deixar de relembrar aqui a história do Paulo que, afetado por um cancro terminal e já acamado entre o hospital e casa, nunca perguntou “Porquê a mim?”, mas fez a aceitação e chamou os seus inimigos para se reconciliar, pedir perdão e que não guardassem rancor.
A vida é uma aventura louca da qual nunca sairemos vivos. Por isso, quando chega a nossa vez – e não há idades nem tempo para tal – e a desgraça nos bate à porta, será que vale a pena ficar agarrado ao “Porquê Eu”, como se tivéssemos o privilégio especial de poder “passar entre a chuva sem nos molharmos?

Afinal, quem escolhe o nosso destino?

Os fatalistas dizem que “ninguém foge ao seu destino” enquanto os mais realistas afirmam que “cada um constrói o seu próprio destino”. E, na verdade, uns e outros vivem de acordo com as suas convicções e são escravos delas. Diz um desconhecido que “nada adianta querer apressar as coisas, porque tudo vem a seu tempo. O destino vai-se encarregar de o colocar no lugar certo, na hora certa”. Mas já Sarah Westphal afirma: “Não deixe que a saudade o sufoque, que a rotina o acomode, que o medo o impeça de tentar. Desconfie do seu destino e acredite em si. Gaste mais horas a realizar do que a sonhar, a fazer do que a planear e a viver do que a esperar”.

Estas palavras de Sarah ajustam-se perfeitamente à vida de um amigo meu que já nos deixou, um empreendedor nato que não perdia tempo a sonhar e planear pois passava de imediato à ação, à realização e que viveu como se o tempo lhe fugisse. E fugiu cedo demais …

Desde criança que ouço frequentemente mais ou menos as mesmas palavras sempre que acontece alguma coisa a alguém: “Foi o destino”, “ele já tinha o destino marcado” ou algo do gênero. Como se cada um de nós seja uma marionete com a vida toda programada antes de vir a este mundo, do nascimento até à morte, e em que a nossa vontade, desejos e capacidade de escolha não exista. Será mesmo assim? Afinal, nós somos robôs programados que cumprem tarefas pré-definidas sem possibilidade de alterar o que quer que seja ou temos poder e capacidade de decisão sobre as nossas escolhas? E se o nosso destino já estava “escrito”, quem foi que o escreveu?

Para os cristãos, Deus concedeu o livre-arbítrio aos seres humanos, isto é, a liberdade para realizarem tudo aquilo que desejarem, sendo que isso lhes gerará consequências. Daí que, se com essa liberdade alguém resolver fazer o mal, está a cometer pecado. E, além disso, os seres humanos não estarão livres de terem de assumir também as consequências dos seus atos perante a lei nos casos em que esta limite ou condicione as suas ações, como é o caso dos roubos, crimes, etc. Assim, o livre-arbítrio trata-se de uma capacidade que Deus nos deu, cabendo a todos os seres humanos aprender a melhor forma de a usar bem, pois com essa liberdade desenvolvem a consciência sobre tudo o que fazem.

Mas na tradição popular o destino é o “destino” e não há como lhe fugir. É assim que continua a haver muita gente a acreditar piamente que a vida de cada um de nós “está traçada” e por mais que façamos isto ou aquilo, estamos a seguir um “guião” que não foi escrito por nós, em que tudo o que nos vai acontecer acontecerá por força desse chamado destino, embora parecendo ser uma escolha nossa. Porque “ninguém foge ao seu destino”. Para eles, quando alguém faz uma escolha entre duas ou mais hipóteses, já é o “destino” a empurrá-lo para escolher aquela que lhe está reservada. Por isso, escolhendo uma ou outra ou uma terceira, para os defensores desta teoria será sempre tida como uma escolha feita pelo destino.

Os filósofos que se dedicam a esta questão têm uma variedade muito maior de teorias sobre quem é o responsável pelas escolhas que todos nós fazemos constantemente e que determinam aquilo a que chamamos a nossa história de vida, mas não vou por aí. Já S. Tomás de Aquino, frade católico italiano e teólogo, debruçou-se sobre isto afirmando que, quando fazemos uma escolha – seja comprar algo, ir trabalhar, virar à direita ou á esquerda ou brincar com o cão, ela é determinada principalmente pela nossa vontade, mas também tem o auxílio da inteligência e das paixões, seguindo a conceção católica.   Todos nós queremos ser livres e ter pelo menos a possibilidade de fazer algumas escolhas nesta vida. E a verdade é que a maior parte das pessoas acredita que são livres para escolher o que fazem, das coisas simples às mais complicadas como: “Tomo um café com ou sem açúcar”? “Vou para o trabalho de carro ou comboio”? “Vou votar ou não nas próximas eleições e em quem”? “No fim de semana vou ver o futebol ao estádio ou fico em casa a ler”? A questão que se pode colocar muitas vezes é saber quem está encarregue de tomar essas decisões e há que considerar que tomamos decisões a todo o momento! Muitas decisões! Desde as mais simples – como falar de alguma coisa, abrir uma gaveta, fechar a porta, pôr ou não pôr açúcar no café, meter comida à boca e mastigar, fazer a higiene matinal, sorrir a alguém – às mais complexas – como resolver comprar uma casa, abrir um negócio, mudar de residência ou até de país. Como precisamos de agilidade dado o grande número de decisões diárias, a maior parte das vezes decidimos de forma inconsciente, automática, sem refletir, seguindo padrões que se foram estabelecendo no nosso cérebro ao longo da nossa vida para o poupar e libertar para pensar nas coisas complexas. Ora, quer sendo o subconsciente a decidir, quer seja o consciente, somos nós que tomamos as decisões e construímos assim o nosso destino e ninguém é responsável pelo nosso destino a não ser nós mesmos.

Arthur S. dizia que “em geral, chamamos destino às asneiras que cometemos”. 

Tendemos a “acusar” o destino ou fazer dele o bode expiatório quando algo corre mal na nossa vida, muitas vezes para aliviar a consciência das nossas inconsciências e arrependimentos. Apesar de estarmos sujeitos diariamente à manipulação comercial e política diariamente através do marketing e publicidade através dos meios de comunicação e redes sociais, de uma forma consciente ou inconsciente, agindo pela razão ou pela emoção, ainda somos nós que comandamos a nossa vida e temos a responsabilidade de escrever a nossa história de vida! Esse, sim, é o nosso “destino” …

A importância do humor, mesmo nas coisas sérias …

Assinalou-se no passado dia 18 de Janeiro o Dia Internacional do Riso – ao que parece, há dias para tudo. Porque, dizem, é preciso chamar a atenção para como é importante rir, pois o riso contribui para o bem-estar do ser humano. As pessoas riem-se das piadas porque o humor incorpora fenómenos de identificação. Mas em Portugal, fazer piadas continua a ser motivo de críticas, de censura e a liberdade de expressão parece estar a perder-se para dar lugar ao politicamente correto. Se há limites para o humor – e há quem os queira impor – também há para a liberdade de pensamento. Se as pessoas se ofendem e isso é suficiente para proibir o humor, então deixa de haver sátira. O humor tem o seu papel na sociedade e esse papel não é só fazer rir. Também pode ser o de consciencializar, alertar e questionar através da sátira.

Sermos capazes de rir de uma piada significa que também somos capazes de identificar o alvo da mesma e assim refletir e pôr em causa o que acontece à nossa volta. Quando se fazem piadas acerca da política, o foco não é a política, mas a piada e se a piada atinge dimensão, a culpa não é do autor. A verdade é que o humor tem a capacidade de ridicularizar as situações e de fazer pensar acerca da realidade.

Quando rimos, libertamos tensão, beneficiamos de um certo alívio, reduzindo, através das gargalhadas, emoções negativas como a raiva e frustração, a tristeza e a dor. É uma forma socialmente aceitável de manifestar as nossas fragilidades, inclusive de ocupar a mente com emoções positivas sem espaço para problemas e medos.

Quase ninguém ficou indiferente ao slogan publicitário do Ikea para a promoção de uma estante, associando à fotografia desta a seguinte frase: “Boa para guardar livros. Ou 75.800 euros”. Espalhados pelo país de norte a sul, os cartazes provocaram reações contraditórias, pois se muitas pessoas acharam o cartaz muito bem-humorado ao aproveitar um facto político do momento, nas redes sociais houve quem acusasse a empresa de fazer declarações partidárias com a campanha num momento de crise política, numa alusão às buscas realizadas à residência oficial do primeiro-ministro, em que as autoridades encontraram no escritório do agora ex-chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, a quantia de 75.800 euros em dinheiro guardado em envelopes dentro de livros e numa caixa de vinho – locais bem estranhos para guardar dinheiro vivo. No entanto, o Ikea negou “ter qualquer intenção” de contribuir “para o debate partidário e para o atual contexto pré-eleitoral no país”. A verdade é que, em condições normais, ninguém estaria a comentar esta publicidade e, por isso, o truque resultou bem e a intenção da marca foi conseguida. 

A responsável pelo marketing na empresa diz que esta ação pretende retratar o próprio humor com que muitas vezes os portugueses abordam os temas mais sérios e que esta campanha bem-humorada a partir de temas da atualidade, serve para animar e divertir quem por eles passa. Para Rodrigo Freitas, especialista na matéria, a atitude foi corajosa e não afeta a marca. “É um abanar do politicamente correto e uma lufada de ar fresco dentro do espetro da comunicação dos últimos tempos, dominado pelos partidos políticos, não sendo politicamente tendenciosa e que brinca com temos “insistentemente discutidos na opinião pública”.

A publicidade à estante foi tão bem conseguida que logo outras marcas seguiram a ideia. A Moviflor promoveu o seu roupeiro com a frase: “Cabe bem mais que 75.800 euros. Mas pode levá-lo por muito menos”. Outra empresa faz o mesmo com um sofá-cama: “No Gato Preto há um esconderijo melhor”. E até o Clube de Paços de Ferreira anunciou o jogador Afonso Rodrigues como reforço de inverno, com uma frase alusiva: “Bom para a esquerda e direita. Vale mais que 75.800 euros”.

Brincar com assuntos sérios é realmente a verdadeira comédia e é ao público que cabe definir limites: Rir daquilo que acha piada e não rir do que a não tem. Porque as piadas não matam nem fazem mal. Muito pelo contrário. Fazem-nos bem, porque nos fazem rir. E porque nos fazem pensar. Algo que, se fosse dito de outra forma, não o conseguia fazer. É que o humor é a arte de fazer rir e de pensar, envolvendo o pensamento e a imaginação. E o querer condicioná-los impondo limites, a começar por factos do domínio e interesse público, é privar-nos da possibilidade de poder sorrir, rir ou, melhor ainda, soltar fortes gargalhadas tão necessárias em tempos de paz, que são ainda mais imperiosas e necessárias nestes tempos conturbados de guerra e pandemia!

Para já, não me esqueci do artigo …

Como estava bastante frio, cobri a cabeça com um boné que os meus filhos me ofereceram para fazer as vezes do cabelo que o tempo foi deixando espalhado pelos dias desta vida e fui visitar a minha mãe. Quando regressei, ainda não tinha chegado a casa e já a minha irmã me estava a telefonar para dizer que me esquecera do boné. Não me incomodei o suficiente para voltar para trás e segui para casa pois os esquecimentos já se vão tornando vulgares. Dei comigo a pensar que outrora era eu um dos que contava histórias e anedotas sobre os esquecimentos de outras pessoas mais velhas e do caricato de muitas situações que criavam, como já o fiz aqui na crónica semanal e agora já sou tema para esta conversa com os leitores. Mas, sempre que me acontece um “lapso de memória” como o esquecimento do boné, não faço nenhum drama e encaro a situação com humor. Que ganhava eu se me chateasse? Como se costuma dizer, só tinha dois trabalhos: chatear-me e “deschatear-me”.

Mais ainda, quando converso com as pessoas da minha geração não encontro uma única que não me diga sofrer do mesmo mal. Por isso, concluímos que é a “fruta da época e temos de aceitá-la. Claro que há sempre alguém que nos vende logo uma receita milagrosa para estas “falhas de memória”: “O que tu precisas é de tomar umas vitaminas”, como se as vitaminas sejam o remédio milagroso para tudo. Também me têm aconselhado a fazer exercícios para a memória tal como passatempos do tipo palavras cruzadas, sudoku e outros. Mas se eu já faço isso há muitos anos, o que devo mudar agora? Aumentar o tempo que dedico a tal prática ou mudar para o jogo do xadrez?                                                        Nalgumas ocasiões, ao pousar o telemóvel ou a chave do carro, já dou comigo a pensar: “Deixa-me tomar bem nota onde ficas para não me esquecer”. E na verdade, quando faço este exercício mental para não cometer esse erro, a coisa resulta quase sempre: E eu esqueço-me …

É vulgar irmos a um supermercado de propósito para comprar um produto que precisamos e quando chegamos a casa damos conta que compramos diversos artigos, mas não trouxemos aquele que nos levou a ir lá. A partir de certa altura esquecemos onde deixamos os óculos, as chaves, o telemóvel, a carteira e muitos outros objetos de uso diário. Quando tal acontece, dedicamo-nos à investigação …

Lembro-me de um episódio caricato que se passou quando ainda andava a estudar em Coimbra. Como quando ia para lá tinha de ficar por lá o trimestre completo pois não havia condição económica para vir a casa uma vez que fosse, um dia tiraram-me uma fotografia durante uma pequena viagem de estudo e fiz questão de a enviar aos meus pais para ver que estava bem. Escrevi uma carta bonita (nesse tempo ainda se escreviam cartas à mão) a dizer que juntava a fotografia da viagem, fechei o envelope, selei e meti no correio. Quando cheguei à escola dei com a fotografia em cima da mesa. Escrevi logo outra carta à pressa e voltei a proceder da mesma forma até entregar a carta nos correios. E vim a descobrir que a fotografia teimava em ficar de fora. Esquecera-me novamente. Só há terceira tentativa não a esqueci porque antes de escrever outra carta pequei num envelope e coloquei dentro a fotografia. Será que com os meus 18 anos de então já me estavam a morrer neurónios?   

Por isso, o pior de ficarmos velhos é que, quando começamos a achar que já sabemos quase tudo, começamos a esquecer. E não há volta a dar! Encontrei recentemente um amigo que já não via há bastante tempo e ele manifestou-me uma certa tristeza por estar a envelhecer, ficar esquecido e já não ter a energia que tinha. Para o animar disse-lhe: “Não te entristeças por envelhecer, pois é um privilégio negado a muitos. Quanto ao facto de teres cada vez mais esquecimentos, seja do nome das pessoas, dos aniversários de familiares e amigos e até de encontros, podes estar descansado que eles encarregar-se-ão de te fazer o mesmo. E as contas ficam acertadas”. 

Os pequenos esquecimentos são comuns a partir dos sessenta anos de idade e ocorrem com mais ou menos frequência em função da morte de neurónios, o que é tido como o normal no processo de envelhecimento e é em regra comum a toda a gente. Claro que nós podemos recorrer ao “memofante” e outros produtos semelhantes, que não são mais do que suplementos alimentares naturais indicados para o cansaço e o desempenho mental, mas que se saiba, não dão vida aos neurónios mortos (ao contrário, o Viagra dá vida a outros “mortos”, se bem que só por alguns instantes). E o certo é que esses esquecimentos têm tendência a ir aumentando com a idade e à medida que os neurónios vão morrendo. No entanto, como cada um de nós tem mais de 80 mil milhões de neurónios, se nos morrer um ou dois por dia, ainda temos neurónios para dar, vender e levar para a cova ainda uma enorme quantidade …

Há dias fui acordado às sete e meia da manhã pelo toque do meu telemóvel. Era um amigo a perguntar-me a que horas era o almoço do grupo de que ambos fazemos parte. Ainda meio a dormitar, consegui lembrar-me e dizer-lhe que era no dia 8, mas só do mês seguinte e não naquele. Esse episódio teve o condão de me fazer crer que ao Magalhães (esse meu amigo), já devem ter morrido mais neurónios do que a mim ou, pelo menos, lhe devem estar a fazer mais falta.

Esquecimentos todos temos, sobretudo a partir de uma certa idade e há que encará-lo com naturalidade, tranquilidade e algum humor sem fazer disso um filme, embora possam ser sinais de algo mais preocupante do que um simples esquecimento. Mas, para bem da nossa saúde, até essa possibilidade devemos votar ao esquecimento e não nos preocuparmos. Até quando tiver de ser …

Só sabemos o que vivemos …

Hoje não me arrisco sequer a pensar qual é o grau de sofrimento e dor de uma mulher ao ter um parto, se é que se pode graduar de alguma forma esta ou aquela dor. E não me arrisco, porque não a vivi (nem irei viver nunca). Já sobre a dor renal posso pronunciar-me porque a experienciei por mais que uma vez, mas a verdade é que nem assim posso, nem quero, fazer comparações com a dor de outros doentes renais. É por isso que se diz, e é bem verdade, que em muitas coisas na vida “só sabemos o que vivemos”. A primeira vez que ouvi esta frase “já lá vai um par de anos”, não compreendi o que o seu autor verdadeiramente pretendia dizer com ela, mas o tempo ajudou-me a chegar lá.                                                                                                             Uma das primeiras lições recebi-a quando cumpri o serviço militar e mais propriamente na comissão de serviço em Moçambique. Tendo-se reunido em Évora o batalhão em que me integrei, foi ali que fui conhecendo os companheiros, em especial os da minha companhia, com quem passaria a lidar mais de perto e, tanto em Évora como ao longo de barco da viagem de cerca de trinta dias no barco Niassa e já em Moçambique nos primeiros tempos, fui ficando com uma ideia da possível reação de muitos daqueles homens quando se encontrassem pela primeira vez debaixo de fogo. E, das conversas havidas e alguns comportamentos, fui formando uma ideia peregrina daqueles que se iriam comportar com valentia e determinação e dos que rapidamente se esconderiam até a tempestade passar. Mas na verdade, só quando “vivemos” um ataque dos terroristas ao aquartelamento e ficamos debaixo de fogo ao som de uma sinfonia infernal dos estoiros das bombas dos morteiros e do silvo das balas, é que soubemos ao certo o que é a guerra e a forma como reagimos, pois alguns que se diziam valentes “baixaram a bolinha” e outros pelos quais não se dava nada, vieram para fora das casernas como se o tiroteio fosse ”música para os seus ouvidos”.                                                                                            Quase sempre imaginamos o que não conhecemos, aquilo que nunca vivenciamos, com base no que ouvimos dizer, no que lemos ou ainda no que vemos em filmes ou documentários. Mas a verdade é que não estávamos lá, não sentimos a dor ou alegria, o cansaço ou o repouso, a vitória ou a derrota, a força mental ou o esgotamento psíquico, o grau de dificuldade ou as facilidades. E isso faz toda a diferença para que, aquilo que imaginamos que é algo, pode estar muito longe da realidade.                                                                                                        Sempre que ouvia falar de alguém que “tomava conta” de um familiar, fosse pai, mãe, conjugue ou filho em situação de doença prolongada ou deficiência e até quando contactava diretamente com a pessoa que estava nessa condição, lamentava o sucedido, “dizia duas a abater”, mas mal me virava para o lado já a “dor” me ficava para trás, embora a verdadeira dor e sofrimento continuassem lá com a pessoa que cuidava, o chamado “cuidador informal”. Porque esses, sim, “sabem” verdadeiramente o que isso significa e muito especialmente quando se veem esquecidos pelos amigos, quando não por familiares mais ou menos próximos que descartaram o problema para cima do “bode expiatório”. E só quando a Luísa teve o AVC e ficou numa situação de dependência, aí passei a “viver” a situação de cuidador ao longo de dias, semanas, meses e anos e fiquei a “saber” o que realmente é isso, se bem que tenho de dar graças a Deus por me ter dado condição que me permitiu ter “ajudas” para aliviar, e muito, as dificuldades, o que não acontece à maioria dos cuidadores. Só ao “viver” a personagem de cuidador e de “vestir a sua pele”, passei a “sentir e saber” o que isso significa.                                                                                                        Ao longo dos 15 anos de doença da Luísa fui-me mentalizando que a era incurável, não tinha reversão e, pelo contrário, iria-se agravando com o tempo. E, achava eu, que estava preparado e mentalizado para enfrentar a sua morte com tranquilidade quando esse dia chegasse. O último ano foi particularmente difícil com várias infeções que a foram debilitando ainda mais, até que uma mistura explosiva de covid com uma bactéria resistente lhe deu o golpe final. Mas depressa percebi que a tal mentalização que eu achava que vinha fazendo para fazer a aceitação da sua partida a qualquer momento não serviu para nada. E cheguei à velha conclusão de que, afinal, nunca estamos preparados para um momento destes, o que veio confirmar a máxima de que “só sabemos o que vivemos” … 

O sucesso depende da altura da fasquia …

O general americano Colin L. Power disse: “Não há nenhum segredo para o sucesso, pois é o resultado da preparação, trabalho duro e de aprender com o fracasso”. Mas o “ter sucesso”, também depende da “bitola” pela qual nos regemos para poder dizer que a alcançamos ou não. Para a maioria dos portugueses da minha geração, conseguir ter uma família, um trabalho estável, um automóvel e uma casa com boas condições de habitabilidade, já era sinónimo de sucesso. No entanto, para quem se pautou por um nível de exigência que implicava viver num palácio, andar de Ferrari e ser milionário, o mais provável terá sido considerar-se um falhado ainda que tenha vivido bastante bem.

Em 1983, um jovem e talentoso guitarrista foi expulso da sua banda e da pior maneira. A banda acabara de assinar um contrato com uma editora e estava prestes a começar a gravar o seu primeiro álbum. No entanto, poucos dias antes de iniciar as gravações, a banda mandou o guitarrista embora, sem aviso, sem discussões, sem grandes dramas. Enfim, só o recambiaram, oferecendo-lhe um bilhete de autocarro de regresso a casa. Sentado no autocarro que o levava de Nova Iorque de volta a Los Angeles, o guitarrista não parava de se interrogar: Como foi que isto aconteceu? Que fiz de errado? Agora, que vou fazer? Teria perdido a única oportunidade da sua vida?

Porém, quando o autocarro chegou a Los Angeles, jurou fundar uma nova banda, ultrapassando a pena de si próprio. E decidiu que essa banda teria tanto sucesso, que os parceiros da antiga lamentariam para sempre a sua decisão. Tornar-se-ia tão famoso que eles iriam vê-lo na televisão, ouvi-lo na rádio, ver os seus cartazes nas ruas e as suas fotografias nas revistas durante décadas, além de estar a tocar rock em grandes estádios com transmissão direta pela TV. E assim, o guitarrista trabalhou como ninguém, passando meses a recrutar os melhores músicos que encontrou, muito melhores que os colegas da antiga banda. Escreveu muitas canções e praticou, praticou. A cólera aumentou-lhe a ambição e a vingança passou a ser a sua musa. E foi assim que cerca de dois anos depois a banda assinou contrato com uma editora e um ano depois o seu primeiro disco tornou-se disco de ouro. O nome do guitarrista é Dave Mustaine e o seu novo grupo era a lendária banda de heavy metal Megadeth.

Os Megadeth venderiam mais de vinte e cinco milhões de álbuns e dariam várias voltas ao mundo em digressão, sendo Dave Mustaine considerado hoje um dos músicos mais brilhantes e influentes da história do heavy metal. No entanto, numa rara entrevista intimista em 2003, um choroso Mustaine confessou que não podia deixar de se considerar um fracassado. É que, a banda da qual fora expulso era os Metallica, que venderam mais de cento e oitenta milhões de álbuns em todo o mundo, sendo considerados por muitos como uma das melhores bandas de rock de todos os tempos. E, apesar dos mais de vinte e cinco milhões de álbuns vendidos e das muitas digressões que os levaram a todos os cantos do mundo com espetáculos esgotados e das receitas fabulosas que fizeram dele um homem muito rico, Dave Mustaine sentia que não tivera sucesso e era um fracassado. Seria caso para qualquer um de nós desatar a rir, mas é verdade. O erro dele foi colocar a sua “fasquia” do sucesso acima daquilo que os seus antigos companheiros iriam alcançar. E teve azar. O que mais não era que um desejo de vingança, impediu-o de colher os louros do sucesso alcançado, mas que, para ele, não passava de um fracasso.

Somos macacos. Pensamos que somos muito sofisticados nos nossos carros topo de gama e sapatos de design, mas não passamos de um bando de macacos aperaltados. E, sendo macacos, comparamo-nos instintivamente com os outros macacos e ambicionamos estatuto. Mas a questão também não é se nos comparamos com os outros, mas “qual o padrão que usamos para nos avaliar a nós mesmos”. Dave Mustaine, quer se apercebesse disso, quer não, escolheu avaliar-se por comparação com o sucesso e a popularidade dos Metallica. Apesar de, partindo de uma ocorrência horrível na sua vida ter feito algo muito positivo como os Megadeth, a decisão de se agarrar ao sucesso dos Metallica como critério para definir o sucesso da sua vida continuou a magoá-lo décadas depois. Apesar de todo o dinheiro, dos fãs e dos elogios de todo o mundo, ainda se considerava um fracasso.

Vem isto a propósito de uma longa conversa com um jovem de pouco mais de 30 anos que conheço há muito e sonhava que um dia seria futebolista de sucesso a jogar num dos clubes grandes de Portugal. Foi subindo de escalão em escalão, mas nunca veio a ser requisitado por nenhum deles, terminando a carreira desiludido. Ele e o pai, o mais frenético crente de que o seu rapaz haveria de atingir o topo, ficaram desiludidos, apesar de ele ter chegado ao segundo escalão nacional. Mas consideram isso uma derrota, apesar das suas boas prestações. O seu erro (e do pai), foi impor à partida que teria de chegar lá acima, em vez de ir sonhando passo a passo sem colocar a fasquia demasiado alta. E a pressão que o pai colocou sobre ele não ajudou. 

É bom ser ambicioso e fazer questão de lutar pelos seus objetivos, mas há que ter os pés no chão e perceber que há uma legião enorme na base da montanha, mas só alguns, poucos, chegarão lá acima, ao ponto mais alto, sem que isso deva ser um trauma. É que, conjugar talento com trabalho, oportunidade e, quiçá, alguma sorte, só será para alguns em todos os aspetos da vida, se bem que todos temos a obrigação de tentar e dar o nosso melhor. E isso, só por si, já é merecedor de respeito … 

Cada um escolhe o “ladrão” que quer!

Um ladrão não é só o que rouba, assalta, furta. Não é só uma pessoa desonesta, um tratante ou maganão. É também o rato, o larápio, o abafador, o malandro, o bandido, o rapinante ou o salteador e, no fundo da escala das categorias de ladrões, o “pilha galinhas”. Claro que em todos eles está o patife, o tratante, o maroto, o escroque, o aldrabão, o espertalhão, o vigarista e o trapaceiro. 

Nós sabemos que o ladrão vulgar veste “fato-macaco” para conseguir uns míseros trocos e às vezes à custa de muito esforço, enquanto o ladrão de “colarinho branco” ou de fato e gravata, entra pela porta principal e não se contenta com tostões, mas sim com milhões, e que não é tido nem chamado de ladrão, mas por um “gajo inteligente” ou um “tipo esperto”. Há tempos, uma cadeia de supermercados levou a tribunal um “criminoso” por ter roubado um saco de feijão verde no valor de 77 cêntimos, tendo pagado 204 € para ser assistente no processo. E noutro caso, uma idosa teve de se defender em tribunal por levar um creme de 2 € e 79 cêntimos. E então viu-se os supermercados a pôr alarmes numa série de produtos como que a dizer, “aqui ninguém rouba”. No entanto, no ano que acabou, a ASAE detetou nas três maiores cadeias de supermercados em Portugal margens de lucro brutas ilegais entre 43% e 52%, embalagens que diziam ser de um quilo a pesar 800 gramas e casos em que eram cobrados nas caixas preços 70 % superiores aos marcados nas prateleiras, como que a dizer, “neste supermercado só os donos estão autorizados a roubar”.

Tenho de dar a mão à palmatória e reconhecer que já não há ladrões como antigamente. Evoluíram muito no pior sentido pois passaram a associar a violência ao roubo, uma nova forma que está a crescer em Portugal segundo rezam as crónicas. Estamos a copiar outros países conhecidos pela sua violência … 

No Departamento de Química da Universidade de Aveiro, os ladrões acionaram o alarme de incêndio e esperaram que alunos, professores e funcionários saíssem do edifício para roubar os computadores. E foi uma “limpeza”. É a evolução na continuidade da arte de roubar. Já em Londres, num supermercado só expõe um bife de cada vez na montra para reduzir ao mínimo a quantidade de carne roubada nesta época de crise económica, sobretudo a partir do “Brexit”, isto é, da saída dos ingleses da União Europeia. O que quer dizer que já nem o bife, bom ou mau, escapa ao apetite devorador dos ladrões. 

Hoje há novas categorias de ladrões sofisticados, tecnologicamente evoluídos para nos roubar sem entrarem em nossas casas, sem nos darmos conta de que estamos a ser lesados. Já não se usa pé-de-cabra ou arma branca ou de fogo. Usa-se a vigarice, o prestígio e o crédito que o “estatuto” proporciona e as leis que só protegem os ladrões.  Alguns ladrões “reformados” e a viver com o “fruto do seu trabalho”, como têm muito tempo vago, fizeram um rol de recomendações para quem gosta de chegar a casa e ver que nenhum dos seus bens levou sumiço. Dizem eles que, autocolantes com símbolos de empresas de segurança ou placas a dizer ‘Cuidado com o cão’ não servem para nada. Um até confessou que entrou numa casa através da porta para o cão! Acrescentam que as pessoas pensam que os cães maiores são melhores, mas eles evitavam sempre casa com cães mais pequenos, porque nunca se calam. Publicar fotografias em plenas férias ou dizer nas redes sociais que está a gozá-las fora de casa, é como quem diz “a minha casa está livre para ser assaltada”. E o truque de sair e deixar as luzes acesas ou a televisão ligada, já não resulta. Será conveniente arranjar bloqueios para as janelas porque são abertas facilmente com uma chave de fendas. Quanto a ter escadas do lado de fora e à mão, é meio caminho andado para quem quer entrar por uma janela alta. E lembre-se que, se não trancar bem a porta, mais vale deixá-la aberta. Mas o maior cuidado que temos de ter é com os governantes a quem passamos procuração com poderes para tudo, até para nos roubar.  O escritor e comediante inglês Peter K. dizia: “Os ladrões são muito menos perigosos do que um governo bem organizado”. E o célebre Françoise Marie Arouet, mais conhecido pelo pseudónimo de Voltaire, tinha uma definição muito própria de “Ladrão”: “Na vida existem dois tipos de ladrões:                                                                                                                                                                                                                   – O “ladrão comum”: É aquele que rouba o teu dinheiro, a tua carteira, o teu relógio, o teu cavalo, o teu porco, as tuas galinhas, etc.                                                                            – O “ladrão político”: É aquele que rouba o teu futuro, os teus sonhos, o teu conhecimento, o teu salário, a tua educação, a tua saúde, as tuas forças, o teu sorriso, etc.                                                                                     A primeira grande diferença entre estes dois tipos de ladrões é que o “ladrão comum” te escolhe a ti para roubar os teus bens, enquanto, no caso do “ladrão político” és tu que o escolhes para ele te roubar. E a outra grande diferença, mas não menos importante, é que o “ladrão comum” é procurado pela polícia, enquanto o tal “ladrão político” é, geralmente, protegido pela polícia”.                                                                         Depois de explicar a sua definição de “Ladrão”, Voltaire não deixava de dar um conselho: “Pense bem antes de escolher o “seu” ladrão” …  Ora, na perspetiva de Voltaire, dentro de pouco mais de dois meses, nós vamos novamente ser chamados a escolher o “ladrão” que queremos para nos “roubar”. Com todo o tipo de “roubos” a que temos assistido em Portugal nestes últimos anos numa vida dita “em democracia” e onde até o roubo foi democratizado entre uma boa parte da classe que nos tem governado, é caso para cada um se trancar em casa e “pensar bem” antes de escolher o “seu ladrão”, pelos sinais, mais ou menos claros, que já deu cada um dos candidatos a tal lugar. Porque a escolha do “seu ladrão” será sempre e só, da sua responsabilidade e ditará a qualidade do seu, e nosso, futuro … 

Como nós complicamos a vida …

Lembrei-me que, quando regressei da comissão de serviço militar que fiz em Moçambique, como prenda para a minha mãe trouxe uma complexa máquina de cozinha, do mais avançado que havia naquela altura, que fazia sumos e batidos, descascava batatas e cortava-as às rodelas e em palitos, preparava bolos, para além de muitas outras funções. Na tarde em que lha entreguei, eu e os meus irmãos fizemos sumos e testamos algumas das suas capacidades, num entusiasmo que me fez ficar orgulhoso da oferta. Mas, o interesse pela máquina e pelas suas potencialidades foi sol de pouca dura. Dois dias depois, a minha mãe limpou-a e arrumou-a no armário, onde ficou muito bem “arquivada”. Disse-me que preferia continuar a cozinhar do modo a que estava habituada, com os poucos apetrechos que tinha. “A faca e um pequeno espremedor de plástico fazem a maior parte das funções daquela máquina”, disse-me ela. 

Alguns anos depois, retirou-a da prateleira onde a mantivera em repouso absoluto, limpou-a com todo o cuidado, embalou-a em bonitas folhas de papel colorido amarrado com fita decorativa a condizer e … ofereceu-ma como prenda de casamento. E eu, feito parvo, desembrulhei a oferta e dei comigo a montar os apetrechos, voltando a experimentar entusiasmado as múltiplas capacidades da máquina qual criança quando recebe um novo brinquedo … por um dia. Terminado o entusiasmo do período experimental, limpei-a, arrumei-a no armário da cozinha e, a esta distância temporal, não sei onde acabou os seus dias nem se chegou efetivamente a ser útil a alguém. 

Se nesse tempo uma máquina de batidos era uma novidade que não se via todos os dias e só em muito poucas casas, hoje tornou-se uma vulgaridade à qual já ninguém dá atenção especial. Mas, de tempos a tempos, há sempre uma marca de eletrodomésticos que lança novo modelo com novos argumentos comerciais capazes de atrair público consumidor e lá se vai comprar mais uma maquineta para alguns dias depois ir parar ao “armazém” das coisas inúteis que todos nós temos num qualquer canto da casa. 

São frequentes os lançamentos de novos equipamentos e todo o tipo de tecnologias, acompanhados de grandes campanhas publicitárias que as “vendem” como a última maravilha da ciência, capaz de tornar absurdos os nossos problemas existenciais e resolver umas quantas dificuldades do dia a dia da nossa vida. Agora as últimas novidades da moda são os robôs de cozinha e o marketing, a publicidade e todas as estratégias comerciais já as tornaram na nova moda nas cozinhas portuguesas até irem parar ao canto das coisas ultrapassadas como já sucedeu com muitas outras “maravilhas da ciência e da tecnologia”.

A dona da casa abriu uma gaveta do louceiro para procurar um saca-rolhas e ficou surpreendida ao ver a sua gaveta tão cheia de “tralha”, começando por tirar um acessório novo que não sabia bem para que servia. Depois de o fazer rodar na mão algumas vezes, acabou por se lembrar que se destinava a separar a gema da clara. A seguir tirou um outro que me disse ser para retirar o “talo” central dos ananases. E, apercebendo-se que já não “visitava” aquela gaveta há muito tempo, acabou por desabafar: “Já agora, deixa-me ver o que é que tenho para aqui guardado”. Para sua surpresa, alguns dos acessórios ainda se encontravam dentro das embalagens originais, pois isso queria dizer que nunca tinham sido utilizados, talvez porque foram mais algumas compras por impulso. Tirou uma “geringonça” para cortar os ovos cozidos às rodelas; outra para retirar os “fios” indesejáveis do feijão verde; outra para furar as batatas quando se quer recheá-las com picado; e outras mais que nem percebi qual a sua função …

Como estava numa de ver o que havia por ali, abriu a gaveta do lado. Nunca vi tanta variedade de facas em tamanho e função. O conjunto de facas maiores eram aquelas a que eu chamo “de matar os porcos” e depois eram facas para o pão, para a carne, para o peixe, para o presunto, para a fruta, para o queijo, etc., etc. Até lá estavam umas facas especiais, em porcelana. Arrumadas na gaveta, porque no dia a dia, confessou, “não é funcional estar a variar sempre de facas em função da função”. Mas, ali não faltava “ferramenta”, em quantidade e variedade. Parecia mais uma oficina de protótipos ou sala de artigos experimentais, com uma diferença: Não eram ofertas, mas coisas que custaram dinheiro … para nada! Era como se ali estivesse um cofre de dinheiro inútil e sem valor algum.

Vendo bem, não passamos de marionetes nas mãos dos profissionais do marketing e da publicidade que utilizam técnicas sofisticadas para nos controlar os impulsos consumistas e levar a comprar tudo o que precisamos, mas muitíssimo pior, sobretudo o que não precisamos. É por isso, por todo aquele “lixo” que vamos comprando e acumulando dentro das nossas casas seja ele feito de tralhas para a cozinha, roupa e calçado, artigos para as férias na praia, no campo ou na neve, usar ou nunca usar, já para não falar em coisas bem mais “pesadas” em todos os aspetos, que nos tornamos escravos permanentemente à procura de ganhar mais e mais para gastar mais e mais, como se a felicidade se medisse pela quantidade de bens que compramos …    

Coincidências ou probabilidades?

Há coisas para as quais nós não temos explicação ou, melhor, para as quais se dão milhentas explicações, mas nenhuma satisfatória, como o que aconteceu com dois irmãos gêmeos que, apesar de terem vivido separados, tiveram vidas assustadoramente semelhantes. Como foi possível? “Com quatro anos de idade, Jim Lewis e Jim Springer foram separados e cada um deles teve uma família diferente. Quando anos mais tarde se encontraram, descobriram que os dois tiveram ainda em criança um cachorro chamado Toy, além de terem carros, fumar cigarros e beber cerveja, tudo da mesma marca. Mas a semelhança mais marcante foi a de que ambos foram casados duas vezes, o que até poderia ser normal, se não fosse o caso das primeiras mulheres dos dois se chamarem Linda e as segundas se chamarem Betty”. É mesmo caso para perguntar, como foi possível? Puro acaso? Mas não foram acasos a mais?

Quer seja para o bem ou para o mal, não é tão raro que em alguns momentos o “universo” conspire para que isto ou aquilo aconteça e nos surpreenda, de tal forma que, conscientemente, não sabemos o que pensar da situação ou que resposta ter para o facto. É costume dizer-se que “os astros se alinharam para que tal acontecesse”. Da mesma forma, quantas vezes uma série de factos acontecem todos uns atrás dos outros ou ao mesmo tempo, para fazer que algo se concretize ou para fazer rigorosamente o contrário? Coincidência é a palavra que os dicionários têm para sintetizar tudo isso. Mas será que tudo o que aconteceu com os gêmeos foi uma mera coincidência? Se pensarmos um pouco, não é difícil chegarmos à conclusão de que não podemos atribuir à “coincidência” a responsabilidade destes factos. A verdade é que há sempre uma explicação para tudo o que acontece nas nossas vidas, pois o facto de “nada acontecer por acaso”, mais do que uma simples frase, é uma realidade com a qual temos de conviver por mais que não consigamos entender os motivos. No entanto temos o direito de acreditar em coincidências e em coisas inacreditáveis, mesmo que seja por uma questão de fé. 

Há algumas décadas, Albert Einstein chegou a desenvolver estudos na tentativa de explicar cientificamente a coincidência. Porém, não tendo conseguido estabelecer uma regra que justificasse a sua existência, Einstein não se deu por vencido e passou a acreditar e afirmar junto dos seus que “a coincidência era a maneira que Deus tinha encontrado para permanecer no anonimato”. Parece difícil acreditar que um cientista como ele tenha atribuído ao Divino a presença da coincidência nas nossas vidas. Mas, que razões o terão levado a dizer isso diante dos resultados das suas pesquisas? Pouco importa, porque não contribui em nada para acreditarmos ou não em coincidências na nossa vida, pois “o facto de não termos explicação sobre uma coisa, não impede nem ajuda que essa coisa não aconteça”.

Num domingo de manhã, a escritora norte-americana foi passear nas ruas de Paris onde estava a passar férias com o marido. Entrou numa livraria, viu o livro “Jack Frost e Outras Histórias” e comprou-o, pois era um dos seus favoritos em criança. Quando o marido o abriu leu na primeira página o nome da sua mulher e a morada, descobrindo que ela acabara de comprar o livro que lhe pertencia quando era nova. É mais uma coincidência? O matemático Joseph Mazur não acredita que tenha sido coincidência e acredita no que resumiu em probabilidades de acontecer. “Era pouco provável, mas não é incrível ter acontecido” disse ele. “Um amigo telefonar no momento em que íamos telefonar-lhe, encontrar alguém muito parecido connosco, ganhar a lotaria 4 vezes, é mais provável do que parece”, disse ele, chamando-lhe a Lei das Probabilidades e até explica as coincidências mais espetaculares, de que o exemplo desta lei é o Teorema do Macaco: “Se um macaco carregar ao acaso nas teclas de um computador durante muito tempo acabará por escrever um texto de William Shakespeare. Os piratas informáticos usam esta lógica para desvendar a palavra-passe testando milhões de hipóteses com algoritmos e computadores”. É outra forma de ver as coincidências? Dizem que é difícil acreditar em coincidências, mas é ainda mais difícil acreditar em qualquer outra coisa. 

E tudo isto me trouxe a algo semelhante à primeira parte do texto desta crónica, com algo um pouco parecido, mas que ocorreu aqui em Lousada: “Há poucos dias a senhora Conceição, com mais de oitenta anos e de boa saúde, sofreu uma queda, foi para o hospital onde lhe foi diagnosticada a morte cerebral e passados 2 dias morreu. Nada de estranho, a não ser que o senhor Antero, seu irmão gêmeo, há cerca de 2 anos, também com boa saúde, sofreu uma queda, foi parar ao hospital onde lhe foi diagnosticada a morte cerebral e passados 2 dias morreu. 

Terá sido uma coincidência? Mas o mais curioso é que a senhora Conceição quando andava na escola, um dia ao regressar a casa, caiu e partiu um braço. E o senhor Antero, nesse mesmo dia ao voltar para casa da mesma escola por um outro caminho que não o da irmã, caiu e também partiu um braço. Terão sido só coincidências e nada mais? Terá sido a matemática na famosa Lei das Probabilidades, como defende Joseph Mazur, a explicar todas estas coincidências? Ou, por muito que não se goste, é um daqueles quebra-cabeças que Deus nos deixou para pôr à prova a nossa inteligência e, quem sabe, para chegarmos à conclusão de que “há razões que a razão desconhece”? Mas que são coincidências a mais, são … 

A “cunha”, essa instituição nacional …

Como os portugueses “andam em pulgas” querendo saber mais e mais sobre essa “cunha” fabulosa que valeu, ao que tudo indica, cerca de quatro milhões de euros (e de que todos nós fomos contribuintes sem o termos sabido), para além de acreditarem ter direito à verdade e saber quais os envolvidos nesse “filme” de que ninguém se assume protagonista, eu julgo ser uma ocasião propícia para falar sobre essa verdadeira instituição portuguesa conhecida por “cunha”.         Porque, goste-se ou não, vivemos no país da “cunha” e ninguém está imune e escapa ao seu contágio, embora uns, mais do que outros, convivem diariamente com muitos pedidos, influências, pressões ou empenhos. Apesar de, como português, já me ter habituado há muito a tal fenómeno, fico sempre impressionado com a naturalidade com que se usa e abusa de tal “ferramenta”, imprópria de um país dito democrático e civilizado.             Porque, muitas vezes, se sortir efeito, podem-se inverter as regras do jogo e prejudicar terceiros. E a “cunha” é para quem tem o poder de decidir, sejam governantes de qualquer nível, os amigos e os amigos dos amigos deles, dirigentes de instituições, repartições e de quem lhes é afeto ou sirva de trampolim para lá chegar. Mas sempre que ela não resulta, só fica mal visto quem a recusa, não quem a mete …        Todos sabem que em Portugal a cunha, o jeitinho, o empurrãozinho, a ajudinha, fazem parte da nossa matriz cultural e não conseguimos viver sem a utilização dessa bengala cultural e social. E isso acontece muitas vezes porque as instituições não funcionam ou funcionam mal e a administração pública está bloqueada por excesso de serviço ou problemas financeiros, incapacidade organizativa e burocracia mais que muita. Se houvesse bom rigor e tolerância zero, se as instituições funcionassem como deviam, seguramente que a cunha não medraria nem seria necessária.                                                                                                            Por vezes a “cunha” é embrulhada no sotaque brasileiro do “jeitinho”: “Podia fazer-me o “jeitinho”? E tudo encaixa como uma luva quando, numa expressão muito carinhosa, dizem “vou mexer os cordelinhos”. Está-se mesmo a ver que é a “cunha” adoçada com o “inho” tão típico da nossa língua, algo muito subtil, quase irrecusável e desculpável. Muitas vezes funciona como uma troca de favores: Hoje fazes-me este “jeitinho” e amanhã eu “mexo os cordelinhos” para te desenrascar. O intercâmbio social que está no nosso ADN e que até exportamos para o Brasil, onde cresceu e floresceu sob a roupagem de “jeitinho”, mas que não é mais do que a nossa “cunha” tradicional, tropicalizada, em muitas ocasiões à espera do retorno do favor. Lembro-me de Júlio Monteiro ter afirmado “ser a coisa mais natural do mundo meter uma cunha para que um amigo inglês chegasse à fala com o seu sobrinho, na altura ministro. Só não achou natural, disse ele, que o amigo não lhe tivesse agradecido o favor: “Depois até fiquei chateado porque usou o meu nome e nem obrigado me disse”. Quando alguém espera que agradeçam um favor …                                                                                 E foi tal “jeitinho” que tramou Eça de Queirós quando concorreu e ganhou o concurso para cônsul na Baía, mas que perdeu na secretaria ao esquecer-se do “fator C”, que outro candidato usou na hora certa. O “fator cunha”. Deste “atropelo ético” nasceria a inspiração para, com Ramalho Ortigão, escrever “As Farpas”, tendo-se referido numa delas ao seu caso assim: “Querido leitor: Nunca penses servir o teu país com a tua inteligência e, para tal, em estudar, em trabalhar e pensar! Não estudes, corrompe! Não sejas digno, sê hábil! E, sobretudo, nunca faças um concurso; ou quando o fizeres, em lugar de pôr no papel que está diante de ti o resultado de um ano de trabalho, de estudo, simplesmente escreve: Sou influente no círculo tal e não me façam repetir duas vezes!”                                                                                                                     Na literatura portuguesa há mais referências à “instituição cunha”, como é o caso de Almada Negreiros nos primeiros anos do Estado Novo, em 1933, nas páginas do Diário de Lisboa: “Há um Portugal profissional, civil e insubornável! Há, sim senhores! Mas entretanto … a nossa querida terra está cheia de manhosos, de manhosos e de manhosos, e de mais manhosos”. Mudaram-se os tempos, mas os maus costumes não se mudaram. Eça e Almada retrataram o país das “cunhas” e, para mal dos nossos pecados, continuamos tão parecidos ao retrato que eles fizeram de nós! Aliás, não sei mesmo se com um tom mais carregado. A “cunha” é um pedido especial realizado por alguém a favor de outra pessoa. Normalmente diz-se “meter uma cunha”, para recomendar ou interceder por alguém. É uma especialidade nacional ao serviço de tudo e mais alguma coisa. A “cunha” veste roupagens diferentes, mas não deixa de ser a mesma coisa quando lhe chamam empenho, fator C, “jeitinho”, mexer os cordelinhos, empurrão, pedido ou a gasosa muito usada nos países africanos e o “pistolão” brasileiro. Vai dar tudo ao mesmo …                                                                                    Independentemente do nome que se lhe chamar, é algo que move interesses por maiores ou menores que eles possam ser, coisa que muitas vezes contorna os princípios morais, por vezes a ética e, em outras, a própria lei.                                                                                         Não deixa de ser curioso como é que neste caso presente, numa “cunha” tão valiosamente cara, ninguém a meteu, ninguém viu, ninguém sabe nada, nem ninguém assume a paternidade para uma situação de sucessivos privilégios, embora isso possa vir a abalar a própria Presidência da República. Claro, não cai bem à consciência nacional ver alguns processos administrativos ser resolvidos em tão poucos dias quando para um cidadão comum demora meses, talvez anos ou nunca chegam a ser resolvidos.  Alguém acha mesmo que somos todos iguais?