Uma Batalha épica, um Herói a sério, um esquecimento que não nos honra!

Como é possível serem os estrangeiros a colocar no topo dos grandes feitos da História a Batalha de Diu, entre portugueses e uma coligação de muçulmanos com apoio de Veneza, com uma estrondosa vitória dos nossos antepassados, enquanto nós, mudos e calados, ignoramos os nossos heróis a sério, talvez envergonhados de não os merecer e de nunca mais gerarmos quem sequer lhes chegue aos calcanhares? Foi uma vitória de aniquilamento total semelhante às batalhas de Lepanto, do Nilo, de Trafalgar e de Tsushima, assinalando o início do domínio europeu nos mares do Oriente e o recuo do poder muçulmano na Índia. O mundo académico questiona: o que são Leónidas ou o Almirante Nelson perto de Francisco Almeida? E onde está a merecida notoriedade deste homem?                                                                                                                  Dois anos após a chegada de Vasco da Gama à Índia, os portugueses já sabiam que era impossível comercializar ali tão pacatamente como em África, pela oposição das elites mercantes muçulmanas instaladas, que incitavam ataques contra feitorias, navios e agentes portugueses, sabotavam os seus esforços diplomáticos e incitavam o Samorim de Calecute a matá-los. Ao saber, o rei D. Manuel I nomeou D. Francisco de Almeida vice-rei da Índia, com ordens para proteger as feitorias portuguesas, combater a navegação hostil muçulmana, tendo partido de Lisboa em 1505 com seu filho Lourenço de Almeida. Os interesses instalados dos muçulmanos e venezianos eram a causa. Incapazes de se oporem aos portugueses, os mercadores muçulmanos na Índia e o Samorim de Calicute pediram ajuda ao Sultão do Egito, com grandes interesses no negócio das especiarias para a Europa. Veneza rompeu relações diplomáticas com Portugal e enviou um embaixador à corte egípcia propor “remédios rápidos e secretos” contra os portugueses. Assim, Veneza cedeu aos mamelucos naus e galés de guerra, para a expedição que incluía mamelucos, turcos, núbios, etíopes, artilheiros venezianos, tendo chegado a Diu em Setembro de 1507. Meliqueaz, governador de Diu, apesar das relações convenientes com Portugal, aceitou colaborar com Mirocem, comandante da coligação. Em Março de 1508, esta atacou uma frota portuguesa comandada por Lourenço de Almeida, de 150 homens. Apanhado desprevenido por confundir os navios inimigos com os de Afonso de Albuquerque, a vitória pendeu para os muçulmanos que perderam 700 dos seus 800 homens, tendo morrido 70 portugueses. D. Lourenço morreu e o corpo nunca foi encontrado. Ao saber da morte do seu único filho, D. Francisco de Almeida revoltou- se e prometeu vingar-se, tendo dito, supostamente, que “quem comeu o frango, há-de comer o galo ou pagá-lo.” Quando estava a partir, em 6 de dezembro de 1508, chegou Afonso de Albuquerque com ordens do rei D. Manuel para substituí-lo como governador. Mas a intenção de destruir a frota muçulmana tornou-se uma questão pessoal e recusou que o sucessor nomeado tomasse posse. Ao fazê-lo, estava em rebelião oficial contra o rei. A 9 de dezembro, a frota saiu de Cochim rumo a Diu, indo por Calecute, Baticala, Onor, Chaul e Bombaim. Aqui, Francisco recebeu carta de Meliqueaz a querer apaziguar o vice-rei, dizendo que entregaria os prisioneiros e que seu filho havia combatido dignamente. O vice-rei respondeu a Meliqueaz em tom respeitoso, mas ameaçador: “Eu o vice-rei, digo-te honrado Meliquaz, capitão de Diu, que vou com os meus cavaleiros à tua cidade, lançar a gente que aí se acolheu depois de pelejarem em Chaul com a minha gente e mataram um homem que se chamava meu filho; e venho com esperança de Deus do Céu tomar deles vingança e de quem os ajudar; e se a eles não achar não me fugirá a tua cidade, que tudo me pagará, e tu, pela boa ajuda que foste fazer a Chaul; e que tudo te faço saber para que estejas bem preparado para quando eu chegar, porque vou de caminho …”                                                                                                              A 2 de fevereiro de 1509, os portugueses avistaram Diu. Tinham 18 embarcações e 1000 a 1500 homens. À espera estava a armada da coligação com 120 a 200 embarcações e cerca de 5000 homens. Às 11 horas da manhã do dia 3, a bandeira real foi içada e um único tiro deu início à batalha. Um bombardeio geral entre as duas forças precedeu o combate e os portugueses usaram tática inovadora de artilharia ao disparar tiros rasantes com as balas a ricochetear nas águas, como pedras. A Santo Espírito afundou logo um dos navios muçulmanos. A nau capitânia egípcia acabou por ser tomada depois de escaramuças. Mirocem manteve os navios de remo dentro do canal para atacar os portugueses por trás, mas João da Nova percebeu e bloqueou o canal com a Flor do Mar, impedindo a saída dos navios, que passaram a ser um alvo ideal para os artilheiros da Flor do Mar que disparou mais de 600 tiros. Os portugueses dominaram todos os barcos. As caravelas colocaram-se entre os navios e a costa, matando todos os guerreiros muçulmanos que tentavam alcançar a margem e afundaram a última nau ao anoitecer, dando-se por finda a Batalha de Diu, que se saldou numa vitória retumbante dos portugueses. Meliqueaz devolveu os prisioneiros de Chaul e Almeida recusou-se a apossar-se de Diu, mas obteve dos mercadores que financiaram os muçulmanos uma quantia avultada em ouro. O aniquilamento foi total ao ordenar que fossem todos enforcados, queimados vivos, despedaçados ou amarrados às bocas dos canhões, em retaliação pela morte do filho. Após a batalha, Almeida relatou ao rei D. Manuel: “Enquanto fores poderoso no mar, manterás a Índia como tua; se não possuíres este poder, pouco te servirá uma fortaleza na costa.” Em novembro de 1509, entregou a Afonso de Albuquerque o governo da Índia e partiu para Portugal. Não chegaria ao destino, morto numa escaramuça no Cabo.                                                                                             A Batalha de Diu é tida como uma das batalhas mais importantes da História. No seu livro 50 Battles That Changed the World, William Weir classifica-a como a 6ª mais importante da História. E diz mesmo: “Quando o séc. XV começou, o Islão parecia pronto a dominar o mundo. Tal perspetiva afundou-se no Oceano Índico ao largo de Diu”. Almeida, ao aniquilar a frota muçulmana, não só vingou o filho, como foi responsável pela criação do primeiro Império global da História e ensinou a Europa qual o caminho para o topo do mundo: o poder marítimo. Tudo isso na decisiva Batalha de Diu. A partir daí, Portugal dominaria a maior parte do comércio oriental, destruiria a antiga rota da seda, levaria Veneza e dezenas de estados islâmicos à falência e tornar-se-ia na primeira superpotência. Os muçulmanos que viam o mundo afundar, acreditavam que a vitória portuguesa só podia ser por vontade de Deus e não havia nada a fazer. Porque ignoramos esta página nobre da nossa História? Porque esquecemos esse Herói, cuja memória deveria ser imortal, ao levar este pequeno país ao estatuto de potência global? Provavelmente, não somos mesmo dignos dele e de todos os seus Homens …