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Que os “caminhos públicos” não sejam um obstáculo …

Tive de ir ver algumas matas nas encostas da serra de Barrosas, o que tem sido muito difícil pelo estado miserável em que se tem encontrado o caminho que lhes dá acesso, público, mas esquecido pelos poderes públicos, com regos que mais parecem regatos depois da tempestade. Só esteve bem cuidado e perfeitamente acessível enquanto serviu para palco da classificativa do Rali de Portugal. É que, os pilotos e o público, mereciam essas atenções por parte do poder autárquico e, o que não era de desprezar: dava nome à terra e algum prestígio aos políticos. Mas, foram-se as etapas de estrada do Rali, em Lousada, e o caminho por onde podiam passar tão bem quaisquer carros desportivos, virou caminho de cabras, por onde, para se andar em certas ocasiões, só de galochas e muito cuidado para não cair no fundo dos enormes regos. Esquecidos e ignorados ficaram os proprietários dessas matas e da atividade florestal que estas permitem, pela dificuldade no acesso. Ali encontrei camiões, máquinas e tratores a cortar árvores, preparar toros, carregar e transportar. 

Mas se não fosse um arranjo precário do caminho feito pelos interessados, no caso a Navigator, antiga Portucel, que explora muitas matas na área, bem podiam esperar sentados pois não conseguiriam tirar de lá um pau sequer. E, seria bom lembrar, que a exploração da floresta é uma atividade económica criadora de riqueza como qualquer outra atividade e que deveria merecer a mesmíssima atenção do poder público que outras recebem. Mas todos sabemos que, compor um caminho no meio da serra, onde não há sequer uma casa, muito menos pessoas para “verem isso e saberem” que se está a fazer obra pública, não é interessante, para não dizer o que não dá. É verdade que, para já, os eucaliptos não votam nem elegem ninguém. Porém, os proprietários não deviam ser cidadãos de segunda e, em caso de incêndios nas matas, os Bombeiros também se veem “gregos” (e não vou dizer “negros” e ser acusado de racista) para lá chegarem.

Mas tudo isto vem a propósito de que, quando cheguei ao alto e bem lá no meio das matas para onde tive de ir num veículo “todo-o-terreno” e com tração às quatro rodas, enquanto aguardava a chegada de outra viatura estive a observar o trabalho efetuado por uma máquina de “lagartas”, do tipo “giratória”, tendo na ponta do seu braço uma cabeça “processadora” de árvores. Com os eucaliptos cortados, permitia-lhe agarrar no eucalipto inteiro pelo pé como se fosse um palito, fazê-lo passar pelo seu interior ao mesmo tempo que lhe cortava os ramos (e também descasca se os rolos forem helicoidais), proceder ao seu traçamento em toros, num controle total das operações e com uma precisão inigualável das medições de corte, um processo rápido e de forma que fazia com que tudo parecesse muito fácil. E era. O ritmo de trabalho da máquina (e manobrador) era impressionante, pois não demorava sequer um minuto (estatisticamente são 40 segundos) a pegar num eucalipto de vinte metros de comprimento pelo pé como se tratasse de uma pena, a fazê-lo passar pelo meio da “garra”, esgalhá-lo e cortá-lo em toros. E no minuto seguinte saltava para outro e outro, e assim sucessivamente, num processo contínuo de alta produtividade. Além de “esgalhar” e cortar em toros, estes eram deixados em rimas e prontos a carregar para camião, que os levaria à fábrica onde seriam processados. Também os ramos eram amontoados para depois serem retirados ou moídos e deixar as matas limpas. Na Suécia, país onde a exploração florestal é levada muito a sério, até já estão a ensaiar uma máquina florestal autónoma com cabeça processadora que pode ser controlada com controle remoto ou programada para fazer o trabalho por conta própria, sem intervenção do ser humano e equipada com sensores de segurança para parar sozinha sempre que alguém chega muito perto.          

Fiquei a pensar na forma como tudo isto era feito quando era criança. O trabalho realizado por esta máquina durante um dia deve ser igual ou superior ao de um homem desse tempo durante um ano. Ainda me parece estar a ver dois homens agarrados a um “serrão”, cada um do seu lado, para “deitarem abaixo” um eucalipto, depois de lhe terem feito um corte com um machado para o orientar na queda. Seguia-se o “esgalhar da árvore” com um machado e a marcação do tamanho de cada toro usando para o efeito uma vara como “bitola”, que tinha a medida certa. E então, com o “serrão”, os dois homens iam cortando o eucalipto em toros, que ali ficavam. Como eram muito pesados, para os movimentar usavam uma “junta de bois” e um cadeado para os atar e levar por arrastamento. Mas, para os carregar num “carro de bois”, o transporte dessa época, era a força dos homens que valia, já que não havia gruas nem guindastes mecânicos para substituir a força do braço humano. 

É extraordinária a evolução técnica e científica que permitiu chegar a esta situação, excelente em termos de produtividade e alívio do esforço humano no processo, pelo que hoje não faz sentido e não é de todo rentável, fazer a exploração das matas de forma artesanal. Se os colocasse lado a lado, enquanto os 2 homens davam conta do corte, desrame, traçamento e carga de 2 eucaliptos em oito horas, 1 por cada homem, a máquina (e um manobrador) aviavam cerca de 500. Uma diferença abismal …  

Nem dá para comparar estas duas realidades, de hoje e de há 50, 70 ou mais anos, pela enorme diferença entre a quantidade de trabalho feito e consequente criação de riqueza. E, o que acontece com a exploração dos recursos florestais, passou a acontecer com a exploração de outros recursos e a produção de todo o tipo de bens com as indústrias e todos os avanços tecnológicos e científicos, em regra com maior comodidade e menor esforço físico no trabalho. Foi esse caminho que nos fez passar de uma sociedade agrícola, onde a pobreza era tal que só quem por ela passou e viveu é que percebe, para uma sociedade industrial de muito maior produção de riqueza e bens, acessíveis a toda a gente, embora a distribuição dessa riqueza seja muito questionável.

Soubessem os seres humanos serem contidos no consumismo, no desperdício, nos excessos, nas manias de grandezas absurdas, de respeitar os direitos de outros seres humanos, da importância da solidariedade, de ter consciência que têm um “prazo de validade muito limitado” e que, ao ir para o “outro lado”, vão despidos de tudo, até da ilusão, para que a riqueza criada pudesse estar ao serviço de todos e não só de uns quantos. 

Mas para a criação de riqueza é muitíssimo importante que os governantes, lá de cima até bem cá em baixo, não esqueçam que têm a obrigação de cuidar para que “todos os caminhos públicos” estejam “transitáveis e em boas condições de acessibilidade”, num serviço público muito além da obrigação, e que não continuem a ser o maior obstáculo à sua criação, como vem acontecendo com demasiada frequência!