Já pensou que, hoje, posso sair de casa, ir a um posto de combustíveis atestar o automóvel com pagamento por cartão na própria bomba, lavar a roupa em lavandaria self-service e ir para o trabalho usando uma autoestrada com portagem automática, sem ser servido por uma única pessoa? E posso continuar ao almoço selecionando a refeição numa cantina e aproveitar o tempo livre para consultar a minha conta bancária, fazer pagamentos, transferências, escolher, marcar e pagar uma viagem e imprimir a passagem aérea, tudo através da internet, por computador, tablet ou smartphone? E no regresso, ir ao supermercado fazer compras, escolher os produtos que quero, tirá-los das prateleiras e pagar em caixa automática sem intervenção de qualquer funcionário? Posso ainda lavar o carro numa lavandaria auto e ir ao cinema com bilhete eletrónico comprado através duma aplicação móvel. O trabalho será todo meu, sem receber qualquer contrapartida, coisa que há uns anos exigia uma série de pessoas para me atender. Já pensou nisto que começou há muitos anos, mas agora está a ir além do inimaginável e nas consequências desta “revolução self-service”, de que a principal é a quantidade enorme de trabalhadores que vão para o desemprego?
A revolução “self-service” começou em 1916 numa pequena loja dos Estados Unidos e nunca mais parou. Clarence Saunders, proprietário do supermercado Piggly Wiggly, em Memphis, Tennessee, foi o pai da ideia que mudou a maneira como fazemos compras. Até aí, os produtos estavam guardados atrás do balcão e o cliente limitava-se a dizer o que queria e a pagar. O empregado acompanhava todo o processo. Atendia o pedido, metia as compras em sacos, fazia a conta e recebia o dinheiro.
Com a chegada do “self-service”, o consumidor passou a poder circular pela loja, retirar os produtos das prateleiras e levá-los em cestos até à caixa. Foi assim que o retalho ganhou a dianteira da revolução “self-service”. E diz quem sabe, que “ainda não vimos nada”: há experiências em curso para substituir as caixas de supermercado por “tablets”; para fazer da voz uma ordem de pagamento; para transformar “apps” em instrumentos de compra e catálogos interativos; e, cereja em cima do bolo, entregar as compras em casa com aviões não-tripulados (os tão famosos “drones”). O certo é que, com tudo isto, a produtividade e capacidade de atendimento dispararam, abrindo caminho à criação do supermercado, do hipermercado e da grande superfície especializada, onde “o consumidor faz tudo” …
A primeira loja em Portugal deste tipo só abriria em 1961, em Lisboa e nunca mais pararam. Dizem que as vantagens para os consumidores são muitas: oferta muito maior, atendimento rápido e com preços mais baixos. Mas as empresas ganham muito mais. E nós, só trabalhamos?
O “self-service” significa uma redução enorme dos trabalhadores, um problema grave para a comunidade. E a inovação constante, como é o caso das caixas automáticas nos supermercados, faz aumentar ainda mais o desemprego, sem contrapartidas para a sociedade. É o próprio consumidor que faz a leitura dos códigos de barras, faz o pagamento, ensaca e sai com os produtos, sem haver necessidade da intervenção do colaborador da loja. E não recebe nada. Diria que é “um trabalhador não remunerado”, que tira o emprego a alguém, sem se aperceber. A tradicional linha com dezenas de caixas de saída nos supermercados pode desaparecer e os pagamentos serão feitos “em qualquer parte da loja”, “de uma forma que parece mágica” e já acontece em duas cadeias de supermercados americanas. Aliás, tem estado a ser desenvolvido lá um sistema em que o consumidor paga dizendo apenas o seu nome, nada mais. Nem tem que digitar nada. Como eles dizem, “nós ainda não vimos o que aí vem”. As “apps” vão permitir comprar “em qualquer lado e a qualquer hora” e darão “uma maior liberdade ao consumidor que não necessite ou não queira, sequer, ter a participação de outra pessoa para fazer as compras.” O futuro passará por carrinhos de compras inteligentes e os bens encomendados nas lojas “online” (outro terreno moderno do “self-service”) podem chegar a casa dos clientes nas asas de aviões não-tripulados. A Amazon já está a testar “drones” para substituir as carrinhas de entregas. É assim que, além de estar a aumentar o desemprego, a tecnologia pode vir a matar o atendimento personalizado.
Claro que os trabalhadores de hoje não vão deitar “fogo às máquinas” por estarem a roubar-lhes os empregos, como na primeira revolução industrial, tendo sido “substituídos” nas suas funções pelos próprios clientes, mas é caso para estarem preocupados pois nada dos ganhos com a redução de pessoal nas empresas vai parar aos seus bolsos. E o problema coloca-se em numerosas áreas de atividade, dos postos de combustíveis aos parques de estacionamento, dos supermercados às mais variadas indústrias, da banca aos escritórios, das portagens às vendas de bilhetes para tanta coisa, dos tabuleiros de qualquer centro comercial ao restaurante self-service. É que as novas tecnologias têm, normalmente, um efeito devastador sobre o emprego. E isso quer dizer que se vão descartando as pessoas. É aí que começa o problema …
É estranha esta sociedade que, cada vez com mais frequência, nos leva a fazer funções que seriam de alguém. E com isso estamos a roubar empregos, a roubar esperanças. As caixas autónomas, instaladas como opção entre ser atendido por assistente ou, em momentos de aperto, para desenrascar mais depressa, vão passar a ser obrigação. E é assim que “somos contratados” como “empregados não remunerados”, sendo manipulados e amestrados para executar diversos tipos de tarefas, até de arrumação e limpeza como é o caso dos tabuleiros de restaurantes.
O curioso é que nalgumas empresas deste tipo nos Estados Unidos, em que os clientes assumem a tarefa de empregados não remunerados, até existe no final da linha uma pergunta automática para saber qual o valor da gorjeta que o cliente vai deixar. E# a moda pode chegar aqui. Ou está tudo bêbado ou sou eu que estou a ver as coisas “de pernas para o ar” …
Com tudo isto, não estou a perder tempo nas filas (que só existem por falta de operadores nas caixas), mas estou a contribuir para aumentar os lucros das empresas, a atirar gente para o desemprego e a trabalhar “para aquecer” em montes de locais onde só deveria ser cliente. Mas, trabalhando “à borla” e sem beneficiar de um desconto sequer, por mais miserável que seja, posso sentir-me satisfeito porque sou muito mais evoluído, mais moderno e mais despachado …