Nada substitui o tempo que se lhes dá! – 1

Diz-se que a maioria dos portugueses não tem dinheiro para ter uma vida digna, nem tempo para viver. Ora, se não tem tempo para viver, como tem tempo para ter filhos? Não, não falo no “tempo para fazer filhos”, isso é fácil e até é gostoso. Quem não gosta? Falo no tempo que é necessário para se lhes dar e dedicar. Quase sempre, tem-se filhos para outros criar, pois ainda pequeninos são entregues aos cuidados de familiares, quando há essa sorte, ou de desconhecidos se não se tem outra opção, numa ginástica operacional e orçamental nada fácil. Mas é triste saber que não seremos nós a ouvir a primeira palavra do nosso filho, nem a vê-lo dar os primeiros passos e a estar lá para o confortar na primeira queda. E ao conciliar a vida familiar com a profissional, alguém fica a perder e o elo mais fraco é sempre a criança. Tentamos encontrar justificações por não sermos nós a tomar conta deles, mas são razões económicas, em regra, pois necessitamos de dinheiro para comprar o que precisamos … e até do que não precisamos! E como não temos tempo porque, alegadamente, trabalhamos tempo demais, então que disponibilidade teremos para dar tempo aos filhos? 

A verdade é que (quase) toda a gente diz não ter tempo para eles porque tem (quase) sempre outras prioridades, que muitas vezes não passam de meras desculpas. Ora, se não se lhes dá tempo, não é de espantar que se recorra a todas as estratégias e mais uma para distrair e entreter as crianças, “comprando-se-lhes” o tempo ao dar-se tudo o que pedem sem questionar, com consequências trágicas na educação e na formação desses futuros adultos. E o smartphone é o substituto perfeito para fazer o papel de pai e mãe – o pai vê o futebol na televisão quando o filho lhe diz: “Pai, vamos brincar”? E o pai estende o braço para lhe entregar o smartphone enquanto diz: “Agora não, joga ou vê um vídeo”! É assim que a maioria dos filhos hoje tem tudo, só não tem aquilo que mais deseja: o tempo e a atenção dos pais! Mas podem dormir descansados pois a fatura de não se ter tempo chegará anos mais tarde, quando forem eles a não ter tempo para conceder aos pais, devolvendo-lhe em dobro aquilo que deles receberam …

Robert Keeshan, alertou para as consequências dessa falta de tempo, contando: “Uma menina, de dedo na boca e boneca nas mãos, aguarda impaciente a chegada dos pais. Quer contar uma coisa que aconteceu. Na hora, o pai chega. Mas ele, arrasado pelo stress do trabalho, muitas vezes diz à menina: “Agora não, estou ocupado”, “estou cansado” e “vai ver televisão”. Mas, se não é agora, é quando? “Mais tarde”. “Amanhã”. Mas esse “mais tarde” e esse “amanhã”, raramente chegam …

Passam-se anos, a menina cresce. Dão-lhe brinquedos, um telemóvel, roupas de marca, mas não lhe dão o que ela mais quer: algum do seu tempo. Agora tem catorze anos seus olhos estão vidrados e sentem que está envolvida nalguma coisa. “Querida, o que se passa? Fala comigo”! É tarde demais. O amor já passou por ali e foi-se … A criança que não encontra amor nem apoio quando mais precisa, tende a ir procurá-lo na adolescência em outros jovens, para substituir essa carência. E pode ser desastroso. Nessa altura, palavras, conselhos ou explicações, nada mais significam e falar de amor soa a falso, porque já não existe mais cumplicidade nem confiança na relação. Robert conclui: “Quando nós dizemos a um filho: “Agora não”, “mais tarde”, “vai ver TV” ou “não faça tantas perguntas”; quando deixamos de lhe dar aquilo que ele quer de nós, nosso tempo; quando não lhe damos atenção; não é que não nos importemos, mas só estamos demasiado ocupados para o atender com algo que dizemos ser importante e é só uma questão de prioridades”. Porque os pais são os grandes responsáveis para ensinar os filhos a reconhecer, controlar, ter empatia e lidar com os sentimentos que os acompanharão por toda a vida, ainda que algumas aptidões sejam aperfeiçoadas com os amigos ao longo da infância. E a falta de tempo não traz consequências só para a criança/adolescente, mas também para os pais que não desfrutam da companhia deles ao longo do seu crescimento. 

Felizmente, tem vindo a aumentar o número de pais que colocam os filhos como primeira prioridade, sobretudo na infância e adolescência, a altura mais crítica na sua formação, arranjando tempo para com eles estudar, explorar, brincar, descobrir, inventar e fazer todo o tipo de atividades, estabelecendo-lhes regras e criando uma cumplicidade que irá certamente durar para sempre e ficarão como boas recordações na sua memória. E, é verdade, são muito mais do que imaginamos. Ainda hoje encontrei e falei com dois Pedros, dois pais de crianças pequenas, perfeitamente sensibilizados para isto. Um demitiu-se do emprego que tinha no Porto, muito bem remunerado, a partir do momento em que foi pai, tendo vindo trabalhar para perto de casa apesar do salário ser inferior. Recuperou as cerca de três horas diárias de viagem que lhe são úteis para se dedicar ao filho o que “tem sido excecional”. O outro, com dois rapazes, reduziu o horário de trabalho para estar com eles na fase crucial, “dando-lhes tanto tempo a eles como o meu pai me deu a mim e pela importância que isso teve para ser a pessoa que hoje sou”. É curioso que esta decisão tenha sido muito criticada pelos colegas de trabalho, ao ponto de comentarem que “ele está a perder tempo a mais com os filhos”. 

As crianças precisam de se sentir amadas e queridas e de ver as suas necessidades atendidas. Precisam de tempo com os pais para os ver e observar enquanto exemplos e modelos. Precisam de tempo dos pais para poderem aprender, exercitar a dúvida, debate, a troca de ideias e de sentimentos e a argumentação. Mas, mais do que quantidade, é bem preciso “tempo de qualidade”. Pais eficientes são os que chegam a casa, depois dum dia de ausência, com saudades, e largam tudo para abraçar os filhos, brincar com eles e fazê-los sentir que são amados, antes de ver os e-mails, arrumar as compras ou ver televisão. Aí, sim, os filhos estão em primeiro lugar …