Tempo de piolhos, lêndeas e … chatos!

As coisas que eu não sei! Na minha santa ignorância, pensava que as infestações de piolhos nas cabeças das crianças portuguesas era coisa do passado, do meu tempo de criança. Que este tipo de infestação tinha sido erradicado no nosso país. Mas, vejam lá, pelo que li em informação especializada, é a segunda doença mais frequente em crianças, depois das constipações. Dizem que cerca de metade das crianças de todos os estratos sociais, é anualmente contaminada com piolhos, parasita que pode provocar doenças na pele, nos olhos e afeta o rendimento escolar. Estes insetos chupadores de sangue que parasitam o couro cabeludo dos seres humanos, não olham a raça, sexo ou religião. Vai tudo a eito e, atenção pais, os cabelos limpos ou curtos também não escapam. O maior contágio é por contacto direto, cabeça contra cabeça.

Se em criança coçasse a cabeça, a primeira coisa que a minha mãe me perguntava era: Tens piolhos? E seguia-se o trabalho de inspecionar a minha cabeça para ver se os bichinhos já se tinham instalado entre o cabelo. A infestação de piolhos era muito comum e compreende-se, já que as regras sanitárias e de higiene eram o que eram. E, quando um aluno os apanhava, era certo e sabido que se espalhavam à turma. E como é que se matavam? Não pensem que havia os remédios e loções tópicas para tratar os piolhos que se compram na farmácia atualmente. Não, nada disso. Em regra eram mortos pela unha do polegar direito da mãe ou da avó. As mulheres eram especialistas em “catar os piolhos e as lêndeas”. Para tal, havia um ritual que seguiam passo a passo: depois de voltar da escola, sentavam a criança à sua frente numa posição mais baixa para poder ver bem a parte superior da cabeça, que “passavam a pente fino” para detetar e eliminar qualquer piolho ou lêndea, caso contrário a infestação voltava a descontrolar-se. É daí que vem a expressão “a pente fino”, porque nessa altura usava-se um pente de dupla face, dentes finos e juntinhos, para apanhar não só os piolhos como as lêndeas – se as lêndeas, que não são mais do que os ovos dos piolhos e ficam agarradas ao cabelo, não forem tratadas e tiradas na totalidade, ao fim do sétimo dia nasce um novo piolho que cresce rapidamente e, a partir do 19º dia, pode pôr mais de 15 lêndeas por dia, durante 10 dias, até morrer ao 32º dia de vida, fazendo com que a infestação se agrave rapidamente.

Os piolhos são insetos parasitas, sem asas, que precisam de hospedeiro como o ser humano para completar o ciclo de vida, podendo alojar-se no couro cabeludo (mais frequente), corpo, pestanas e região púbica e a infestação faz-se por contacto entre cabelos ou partilha de objetos infetados e afeta principalmente as crianças em idade escolar.

Um dia, antes de irmos para as aulas, eu e mais três colegas de escola passamos pelo local onde tinha estado acampado um grupo de ciganos que abalara no dia anterior. Como entre outras coisas deixaram um velho saco de serapilheira, nós andamos a brincar com o saco até irmos para a escola e o resultado foi uma enorme infestação de piolhos. De tal forma que, sempre que tínhamos um intervalo, por mais pequeno que fosse, passávamos o tempo todo a inclinar a cabeça sobre o tampo da carteira e a sacudir o cabelo em cima. Os piolhos caíam no tampo e nós fazíamos o que víamos as nossas mães fazer: matá-los com a unha do indicador. Mas, por mais piolhos que matássemos, não conseguíamos eliminar a infestação até porque as lêndeas ficam agarradas ao cabelo e só em casa a mãe ou outra mulher em sua substituição, tinha paciência e sabia tratar do assunto completamente e com “profissionalismo”.

Anos mais tarde passou a aparecer nas festas e, sobretudo, nas feiras, montado numa motorizada, um homem de Meinedo conhecido por “Ministro”, a vender um pó com o slogan “mata toda a bicharada” e que era aplicado na cabeça das crianças infetadas. Presumo que o pó tenha sido o DDT, o primeiro grande inseticida do mercado de pesticidas, que foi usado na agricultura durante muitos anos para combater várias pragas e que viria a ser retirado do mercado por ser perigoso para o ser humano. O certo é que, entre outras coisas, andou a ser espalhado na cabeça de milhões de crianças e terá matado muito mais piolhos … 

Nesse tempo, também era comum o aparecimento de outra espécie de piolho, geralmente encontrado nos pelos pubianos, conhecidos por “chatos”. Também são sugadores de sangue como os outros e causam comichão na pele. De modo geral, os chatos são transmitidos por meio do contato sexual a partir de alguém que esteja contaminado. E é por conta da transmissão pelo contato íntimo que o chato é considerado uma DST (doença sexualmente transmissível). 

Durante a pandemia aumentaram os relatos das infestações de piolhos nas crianças, mas como ainda existe alguma vergonha em se falar neste assunto em público e em que se saiba quem passou a quem primeiro – um tabu que ainda existe – pode levar a que, se alguém descobrir que um filho tem piolhos, não avise na escola de imediato nem peça ajuda se for caso disso. Muitos pais tratam o assunto com recato sem recurso a apoios existentes para não se exporem como se tal fosse condenável. Dizia um pediatra que “às vezes até parece que isto é terceiro-mundo, mas infelizmente ainda não conseguimos erradicar esta infestação, que

ameaça tornar-se uma “praga”. Para esta situação, contribui o “medo de falar do assunto”, pois para muitos “ter piolhos é sinal de porcaria”. Mas, “não falar sobre o assunto “é contribuir para que a situação se eternize e infernize”.

Confesso que tive piolhos, e muitos, e não morri, nem me envergonhei. Era (e parece continuar a ser) normal. Pelo contrário, matei muitos à “unhada”, embora a maior tarefa fosse da minha mãe. Se os médicos ainda não resolveram de vez o problema em Portugal, é porque os piolhos continuam a andar por aí e a passar de cabeça em cabeça. Por isso, vá por mim, ajude a erradicá-los. Não tenha vergonha de procurar ajuda e avisar a escola se lhe calharem em sorte, porque “quem não procura não encontra”. Nem caia na tentação de meter a cabeça do filho debaixo de água para afogar a bicharada, pois é mais fácil afogar o seu “rebento” do que afogar os piolhos. E, já agora, faço votos para que não “apanhe uma camada de chatos” num dos sítios mais recatados do corpo, porque isso pode significar que “mijou fora do penico”. E aí, a conversa será outra …