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Somos bons a não cumprir regras …

Há uma coisa que faz parte do nosso ADN, da nossa maneira de ser, de estar na vida e viver em sociedade: Nós não gostamos de cumprir as regras. Porque o que tem piada é fazer precisamente o contrário do que deve ser feito. O “herói” (pensa ele) é aquele que não cumpre, que não “liga puto” às regras e normas e “está-se a borrifar”. 

Numa sociedade civilizada a ordem e a segurança predominam, por forma a que os cidadãos vivam de forma pacífica. Para tal, tiveram de abrir mão de certas liberdades proporcionando um equilíbrio entre a liberdade individual e a segurança coletiva, permitindo a introdução de regras que impedem um ambiente de caos e medo, regras que vão sendo moldadas de acordo com o progresso e transformação da sociedade. Mas, em função daquilo que vemos, é caso para perguntar: As regras são para cumprir, para “encaixilhar” ou “para inglês ver”? Porque é que os pais querem ir de carro até dentro d a sala de aula para “depositar” ou “levantar” os filhos, mas, como não conseguem, ficam em 1ª. fila, 2ª. fila e, se possível, em 3ª fila, em cima de passeios, rotundas, passadeiras, à frente de garagens e até em propriedades privadas, sem qualquer respeito pelas normas de civismo? 

Porque é que na rotunda em frente do hospital de Lousada é comum ver carros parados, fechados e sem ninguém dentro porque o dono foi ao Centro de Saúde e ali fica até que seja atendido, impedindo a passagem a quem quiser dar a volta completa à rotunda? 

Porque é que vemos tantas vezes na rua carros em segunda fila a bloquear o trânsito, com a desculpa de “é só um minutinho”?

Porque é que temos de escutar o barulho ensurdecedor de uma festa animada até às tantas da manhã no apartamento do lado, de cima ou de baixo ou na casa do vizinho em qualquer dia da semana e que não dá hipótese de dormir, nem a quem trabalha cedo no dia seguinte?

Porque é que temos de ver mobiliário urbano danificado, destruído ou “borrado de tinta”, seja em parques infantis, jardins públicos ou sinais de trânsito e tantos outros, com prejuízo de quem os usa e de toda a sociedade que tem de pagar os “custos dos artistas”?

Porque será que temos de ver estátuas destruídas, símbolos do país arrancados por vândalos que “têm o direito à ofensa”, mas não têm problemas em ofender?

Porque é que, apesar dos muitos contentores e ecopontos espalhados por aí, vemos tanto lixo espalhado no chão sem respeito nenhum?

E porque será que é muito frequente ver abrir-se o vidro de um carro em andamento para se lançar “beatas” acesas, com possibilidade de consequências trágicas, restos de comida e todo o tipo de lixo?

Para tudo isto há regras, normas e até leis, que estão mais ou menos bem feitas, mas não servem para “porra” nenhuma. Se não houver consequências sérias e efetivas, a maioria está-se a “borrifar” para elas. Dizemo-nos “civilizados”, mas só queremos liberdade para fazer o que quisermos ainda que seja não cumprir as regras. Não tenhamos dúvidas, nós estamos muito atentos quando “os outros” atrancam a nossa rua, nos impedem de passar e nos fazem esperar sem sequer pedir desculpa; despejam lixo à nossa porta; estacionam ou param e isso nos prejudica; borram ou estragam o nosso portão; mijam ou se aninham junto à nossa porta para “arrear o calhau”; ou se é o nosso vizinho que faz uma festa (sem nos convidar) e a música berra até às tantas da manhã tendo nós de ir trabalhar enquanto eles curam a ressaca da noitada. E nessas alturas nós sabemos muito bem dizer que está mal, que as autoridades deviam intervir, aplicar multas, etc., etc. Mas se formos nós a prevaricar, somos muito condescendentes connosco e até achamos que a regra podia cumprir-se ou não pois a “coisa” nem tinha grande importância …

Tal como cá, em Singapura há regras, normas e leis. Também não se pode atravessar a rua numa passadeira com o sinal vermelho. Nem mesmo às 4 horas da manhã sem trânsito nenhum. A essa hora, em Portugal alguém espera que mude para verde para poder atravessar? Ninguém. Lá, também ninguém … atravessa. Porque se atravessar com o sinal vermelho, vai passar uns dias de “férias na gaiola”. E se cuspir no chão ou atirar a beata à rua? Vai dentro. Já nem falo em respeitar aquilo que não lhe pertence. Duas pessoas minhas amigas foram jantar fora e uma quando chegou ao hotel apalpou os bolsos e viu que se esquecera da carteira e do telemóvel. Virou-se para o amigo e disse: “Deixei o telemóvel e a carteira no restaurante, mas não tem mal. Amanhã vou lá buscá-los”. E ao outro dia estava tudo lá. Se fosse em Portugal, com toda a certeza encontravam o lugar onde os deixaram. No entanto, lá não houve quem lhes tocasse porque sabem que são apanhados e que as consequências são muito sérias. 

A primeira vez que fui à Suíça foi à cerca de 40 anos, tendo ficado alojado duas noites no apartamento de um padre nosso conterrâneo. Éramos nove “clientes”, deitados de forma improvisada no chão do apartamento. Nas duas noites, antes das 22 horas, teve o cuidado de nos pedir para, a partir dessa hora, não fazermos barulho nenhum. Dizia ele, “nem sequer deixar cair um lápis ao chão”, pois, se tal acontecesse, não demorava muito a ter a polícia à porta. É a regra, para as pessoas poderem descansar, pois, ao outro dia têm de se levantar cedo para ir trabalhar. A exigência de não fazer barulho a partir dessa hora é tal que a lei impõe que “os homens não podem urinar de pé a partir das 22 horas”, o que já acontece em mais alguns países. Em alguns, pode-se até tirar licença para prolongar a festa. Só até às 23 horas. Dizia-me um emigrante que, quando chegou às 23 h, continuou. Dois minutos depois tinha a polícia à porta. São as regras. Tudo envolve regras para vivermos numa sociedade civilizada e têm de ser cumpridas ou isto torna-se uma selva. Seja a conduzir, dispor de equipamentos públicos, viver em condomínio, trabalhar, passear e educar o cão, contribuir para a limpeza em todos os lados, respeitar as filas, saber viver em comunidade. Não as cumprir, contribui para a perda da nossa qualidade de vida e se o tentarmos impedir, podemos ser insultados, ameaçados ou intimidados. Uns dirão que é culpa da Justiça, outros da Polícia e outros ainda dos políticos. É fatalidade e temos de a aceitar, encolher os ombros e esperar que passe? Dizemos que é falta de civismo, o cimento de uma sociedade, atribuindo-a aos políticos e suas políticas. Mas a falta de civismo e educação é culpa nossa, dos pais e os maus exemplos são tantos que não cabem nesta crónica e são a escola onde os filhos aprendem a fazer o mesmo …

Insistir no “porreirismo nacional” onde se pode cumprir ou não as regras porque isso é que é “porreiro” e agrada aos jovens, numa falta de civismo crónica do país e que se vem agravando graças à falta de educação para o civismo, vai conduzir-nos a um de dois cenários: Ou somos capazes como pais de reverter a situação cívica do país ou um dia destes vem-se pedir um estado policial tipo Singapura, onde o incumprimento das regras não se coloca porque “a besta” que há em cada um de nós é eliminada de forma drástica. E aí, já se cumprem as regras todas …

Onde para o orgulho português?

Já não se veste a bandeira nacional nem se canta “A Portuguesa” a não ser que haja um jogo da seleção ou quando Portugal se destaca nalgum evento de importância internacional. A última vez que tal aconteceu com uma dimensão verdadeiramente nacional, foi durante o Euro 2004, realizado em Portugal. E, goste-se ou não se goste do homem, o então selecionador nacional Luiz Scolari fez aquilo que se julgava improvável: desafiou e conseguiu puxar o orgulho nacional ao de cima e fazer com que a grande maioria dos portugueses desfraldasse uma bandeira em suas casas ou onde quer que fosse, um dos símbolos de Portugal, “puxando” pela nossa seleção e acreditando que ela poderia ganhar. Ele usou o seu conhecimento prático daquilo que fazem os brasileiros aquando do campeonato do mundo de futebol e até em muitas outras manifestações. Mas “foi sol de pouca dura” pois mal acabou no Euro, as bandeiras foram sendo retiradas das janelas e recolhidas, desaparecendo entre o lixo caseiro. E o orgulho português desapareceu e voltou a ser enterrado com elas, sem que se vislumbre qualquer tentativa de vir a ser ressuscitado, depois de “acusado” de criminoso pelo atual presidente da república e outros políticos de meia tigela …

Uma das recordações que guardo das viagens aos Estados Unidos e que me impressionou muito, foi o facto de a bandeira do país estar, dia e noite, em todos os lugares. Não tem como não ver. Dentro das casas e fora delas, sejam mansões ou simples barracões. Está nas ruas, nos carros, igrejas, lojas e até nos cemitérios. Veem-se nos barcos, pontes, vestuário e nos alimentos. Seja em zonas urbanas, nas rodovias ou no meio do nada, lá está ela com suas cores, listas e estrelas. As escolas americanas, todas, exibem a sua bandeira, grande ou pequena, porque faz parte da vida de todos, sejam americanos, imigrantes ou turistas. E isso significa amor à pátria, independentemente dos partidos políticos, clubes desportivos, raça, cor ou religião. Não é obrigatório, é sim uma questão cultural. O velho na camioneta velha usa a bandeira nacional sempre. E se a maior potência mundial leva isso muito a sério, porque é que nós não aprendemos com eles a ter orgulho nos nossos símbolos e no nosso país?

Dizia-me um americano comum: “Eu tenho uma bandeira desfraldada no meu jardim porque sou patriota e amo este país. E expor a bandeira é a minha maneira de dizer obrigado”. E um brasileiro que trabalha lá: “Eu acho linda a maneira como os americanos defendem o seu país e como eles dizem sempre “que Deus abençoe a América”. O patriotismo dos americanos é inquestionável e a sua fidelidade, respeito e orgulho pela bandeira americana está-lhes no sangue. E ensina-se nas escolas às crianças, todos os dias, com a turma toda de pé com a mão direita sobre o coração, a homenagear a bandeira e a recitar o Juramento de Fidelidade: “Prometo fidelidade à bandeira dos Estados Unidos da América e à República que ela representa, uma nação sob Deus, indivisível, com liberdade e justiça para todos”. Tudo isto hoje seria impensável em Portugal, porque os governantes de esquerda e até de direita, são os primeiros a ter vergonha de defender esses símbolos do país e puxar pelo nosso patriotismo, com medo de perder as clientelas marginais. Dificilmente se fala de amar os símbolos de Portugal, seja a bandeira ou o hino nacional, sem ser acusado de racismo, xenofobismo e mais uns quantos “ismos” do dicionário e não se assume que é só uma questão de ser patriota e de manifestar amor, dedicação e orgulho pela pátria. Nada tem a ver com política, partidos, raças ou religiões. “Gosto do meu país”, sem mais nada, é o que eu quero dizer ao cantar o hino nacional ou empunhar a nossa bandeira. Claro que há partidos, grupos organizados e ideologias que agem como se fossem os seus donos, os únicos a ter o direito de os usar, mas sempre vai haver essa tentação enquanto não houver uma maioria de portugueses a assumir os símbolos como seus, sem qualquer conotação que não seja o amor a Portugal e os use sem complexos ou outra ligação que não seja à sua pátria. 

Há já alguns dias que me tenho dado à pachorra de percorrer Lousada e outros concelhos até ao Porto, à procura de bandeiras de Portugal orgulhosa e permanentemente desfraldadas. Para minha desilusão não vi um único edifício público com a bandeira nacional. Nem as câmaras municipais, nem juntas de freguesia, nem escolas do ensino básico ou superior, nem nenhum organismo ou instituição. Zero, zero bandeiras. Provavelmente condicionados por uma legislação envergonhada que despromove a bandeira nacional, seja para poupar o tecido que vem da China (ou as próprias bandeiras como aconteceu em 2004) ou evitar o trabalho de a içar de manhã e arriar antes do pôr do sol pois pode-se constipar se dormir fora. Nem casas particulares ou lojas, cafés, bares, armazéns ou o que quer que seja. Bandeira nacional vi uma a acenar-me do alto de uma vedação, como que a dizer “sou filha única”, talvez esquecida. Vi algumas bandeiras brasileiras através das janelas, que marcam uma diferença. Talvez se a seleção nacional de futebol ainda estivesse na corrida de alguma coisa eu pudesse ver mais algumas a acenar-me. E só no domingo as vi hasteadas em duas câmaras durante o dia. Como diz o povo, “e é para quem quer” …

Napoleão Bonaparte dizia que “o amor à pátria é a primeira virtude do homem civilizado”. E tinha razão por que o patriotismo é o sentimento de orgulho, amor, devoção à pátria e ao povo de que fazemos parte. E apesar do mundo se ter tornado global, nós somos aquilo que vivemos e onde vivemos e nós fizemo-nos aqui.

Ainda há dias dois emigrantes a trabalhar na Suíça me disseram que, mal se reformem, regressam a Portugal e à terra que os viu nascer, porque “esta é a sua casa”, a casa onde nasceram e querem morrer. Muitos deles são quem sente e manifesta mais orgulho no seu país, na sua bandeira e não têm vergonha de a usar e exibir. Porque por cá, pouco ou nada se tem feito, especialmente com as gerações mais novas, o que traz consigo um afastamento cada vez maior dos símbolos nacionais, que têm dividido o povo mais do que o têm aproximado. 

50 anos depois da revolução, a letra dos primeiros versos do hino nacional tem perfeita atualidade:

          “Heróis do mar, nobre Povo, 

           Nação valente, imortal. 

           Levantai hoje de novo, 

          O esplendor de Portugal” …

Estamos a ser colonizados pela língua

A língua portuguesa faz parte dos bens que constituem o património cultural do nosso povo e da nossa nação. É ela que nos permite comunicar os valores, as ideias e até os sentimentos com os outros. Mas, mais ainda, a língua portuguesa é uma identidade cultural dos seus falantes, aquilo que se chama património imaterial e temos a missão de salvaguardar este elemento vital da nossa identidade cultural comum e preservar a essência e alma de um povo. Há um imenso território de vários países comum à língua portuguesa e que nos permite compreender uns aos outros, mas a língua portuguesa que se fala no Brasil é diferente da língua portuguesa que se fala em Portugal e isso revela as nossas peculiaridades e a história de cada povo. E, por mais Acordos Ortográficos que se façam, não há forma de travar a deriva em que o Português Brasileiro e o Português de Portugal entraram, ao ponto de falarmos a mesma língua, mas muitas vezes não nos entendermos, nem sequer compreendermos o que o outro diz. Mas uma coisa é certa: a língua portuguesa é boa para insultar, elogiar, vociferar, gracejar, para escrever belos textos em prosa ou poesia, canções e poemas além das variações nos dialetos e regionalismos que enfeitam o país de norte a sul. É muito bom falar português, escrever em português e de ler, cantar e declamar em português. Fernando Pessoa dizia que “a minha pátria é a língua portuguesa”.

Mas tudo isto vem a propósito de um fenômeno que começou com a chegada do covid-19 e se instalou em Portugal, levando a que os pais de crianças, em especial de tenra idade, por comodidade, desleixo ou falta de atenção, permitam que os seus jovens rebentos comecem por aprender as primeiras palavras, e não só, em Português do Brasil. A verdade é que os pais muitas vezes nem sequer pensam e não se preocupam com isso ou simplesmente não têm tempo e acham que não faz mal colocar nas mãos de uma criança um tablet, computador ou telemóvel com vídeos brasileiros em Português Brasileiro, para os ocupar, para que estejam quietos e calados ou para que não chateiem. 

Em idade tão tenra, as crianças são diamantes em bruto e, tal como uma esponja, absorvem tudo com muita facilidade e intensidade. O “gravador” tem a “fita virgem” e não tem dificuldades em gravar tudo o que ouve. Ora, agarrados aos aparelhos eletrónicos que os pais lhes colocam nas mãos, começam por ver o Ruca, o Panda ou coisas do género, mas rapidamente passam a outros vídeos cuja maioria é de brasileiros, em especial de um tal Lucas Neto, um youtuber com 36 milhões de subscritores. A partir daí, não querem outra coisa, não há forma de os calar seja com o que for que não seja o telemóvel ou o tablet para ver mais do mesmo. E ficam viciados. No princípio, os pais acham piada que as crianças digam palavras ou frases em Português Brasileiro, porque é engraçado, riem-se e assim vão alimentando um problema sem terem consciência de até onde isso os pode levar. E depois, quando acordam para a realidade e querem fazer alguma coisa, já é tarde. Às vezes, são as educadoras de infância ou outros técnicos de educação ou sociais que identificam o problema e dão o alerta, muito preocupadas por as crianças terem o seu discurso todo em “Português Brasileiro” e não dizerem os “r”s nem os “l”s. Dizia a mãe de uma criança pequena, orgulhosa do seu rebento falar tão bem o Português Brasileiro que, por várias vezes, tinha sido abordada por pessoas desconhecidas a querer saber se a família era brasileira, tal era o sotaque da criança. 

Nada tenho contra o Português do Brasil com as particularidades, palavras e expressões que lhe são próprias, como língua corrente lá no Brasil, tal como me parece normal que aqui, em Portugal, se fale, escreva e aprenda o Português cá de Portugal, porque nós somos portugueses e não brasileiros, por quem tenho muito respeito. Mas, como diz o povo, “cada macaco no seu galho”. E nesta questão da língua, temos a obrigação de salvaguardar a nossa e transmiti-la às gerações seguintes, porque faz parte da nossa identidade e da nossa cultura. Mas, o que está a acontecer é que, à conta de muitas horas de exposição a conteúdos realizados por youtubers do Brasil, as crianças aprendem a dizer as primeiras palavras não no português original e com a pronúncia portuguesa, mas com sotaque brasileiro, sendo que muitas delas precisam de “tradução”, caso contrário não vão ser entendidas, como são os casos de chamar “ônibus” a um autocarro, de “grama” à relva, “geladeira” ao frigorífico, “carona” a uma boleia, “bonde” a um elétrico, “listras” às riscas, “van” a uma carrinha, “galera” à malta, já para não falar em “veado”, não ao animal que conhecemos, mas a um homossexual. A uma mãe, só quando o filho no supermercado lhe pediu para comprar “balas” é que o alarme se acendeu e a fez levar o miúdo à terapeuta da fala para ser tratado e a levou a controlar-lhe o acesso aos conteúdos do tablet para que não continuasse a insistir no erro de visualizar vídeos brasileiros. Quando chegam a esta fase, os pais têm de dar mais atenção e tempo à criança e explicar-lhe as razões de tal procedimento e as diferenças.

Se há pais, professores e especialistas que entendem ser um motivo de grande preocupação, pois garantem que existem crianças que mal sabem falar português de Portugal, há quem considere que se trata de uma fase da vida das crianças como aconteceu com as telenovelas brasileiras, ou uma espécie de “colonialismo reverso” para vingar a colonização portuguesa na América. 

O alerta fica para quem se preocupa com os filhos de tenra idade. Como diz a psicóloga Mónica Nogueira, “uma criança que fica muita exposta a conteúdos que não estão na língua que os pais falam, claro que vai aprender o que ouve, seja português do Brasil, seja noutra língua qualquer. Porque os pais usam os conteúdos para ter a criança sossegada, para que coma a sopa ou não incomode a conversa”. E as consequências? Logo se verão …

“Cartas de amor, quem as não tem” …

Agora já só recebemos cartas do banco ou da conta da luz, da água, do gás, da companhia de seguros e outras, mas nenhuma a perguntar como estamos, onde estamos. Já ninguém nos dá muita atenção a não ser o cobrador. Muito menos a atenção de uma carta escrita à mão, de caligrafia exemplar e legível, espaçamento calculado, com as margens delimitadas e um desenho no final. Mas, sobretudo, com mensagens de amor que nos enchiam o coração. Eram as “cartas de amor”. E por isso, as cartas sempre exigiram atenção especial dos designers, pois umas das suas características mais marcantes era o aspeto visual. Ao contrário de um e-mail ou mensagem de texto, uma carta é um objeto físico aguardado, desembrulhado e conservado. 

Num tempo em que a comunicação à distância entre pessoas estava limitada às cartas escritas, por norma à mão, dado que os telefones eram poucos, limitados e caros e os telegramas não eram práticos, as “cartas de amor” eram o recurso para ligar corações. Há 60 anos, uma carta traduzia de forma bem cristalina e clara o estado duma relação e aquilo que outra pessoa representava para nós, se calhar, mais do que mil sms com duas dúzias de caracteres. É que, uma carta de amor expressa os mais puros sentimentos, nutre a paixão e cria memórias que podem durar por toda a vida. As cartas de amor eram sempre portadoras de uma mensagem: Um desejo, uma recordação, um grito, um pedido, de gratidão ou perdão. O artista Francisco Fonseca dizia que “era um tempo em que havia tempo e até se escreviam cartas de amor”. E eram esperadas com uma enorme ansiedade, como dizia o poeta António Nobre numa carta a Cândida Ramos: “Até que enfim. Chegou. Chegou a ambicionada cartinha que era o meu tormento e cuja demora me trazia o espírito doente e o coração sobressaltado. Não imaginas as suposições (…)”. E todos os apaixonados passaram por esse tormento de esperar que o carteiro trouxesse um envelope para si, com aquelas palavras mágicas que os faziam chorar, suspirar e sonhar …

Havia fórmulas clássicas para começar uma carta: «Espero que esta carta te vá encontrar de boa saúde na companhia dos teus (…).» E todas as missivas eram cuidadosamente elaboradas. Carregavam emoções que não conseguiam ser transmitidas por meio de meras palavras faladas, às vezes atadas à timidez do momento, de um face a face. Sonhos, desejos e fraquezas eram rebelados com eloquência. O processo de escolher as palavras com cuidado, construir frases lindas e fluídas e verbalizar emoções, criava uma ligação muito mais forte. Mas a delicadeza de se escrever uma carta de amor acabou.

As cartas de amor guardavam-se no cofre, em caixas arrumadas no sótão, na parte de trás de um armário ou escondidas na gaveta das meias se não fossem muitas, longe dos olhares indiscretos, mas onde se iam buscar para reler, recordar e sonhar. E muitas vezes, em sinal de que a relação acabou, “trocavam-se as cartas” para colocar o ponto final. Há quem as tenha conservado ao longo da vida como se fossem o seu refúgio espiritual, o lugar onde recuperar o ânimo e as forças.

Dizem que devíamos reabilitar as “cartas de amor” como património da Humanidade, admitindo que uma relação amorosa nunca poderá ficar completa enquanto o casal de namorados não trocar entre si algumas dessas missivas. Atualmente temos um conjunto de meios tecnológicos que nos ajudam a comunicar, mas que muitas vezes não nos ajudam a ser mais comunicativos. Mundo estranho e paradoxal este, pois na era da sociedade da comunicação, estamos cada vez mais virados para nós próprios tornando-nos autistas, o que não é um bom presságio quando se trata de estar numa relação amorosa.

A carta deu lugar ao recado digital e por isso, ainda pior que o antigo telegrama, mais descartável. 

Como quase todos os cidadãos que soubessem ler e escrever, escrevi também as minhas cartas de amor. Aliás, não só redigi as minhas como ainda tive de escrever as de algumas pessoas que não o sabiam fazer e eu servia de escriturário, acrescentando aqui e ali alguma frase mais assertiva e romântica que a pessoa não conseguia dizer. E orgulho-me de ter ajudado a unir alguns casais. Aliás, um deles uniu-se de tal maneira que consolidou a sua relação amorosa com relações sexuais antes do tempo, o que nessa altura era coisa “complicada”, sobretudo quando “a barriga começou a crescer”, o que fez antecipar o casamento porque não havia escolha: ou era sim ou sim.

Há muitos anos, Toni de Matos cantava: “Cartas de amor, quem as não tem, cartas de amor, pedaços de dor, sentidas de alguém”. Mas já Fernando Pessoa, em verso, dizia que “todas as cartas de amor são ridículas, porque são cartas de amor”. Será que ele chegou a escrever alguma?

Receber uma carta de amor é um dos grandes prazeres negados às novas gerações que nunca vão saber que essas notas manuscritas, seladas, representam paixões, emoções, um vínculo e podem ser revisitadas. Resta-nos a efemeridade do modo como comunicamos. Venceu o utilitarismo, a informalidade, a realidade nua e crua em vez do charme, do mistério, do talento, da sedução e beleza, da elegância e intemporalidade. Hoje, a alternativa são os e-mails, Whatsapps, Messengers e emojis q.b, mas a informalidade, amistosa para uns, é realmente entediante, para outros. Que romantismo há num “Oi, linda”, “Tudo bem, fofa?”, “Queres curtir?”, “Vamos dar uma queca?” Não são formas primárias, demasiado diretas, despreocupadas e sem espírito de romance ou conquista?  

Graças às cartas de amor que foram guardadas em recantos secretos, filhos, netos e bisnetos vão encontrar respostas para as perguntas que se arrependem de nunca ter feito e os historiadores descobrirão nelas forma de reconstituir o passado e de dar vida a personagens de outros tempos, importantes ou desconhecidas, entendendo melhor como é constante, através dos tempos, a essência da humanidade. E do amor …