“Quando eu tiver tempo …”

Andei cerca de um ano ou mais dizendo a mim mesmo: “Quando eu tiver tempo vou contactar o Zé e o Rui para almoçarmos e recordar alguns dos momentos que vivemos juntos na ACML e, mais tarde, no Clube Automóvel de Lousada”. Até que um dia decidi que era tempo de ter tempo para lhes telefonar – sim, porque quando queremos mesmo, nós “temos tempo”. Telefonei primeiro ao Rui que concordou de imediato, mas perguntou-me se já falara com o Zé porque ouvira dizer que ele estava adoentado. Depois, liguei ao Zé, que não atendeu a chamada, mas devolveu-ma logo no minuto seguinte. Quando o informei da razão do telefonema, respondeu-me que gostava muito de se encontrar connosco, mas nesse momento estava no IPO no Porto à espera dos resultados de uns exames que lhe fizeram e, logo que soubesse, telefonava-me para combinar o dia do encontro. Menos de duas semanas depois foi a enterrar, sem “termos tempo” para um simples almoço e de pôr a conversa em dia. Porque andei demasiado tempo a dizer “quando eu tiver tempo” …

É verdade que todos nós dizemos muitas vezes um “quando eu tiver tempo”, como condição à promessa de que vou cuidar de mim, vou fazer exercício, vou lavar sempre os dentes após cada refeição ou vou comer peixe, quinoa, papaia e beber chá verde por questões de dieta. Também continua a ser uma condição indispensável para fazer todos os exames atrasados que o médico prescreveu, a tal peregrinação a Santiago de Compostela sonhada há muitos anos, levar os filhos à Disneylândia ou ao Jardim Zoológico de Lisboa ou fazer uma simples visita à tia Miquinhas que está no Lar há alguns anos. “No dia em que eu tiver tempo” ficarei em casa com os meus pais, irmãos, sobrinhos, cunhados e a minha mulher, em vez de marcar reuniões de trabalho num café da vila, que de trabalho pouco tem, e divertimo-nos a ver as fotografias da última viagem enquanto comemos piza. No dia em que eu tiver tempo, não comprarei presentes à pressa nem vou escolher garrafas de vinho para oferecer das que tenho na minha garrafeira e escreverei longos cartões nos aniversários dos familiares e amigos a dizer tudo aquilo que sinto. E “quando eu tiver tempo”, vou escrever um diário para o meu filho descrevendo a emoção de todos aqueles momentos marcantes do seu crescimento, de quando disse “papá” pela primeira vez, gatinhou ou se pôs de pé, de cada uma das noites que passei com ele ao colo quando estava doente, que lhe entregarei quando fizer 18 anos. No dia em que eu tiver tempo vou dar o tempo aos meus filhos, porque devem ser a minha prioridade …

“Quando eu tiver tempo eu farei …” é uma das frases que mais se ouve e, como há um fascínio inegável pelo tempo, já foi transformado em verso, prosa e até cantado. Muitos gostariam de segurar o tempo com as mãos, mas ele escorre por entre os dedos, como a água. Os felizes, gostavam de o poder congelar, os que sofrem rezam para que passe depressa e os apaixonados adorariam eternizá-lo. Ora, o tempo é a desculpa perfeita para as nossas irresponsabilidades pois “não tive tempo”. É fácil. Basta dizer que estamos sem tempo para nada. São os estudantes a dizerem que não tiveram tempo para estudar, os trabalhadores que não chegou para fazer uma tarefa, os professores que não tiveram tempo de dar a matéria toda. E até eu me desculpo nalgumas ocasiões com a falta de tempo para escrever a crónica da semana. E será que me faltou o tempo ou não soube geri-lo da melhor forma? 

“Quando eu tiver tempo” é a expressão que usamos frequentemente para mentir a nós próprios, para nos desculparmos por não fazer o que é preciso fazer e para aliviar o peso de consciência pela nossa incapacidade de organizar, agir e fazer o que nos é devido. Ao dizer que não temos tempo, confessamos que somos negligentes com o tempo que nos é dado, não o gerindo com prudência para não haver tempo perdido. Porque o tempo é escolha de prioridades e tanta vez fazemos escolhas erradas. “Quando eu tiver tempo vou visitar a Tia Carolina que está doente”, mas, entretanto, passo horas em frente da televisão a ver programas estúpidos e sem ter tempo para a visitar? O que está errado é dar prioridade à televisão e não ao que importa! Já Pitágoras terá dito: “Com organização e tempo, acha-se o segredo de fazer tudo e bem feito”.

Nunca os humanos tiveram tanto tempo como aqueles que vivem neste nosso tempo e, por estranho que pareça, nunca tiveram tanta falta dele como agora. “Bem queria, mas ando sem tempo para isso”. “Agora não dá. Quando eu tiver tempo eu faço”. “Precisava que o meu dia tivesse mais algumas horitas”. “Não dá tempo para fazer tudo hoje”. Nunca vivemos tão angustiados pela falta de tempo, quando temos muitos milhares de horas mais que os nossos antepassados, mas mesmo assim o tempo não chega. Temos meios de transporte e de comunicação mais rápidos do que nunca e andamos sempre com pressa, mas atrasados. O que está errado com tudo isto? Será que se os dias tivessem mais umas horitas resolvíamos todos os problemas? Terminavam os assuntos pendentes? Compensavam-se os atrasos? E serviam para acabar com o “quando eu tiver tempo …”? Se calhar não, pois tendemos a ser “procrastinadores”, um palavrão que serve para identificar os que deixam sempre as coisas para depois, para amanhã. E, confesso, também sou um “procrastinador”, talvez à espera que o tempo resolva algumas coisas. E não é que às vezes resolve mesmo? Mas, pensando bem, até um relógio parado consegue estar certo duas vezes ao dia …