Para além das catástrofes naturais, a ação humana é um dos grandes responsáveis do desequilíbrio ambiental, um enorme problema da atualidade. Se num ecossistema, o ambiente e os seres vivos estão em sintonia perfeita, qualquer perturbação pode levar a uma reação em cadeia que afeta vários seres vivos, incluindo nós, seres humanos. E o homem não para de fazer asneiras e dar cabo da “casa onde habita”, de tal forma que muitas vezes nem se apercebe como uma ação bem simples pode desencadear reações negativas em cadeia, tanto para o mal como para o bem. Prova-o esta história real, mas com final feliz:
O Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, criado pelo presidente Ulysses S. Grant, o primeiro a nível mundial e com quase o tamanho do Minho e Algarve juntos, já foi terra das nações índias durante mais de 10.000 anos e é coberto por pradarias, montanhas e florestas em grande parte, para além das áreas vulcânicas que vão do majestoso geiser denominado Old Faithful até à magnética fonte termal Grand Prismatic. Perdi a oportunidade de conhecer um pouco desta maravilha da natureza há alguns anos, numa viagem em que visitá-lo fazia parte do roteiro quando, ao chegar a Salt Lake City, tomamos conhecimento que uma tempestade se instalara sobre o Parque, fazendo-nos mudar o rumo para outro local mais ameno. Diz-se que as maravilhas são tantas que os mais céticos insistem em vê-las com os próprios olhos, por não acreditarem que a natureza foi capaz de esculpir tal cenário. E ficou-me a pena de as não ter visto.
Inscrito na lista de Património da UNESCO tem algumas más histórias ambientais para contar. Entre elas, a introdução de trutas não nativas no lago dizimou as espécies que já lá viviam e em 1925 foi ali caçado o último lobo-cinzento. Hoje, o elevadíssimo número de turistas é um dos problemas ambientais mais graves. Mas a razão por que abordo aqui o Parque Nacional de Yellowstone é precisamente pelas consequências resultantes do abate do último lobo-cinzento em 1925, caçados impiedosamente pelas suas peles e má reputação. Os lobos são talentosos caçadores e, naquele Parque, a sua dieta era feita, basicamente, de veados, o que mantinha o número destes animais controlados. Com o sumiço dado aos lobos, o número de veados, cervos, alces e gamos cresceu drasticamente. E, resultado disso, as árvores do Parque começaram a secar, uma grande área do local virou pastagem e, consequentemente, os pássaros e os insetos passaram a ser mais raros. Além da população de veados ter crescido, também os coiotes passaram a ser vistos com mais frequência. Os moradores da região ainda tentaram controlar o número de veados, porém o esforço foi em vão.
Em face disso, em 1995, setenta anos depois de ter sido abatido pelo ser humano o último lobo do Parque, os lobos foram reintroduzidos naquele habitat através de um programa especial, numa tentativa de conter o crescimento assustador dos veados pois estavam a destruir toda a vegetação da região. Assim, com a chegada dos lobos, as suas necessidades alimentares levaram-nos a ir matando alguns veados e,
perante isso, os outros veados passaram a evitar as zonas do Parque onde poderiam ser encurralados mais facilmente pelos lobos, muito especialmente vales e desfiladeiros. Ao fim de seis anos, nessas áreas as árvores já tinham crescido até cinco vezes mais e até a vegetação rasteira ficou mais verde e mais alta. As circunstâncias associadas fizeram com que a vegetação nesses locais começasse a regenerar-se imediatamente e as bordaduras dos vales que antes estavam secas, transformaram-se em florestas rapidamente, atraindo mais castores porque gostam de comer árvores. E estes, que com os lobos são tidos de engenheiros do ecossistema, criaram barragens de ramos, galhos e troncos nos rios, fornecendo um habitat ideal para as lontras, ratos almiscarados, patos, peixes, repteis e anfíbios. Além disso, como os lobos iam matando coiotes que dizimavam os camundongos, ratos e coelhos, estes, sem os coiotes para os caçar, começaram a crescer em grande número e o mesmo é dizer mais presas para os falcões, as doninhas, raposas e texugos, que se mudaram também para o Parque face ao aumento de “comida” para caçar. Juntaram-se-lhes ainda os corvos e as águias que começaram a pousar na região para comerem os restos das carcaças que os lobos deixavam. Com o ressurgimento das florestas veio um enorme número e variedade de pássaros e aves migratórias, enriquecendo o novo ecossistema. E, finalmente, à caça de veados jovens ou à procura das bagas produzidas pelos muitos arbustos que se desenvolveram, chegaram os ursos, hoje residentes certos do Parque.
Mas algo de mais surpreendente veio a acontecer na região: como as margens dos rios estavam agora ocupadas pelas florestas, passou a haver menos erosão, o curso dos rios foi-se tornando mais estreito, estabilizou e formaram-se piscinas naturais, reativando afluentes, fazendo surgir cascatas que tinham desaparecido e evitando que secassem como já era habitual. Em resumo, a reinserção dos lobos no Parque de Yellowstone, mesmo em pequeno número, conseguiu não só transformar a geografia física, mas também a paisagem natural do Parque, restabelecendo o delicado equilíbrio dinâmico da teia da vida ao resultar em algo totalmente inesperado até para os responsáveis do projeto pois constatou-se que não só fizeram regressar ao Parque um elevado número de espécies, como os próprios rios mudaram em resposta ao regresso dos lobos, passando a ter maior estabilização e fluidez do seu curso, o que redundou na alteração do próprio meio ambiente e no ressurgimento da vida selvagem na sua plenitude.
Este extraordinário evento mostra-nos que todos os seres vivos estão interligados e interdependentes entre si e podem manter o equilíbrio na natureza quando o homem decide ajudar ou, pelo menos, não atrapalhar. Se for retirado ou afetado negativamente um só nó dessa teia, todo o ecossistema de milhões de anos de evolução pode entrar num enorme colapso. E não serão apenas os seres vivos a sofrer as consequências, mas também a civilização humana já que a economia é totalmente dependente da ecologia …