Cem quilómetros é muita estrada, cem sóis seria um mundo de luz e cem tiros na “mouche”, muito acerto. Já cem anos é muito “caminho” e muito tempo de vida, um sucesso de longevidade só ao alcance de alguns. A estatística regista que em Portugal há pouco mais de 5.000 pessoas com mais de cem anos de idade, ficando o resto ao longo da viagem, com as doenças crónicas que nos são habituais. Diz o ditado chinês, com cerca de 3.000 anos, que o segredo da longevidade está em “comer pela metade, exercitar em dobro e sorrir o triplo”. Nesse sentido, há estudos a referir que o nosso estilo de vida determina em 90% o nosso potencial para viver mais ou menos tempo. Mas há muita confusão sobre qual o melhor estilo de vida. Desde as dietas incríveis aos especialistas televisivos que dizem saber tudo, aos produtos milagrosos vendidos pela internet, há de tudo por todo o lado. A maioria não passa de uma grande mentira. O certo é que não estamos programados para viver tanto tempo e não há “milagreiros” que nos valham, a não ser estilos de vida comprovadamente bons. É o caso da região da Barbagia, na ilha da Sardenha, em Itália, onde estão os homens com 10 vezes mais centenários do mundo que nos países desenvolvidos e com qualidade de vida. O segredo? Além da muita atividade física natural e de uma alimentação simples e saudável, o verdadeiro segredo parece estar na forma como as pessoas idosas são tratadas. Enquanto nas sociedades ocidentais são “descartáveis”, ali, quanto mais velho é mais valor tem, com relevância na sabedoria. E as mulheres de Okinawa, no Japão, são as que têm mais centenárias no mundo. Segredo? Comem em pratos pequenos, a panela não vai para a mesa e o que sobra fica longe da vista para não haver tentação. Só enchem 80% do estômago e, quando nascem, ficam logo com 6 amigos que as vão acompanhar para a vida e que estarão sempre prontos a ajudar nos momentos difíceis.
Há poucos dias uma senhora nossa conterrânea completou 100 anos de vida, uma ocasião muito comemorada pela família mais próxima, pelas pessoas da aldeia que por ela têm um carinho especial entre familiares e amigos, sobre o patrocínio do presidente da junta de freguesia e depois por um leque muito alargado de familiares. Mas, além de completar o centenário, o que por si só já é um feito, mantem uma excelente qualidade de vida sendo totalmente autónoma, o que lhe permite ir semanalmente às compras e à missa, cuidar do jardim e usar a máquina de costura para fazer alguns arranjos na sua roupa e até na dos seus filhos. Vê todos os dias o telejornal para se manter informada e quando a filha lhe diz para não acreditar em tudo o que dizem, ela responde-lhe: “Eu gosto de ouvir todas as notícias, mas só acredito naquilo em que quero”. Mantém conservadas as memórias de antigamente, recordando muito bem as pessoas e factos do seu passado distante, de que fala com tranquilidade.
Onde está o segredo da sua longevidade? Se quisesse ser adivinho, diria que tem algumas coisas do que já falamos aqui: Não come demasiado consumindo com regularidade vegetais e frutas, bebe um a dois copos de vinho por dia desde criança – relembra que quando tinha 6 anos de idade a mãe prometeu-lhe um “carrinho de corda” se não bebesse vinho durante um ano e ela cumpriu e ganhou – faz parte de um grupo e de uma comunidade, tem uma boa rede de pessoas amigas que não a deixam isolada e a família foi sempre a sua única opção. Mais, como católica e praticante foi catequista e ensinou várias gerações. Porém, talvez o grande contributo para a sua longevidade venha, para além do vinho, de algo impensável: carne de porco e os fritos. E esta? Das suas mãos nasceram trabalhos excecionais de rendas e bordados, para além de todo o tipo de roupas em malha, antes à mão e depois com máquina, tendo feito da sua casa uma autêntica escola de artes para jovens e menos jovens, com paciência e um sorriso no rosto, a título gratuito, recebendo somente por recompensa o prazer de ajudar os outros, o que fez pelos Vicentinos e a título pessoal ao longo do tempo. O seu estilo de vida, em geral tranquilo, ajudou-a a superar as perdas duras e extemporâneas do marido e dois filhos que a afetaram muito, mas de que soube fazer a aceitação.
Escrevi-lhe uma carta há 10 anos quando ela fez 90 anos, para lhe dizer que, por ter de me deslocar fora do país iria estar ausente no seu aniversário. Mas sobretudo para lhe transmitir o meu orgulho e privilégio de ser seu filho, de me ter recebido e aceitado como uma bênção de Deus e assim me considerar ao longo de todos esses anos.
E, dez anos volvidos, continuo a ter a felicidade de ter a mãe querida que me cobriu de bênçãos em tempos tão difíceis como foram esses do pós-guerra, fazendo-me sentir muito amado. De ser a pessoa que desde criança me ensinou o amor pela natureza, ao fazer-me livre e responsável. De me ensinar o valor da caridade e da solidariedade e a sua prática, o respeito pelos pais, pelos mais velhos, autoridades e os mais fracos. De me mostrar a importância da palavra, da honra e do bom nome como valores fundamentais e preciosos da nossa vida.
Foi o meu Anjo da Guarda que me deu o mundo e soube libertar-me a esse mundo para seguir o meu caminho e constituir família. Deu-me ânimo sempre que falhei ou quis desistir, em gestos que diziam muito mais do que em palavras que não dizem nada. Seus olhos foram bem firmes quando precisei de uma lição e sacrificou-se por nós, filhos, tendo-nos posto sempre em primeiro lugar, mesmo à mesa. Tive a felicidade de ter uma mãe sem preocupação de ter um único filho por não ter tempo, porque tinha todo o tempo do mundo para nós. Que esteve sempre presente e não tinha de me acordar ao nascer do dia para me entregar a outra. Construiu o meu caráter, ensinou-me todas as boas maneiras e os valores importantes da vida como a solidariedade, honestidade, amor ao próximo, a caridade e o respeito. E se foram diversas as escolas que me deram a instrução, a educação devo-a à minha mãe.
Não vou dizer o que faria se tivesse adivinhado que a mãe viveria 100 anos, pois a Luísa e os meus filhos poderiam não gostar de ouvir. Mas não posso estar mais feliz ao vê-la nesse rol restrito das centenárias portuguesas, pois é o sinal de que continuo a contar com ela para me ajudar quando preciso de conselho. E ela mantém a lucidez e o bom senso para o fazer.
Acabo com o mesmo final da carta que referi: “Diz-se que Deus não podia estar em todo lado e por isso criou as Mães. Pergunto então: “Meu Deus, porque permites que as Mães tenham de ir embora? Porque será que as queres levar um dia?” É que Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não se apaga. Será que posso pedir a Deus um descuido, que a possa fazer eterna”?
Obrigado, MÃE. Pelo seu aniversário e por ser quem é.