Os jovens de hoje é que têm razão: o local certo para se morar é na casa dos pais. E é por isso que cada vez são mais os que querem ficar por lá, até porque os pais na sua eterna vontade de os ter debaixo da asa manifestam uma satisfação enorme em tê-los consigo, se bem que na maior dos casos não possam contar com a sua ajuda para nada no que à casa diz respeito. Gostam de usufruir, mas cortar a relva não é com eles, dar uma ajuda no quintal “era o que mais faltava” e sempre que se tenta descolá-los do computador, telemóvel ou tablet e “deitar a mão” num arranjo qualquer em casa, não estão para aí virados. Ora, viver numa casa onde só se usufrua dela e não se tenha de dar algum contributo ainda é melhor do que viver num hotel. Se calhar, também nunca deveria ter saído da casa dos meus pais. O meu quarto ainda lá está, ainda tenho a mãe (com muita idade) e uma irmã para tomarem conta da “barraca” e não tinha de ser escravo da minha.
Entrei logo com o pé errado quando a casa começou a ser construída pois saiu-me um empreiteiro “de carregar pela boca” e tive muito mais problemas do que se tivesse sido eu a construí-la (não sendo eu “da arte”, fiz com um jornaleiro que também não o era, a construção dos anexos e que, até à data, ainda não me deram problemas). Já não posso dizer o mesmo da casa. Mas só dei conta disso quando já era tarde e depressa cheguei à conclusão a que muita gente que se mete nessa aventura chega: só devia começar a construí-la quando estava a ficar pronta. Mais ainda nesse tempo em que o conhecimento sobre a matéria e os sistemas construtivos estavam muito aquém dos dias de hoje.
Não valendo a pena falar sobre a odisseia que passei durante a fase de construção, depois de alguns meses de uso tive o primeiro caso. Pelo Natal juntei aqui quase toda a família, parte dela vinda de longe, numa consoada que também era para lhes mostrar a nova habitação. No dia 25 de Dezembro, quando já estávamos à mesa, alguém detetou um cheiro estranho que vinha da cave e veio chamar-me a avisar do sucedido. Saí da mesa e fui tentar descobrir a causa desse eventual incidente. Mas não foi preciso procurar muito pois o problema estava a meus pés. Quando desci as escadas e entrei na garagem, senti que o pavimento estava inundado. Foi assim que dei de caras com um lago de trampa a sair de uma caixa de visita que o “construtor inteligente” havia deixado no meio da divisão e que, devido ao baixo diâmetro do tubo de esgoto e à fraca qualidade da construção, entupira no curto espaço de poucos meses. Ainda hoje revejo a interrupção do almoço daquele Natal, a meter o nariz num pivete de dar volta ao estômago e, de galochas, a arrancar a tampa da caixa de visita que quase se não via naquele lago de porcaria, para resolver o que se pode dizer com toda a propriedade, ser um “problema de merda” ….
Mas muitos outros foram aparecendo e o primeiro a ser recrutado para “apagar o incêndio” era sempre eu. E, “não sendo de nenhuma das artes”, lá fui “atamancando” quando o problema tinha solução ao nível do meu conhecimento. No caso do meu nível de incompetência ser superior à capacidade de resolução, deixava, e deixo, para os que sabem “da poda”.
O esgoto da banca de cozinha entupiu e lá fui chamado para resolver o problema. É o costume. Nem a água quente, nem aquele líquido que é apropriado para desentupir foram solução. Então, entrei de serviço. Desmontei o sifão e limpei-o, mas não foi suficiente. Desmontei até à parede o tubo de esgoto, limpei o lodo acumulado em baixo e enfiei um cabo de aço pelo tubo dentro, mas não entrou mais que um metro sem fazer a água correr. Fui ao lado de fora da casa e abri a caixa de visita mais próxima da cozinha e, com a mangueira, meti água à pressão, saindo algum lixo. Usei ainda uma “verguinha” de ferro para desentupir o tubo, mas só conseguia entrar até chegar à parede da casa. Continuava entupido. A minha função como canalizador chegou ao fim e passei a proprietário duma casa com um problema. Telefonei ao picheleiro, que fez o favor de me arranjar alguém para vir a minha casa nesse sábado. Veio um rapaz amigo, o João que, depois de ver o que eu já tinha feito, experimentou uma coisa diferente. Foi à caixa de visita onde eu tinha ido, introduziu a mangueira no tubo de esgoto com a água de pressão como eu o tinha feito, mas fez algo mais, pois embrulhou a mangueira com um pano enrolado, tapando o tubo e evitando o retorno, fazendo com que a água à pressão forçasse o caminho até á banca. E resultou, provocando uma inundação de lodo e água suja na cozinha. Quem sabe, sabe. No final, o comentário do João foi só este: “O esgoto da banca é o que está mais sujeito a lixos, gorduras e todo o tipo de detritos. Por isso, o diâmetro do tubo devia ser, no mínimo, de 90 ou mesmo de 120 para não entupir como foi o caso. Como o normal é colocarem tubo de 50, quando não de 40, isto acontece todos os dias e ninguém aprende. Se soubessem o número de vezes que eu tenho de desentupir estes tubos, aprendiam com certeza”.
É verdade, já ouço há muito tempo que das coisas a ter mais cuidado na construção de uma casa deve ser com tudo o que fica enterrado: tubos de água, eletricidade, gás e esgotos. E destes, especialmente a água e, mais ainda, os esgotos, porque cheiram mal. Este caso que me aconteceu há dias foi um exemplo do que não deve ser feito quando da construção de uma casa. Felizmente hoje a capacidade técnica nas especialidades das construções é muito melhor e até o conhecimento para o acompanhamento e fiscalização nada tem a ver com aquele de que me podia valer então. No entanto fica o alerta para quem cai na asneira de deixar o “bem-bom” teimando em deixar a casa dos pais e arriscar construir uma moradia: cuidem-se, para que os problemas que vêm a caminho sejam em menor número. Porque virão sempre …
Nota – Já esta crónica estava pronta a ser enviada ao jornal quando me chamaram da cozinha: o esgoto da banca voltou a entupir. Tive de entrar de serviço. No entanto aprendi a lição que o João me ensinou e desta vez injetei a água à pressão a partir da caixa de visita, com um velho trapo a ajudar no bloqueio do retorno. Quando senti a pressão no máximo e depois o alívio, ouvi um grito vindo de casa: inundara a cozinha com água suja. O defeito continua e só mesmo a substituição do tubo por um de maior diâmetro como aconselhou o João impedirá que isto volte a repetir-se. E o que tem que ser, tem muita força …