Alentejano, produtor de vinho da “talha” e médico, falava na televisão num apelo bem disposto: “Salvem a Terra, porque é o único planeta que tem vinho”. E, mais adiante, num conselho já na sua qualidade de médico, acrescentou: “O vinho pode ser um bom remédio. Mas, como remédio, tem de ser tomado à colher como qualquer outro remédio e não bebido pelo frasco”. Aliás, mesmo Platão já escrevera: “O vinho é medicamento que rejuvenesce os velhos, cura os enfermos, enriquece os pobres”, enquanto um dito popular diz que “o vinho é excelente, tanto para o sadio como para o doente”.
Cresci numa sociedade em que videiras e vinho faziam parte da nossa vida. E da ementa. Aliás, era mais fácil faltar alimento na maioria das casas humildes da terra, do que não haver vinho. E bebiam todos, dos adultos às crianças. À volta das casas, até das mais pobres, a primeira coisa que se fazia era … plantar videiras e fazer uma ramada. Pode-se dizer que era o “jardim da casa”. Porque jardim mesmo, só me lembro de haver em três ou quatro casas dos proprietários tidos por “os ricos da aldeia” e, mesmo esses, rodeados de … ramadas. Até Salazar dizia que “beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”.
Daí me ter habituado a beber vinho às refeições … e fora delas, embora nunca tivesse passado tarde nenhuma a “jogar a malha”. Nas tardes de domingo, a cada jogo os perdedores pagavam um copo de litro. E eram muitos os jogos ao longo duma tarde, tal como os litros de vinho bebidos pelos quatro participantes em jogo “tão difícil”. É que esses “atletas” defendiam a tese de que “com bom ou mau comer, vinho sempre a valer.
Na região o vinho era praticamente vendido a granel, em pipas, por regra na “venda” (que se pronunciava como “benda”), misto de tasco e mercearia. Muito pouco era engarrafado pois mesmo nas casas onde havia ramadas, era conservado e consumido a partir da pipa. A estudar no Colégio Eça de Queirós, era um momento especial sempre que o Adriano me convidava com mais dois ou três, para ir a sua casa em Meinedo beber uma garrafa de vinho, claro está, com alguma coisa a acompanhar. Como sabia bem!!! Anos mais tarde, depois dos ensaios dos “Moscas”, em Bustelo, era na adega do senhor Belmiro Melo, tio de alguns elementos do grupo, que celebrávamos a vida com vinho tinto em caneca de porcelana, tirado diretamente da pipa.
O vinho era a bebida. Como dizia Alexandre Dumas, “o vinho é a parte intelectual da comida”. Não havia lugar para a cerveja, muito menos para a coca-cola que, dizia-se, Salazar proibiu de entrar no país. Nem sequer o uísque, um ilustre desconhecido de então. O que importava era a quantidade, não tanto a qualidade. Só com o passar dos anos, a exportação e as exigências qualitativas, o vinho verde tinto, que não ia além dos oito graus, deu lugar aos vinhos brancos cada vez mais graduados, ao ponto de quase se não diferenciarem dos maduros. E assim, “com o passar dos vinhos os anos ficaram melhores”, no dizer de um inteligente.
Os franceses, grandes produtores mundiais e, por isso mesmo, parte interessada no negócio, fizeram apurados estudos para chegarem a conclusões interessantes, reveladoras dos benefícios para quem bebe vinho. Dizem eles que o vinho “faz bem ao coração, evita algumas doenças, ajuda a emagrecer, melhora o sono e o humor, torna-nos mais inteligentes, ajuda na digestão, prolonga-nos a vida, é calmante natural, combina bem com a gastronomia e é bebida sociabilizante”. Não é necessário pôr os cientistas a investigar para chegar a algumas destas conclusões. Eu não tenho dúvidas que uma ou duas garrafas de vinho fazem qualquer um dormir melhor, dão audácia ao tímido, alegria aos tristes e bom humor ao sério. O calado torna-se indiscreto e é da tradição popular que o vinho (e o álcool) conserva os corpos.
A. Fleming, o homem que descobriu a penicilina, dizia que “esta cura os homens, mas é o vinho que os torna felizes”. No entanto, Benjamim Franklin já foi mais cauteloso ao lembrar: “Toma conselhos com o vinho, mas toma decisões com a água”. Enquanto uns o aconselham sempre, como Napoleão Bonaparte quando escreveu que o vinho “nas vitórias é merecido e nas derrotas é necessário”, já Cícero se deu ao cuidado de escrever sobre a importância da idade: “Os vinhos são como os homens: com o tempo, os maus azedam e os bons apuram”.
Fernando Sabino lembra-nos que “Cristo não consagrou a água, o leite ou a coca-cola. Consagrou o pão e o vinho como alimento do corpo e do espírito”. E as Sagradas Escrituras referem que “o bom vinho alegra o coração dos homens”.
Eu acrescentaria que Cristo também não consagrou a cerveja e hoje, sobretudo entre os jovens, a cerveja destronou o vinho como fator “sociabilizante”, apesar deste combinar melhor com qualquer prato, tornando-se a “parte intelectual da comida”. O vinho sempre foi e é a minha bebida preferida. No entanto, como em minha casa era o único que bebia pois nem a Luísa nem os filhos estavam para aí virados, a partir de certa altura deixei de beber e só o fazia nas refeições fora. Até que, ao fim de alguns anos e para regularizar o intestino, fui bem aconselhado por um médico a beber à refeição um copo de vinho tinto. A verdade é que foi um sucesso e desde então faço do vinho, moderadamente, o complemento de uma refeição, alterando a antiga filosofia do “muito” para o “pouco, mas bom”.
Já lá vai o tempo do vinho a granel. Hoje o bom vinho é engarrafado, dando sentido à afirmação de Pasteur: “Existe mais filosofia numa garrafa de vinho que em todos os livros”; e a Robert L. Stevenson, ao escrever: “Um bom vinho é poesia engarrafada”.
Estou como Silas S. quando diz “nunca fiz amigos bebendo leite. Por isso, bebo vinho”. Ou será que alguém faz algum convívio “com os pés debaixo da mesa” e celebra a amizade com água ou leite? Até porque amigos são comos os vinhos: quanto mais antigos, melhores. Por isso, conserve-os e celebre …