Nasci e cresci na aldeia e o mesmo é dizer no meio da natureza. Não seria a mesma pessoa se tivesse sido num meio urbano. Ficou-me a atração pela liberdade, pelos grandes espaços e belezas naturais que ainda pululam por este nosso mundo. Entre elas, estão as cataratas. Uma catarata, é uma queda de água de grande caudal, em cortina. Por regra, proporciona imagens espetaculares. Há mais de cinquenta anos tive a oportunidade de conhecer a segunda maior catarata de África. O acaso levou-me a fazer o estágio em Angola sobre a cultura do algodão e, depois de três meses em Luanda, fui “despachado” para Malanje, cidade onde se encontrava sediada a delegação do Instituto do Algodão para a Baixa de Cassanje. A partir dali, com um velho jeep Land Rover e um nativo que era “homem para todo o serviço”, desde cozinheiro a mecânico, lavador de roupa a guia, percorri extensas áreas dessa parte de Angola. Um dia o meu colega e amigo Zé lançou-me o desafio para irmos visitar as Quedas do Duque de Bragança – já batizadas após a independência de Angola de Quedas de Kalandula – e que ficavam a oitenta quilómetros de Malanje. Aceitei e de repente vi-me a grande velocidade numa “picada” (estrada em terra batida) ladeada de capim com dois metros de altura, como que voando num túnel e sujeitos a ver surgir um carro em sentido contrário e no mesmo trilho único. Mas não aconteceu nada. Minto. Aconteceu que descobri então uma imponente catarata com mais de quatrocentos metros de comprimento e cem de altura, num cenário selvagem fantástico, com imagens de uma beleza que só lá, e naquele estado virgem, se podiam encontrar. Foi o meu primeiro êxtase perante uma “queda de água”, uma obra prima da natureza.
Já neste século, devo ter feito as minhas duas últimas grandes viagens com os dois filhos, ambas aos Estados Unidos. E tinha consciência que assim seria. Por isso, quis aproveitar esses momentos, ainda antes deles “levantarem voo” e passarem a voar na companhia de outras “aves”.
Numa dessas aventuras, quando estávamos em Nova Iorque, decidimos ir conhecer talvez as mais célebres cataratas do mundo, que ficam na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá e que são conhecidas por Cataratas do Niagara, no rio com o mesmo nome. Metemo-nos numa dessas viagens turísticas, um misto de avião e autocarro e, na realidade, valeu bem a pena. Tudo o que se possa dizer sobre essa maravilha da natureza é pouco, apesar de hoje estar “metida” entre dois núcleos urbanos que se desenvolveram à custa do turismo que tal atração gera. É que são “só” vinte milhões de turistas ao ano que por ali passam … E é preciso dar-lhes guarida, comida e todos os bens de consumo de que tal gente se alimenta, incluindo “recordações para a família”. Nos seus sessenta metros de altura e mais de mil e cem metros de comprimento nos dois países, não se pode ficar indiferente a essa obra prima da natureza. Como diz a publicidade, é uma das mais belas do mundo.
Um feliz desafio efetuado por um casal amigo também me levou a outro local onde as imensas massas de água e o terreno montanhoso do país fizeram com que ali existam muitas, grandes e belas quedas de água. Todos os rios da Islândia recebem água a partir de enormes glaciares e do clima atlântico que gera grandes quantidades de chuva e neve. A Islândia é um dos mais belos países do mundo para se ver quedas de água. E há muitas. Mas tem de se ir preparado para fazer longas caminhadas pois, nalguns casos, o carro não chega perto. E são indispensáveis agasalhos e mais agasalhos, porque faz frio a sério, muito especialmente quando o vento polar sopra com intensidade e nos trespassa os ossos …
Mais recentemente, ainda na companhia do mesmo casal amigo, tive a felicidade de me deixar maravilhar por aquela que se tornou para mim a catarata das cataratas. Fica no rio Iguaçu, na fronteira entre o Brasil e a Argentina. A sua beleza ainda é mais extraordinária porque as Cataratas estão integradas em dois Parques Nacionais, o brasileiro e o argentino, com uma dimensão enorme, numa demonstração séria de como proteger a natureza e a sua joia. Só lá se toma verdadeira consciência da sua dimensão, em tamanho e beleza. Por isso, os dois Parques Nacionais foram classificados de Património da Humanidade e o do Brasil escolhido como uma das sete maravilhas do mundo. Para termos noção da sua grandiosidade, trata-se de um conjunto de 275 quedas de água com o comprimento total de 2,7 quilómetros, encastradas na mata atlântica. Um assombro. O ponto alto desse conjunto é a chamada “Garganta do Diabo”, em forma de U, onde o visitante se sente no meio de uma enorme catarata com água a jorrar por todos os lados.
Mas, se adoro ver cataratas como estas que tive o privilégio de visitar e conhecer, cada uma com a sua beleza natural própria, há outras de que não gosto mesmo nada e “nem pintadas” as gostava de ver, muito menos nos meus olhos. Fazem com que a paisagem não tenha beleza, as letras não façam sentido, as pessoas tenham um rosto difuso. Pões óculos, tiras óculos, limpas as lentes para ver se o problema acaba, mas a “neblina” continua e vês tudo enevoado. Não adianta esfregar os olhos. Estás acordado, não é esse o problema. Piscas os olhos para ver se a imagem regressa ao normal, mas ela continua nublada, quase como se estivesses atrás de uma fina cortina de tule. Até que vamos ao oftalmologista e, depois de nos espreitar a alma através dos olhos, descobre algo e dá a sentença: “Você tem cataratas”. E, quando algum vos disser isto, não vale a pena sonhar com o que vos contei lá atrás, porque não vão precisar de viajar para chegar a elas, porque “elas” estão em vós, nos vossos olhos. É o cristalino, essa lente natural do olho, que ficou turvo. “Deu o berro”. E o cirurgião pode retirá-lo e substitui-lo por uma lente artificial, para regressar à normalidade.
Eu já esfreguei os olhos quanto baste, mas não passou. Nem passará. Já não tenho mais alibi para adiar o inadiável, se quero voltar a ver com nitidez as verdadeiras cataratas … E quero.