Num tempo em que namorar com uma moça tinha regras apertadas de comportamento, para além da vigilância serrada da mamã, dançar agarradinho era coisa doutro mundo. Mas raro, muito raro. Porque eram muito poucas as raparigas que o permitiam. Estrategicamente, colocavam o braço esquerdo sobre o nosso ombro direito e, à menor tentativa de a puxarmos mais para nós, esse braço esquerdo impedia o “avanço” e mantinha-nos “descolados”, à distância. A vigilância da família e não só, eram obstáculos de peso. Mas a rapaziada tentava sempre, à espera que lhe saísse a sorte grande…
Na minha infância só conhecia as danças populares nas desfolhadas e outras atividades e festas da aldeia. E foi nas Festas Grandes que vi pela primeira um baile através da janela da Assembleia Lousadense, que era um espaço de acesso muito restrito. Já adolescente, tive de aprender um tanto à pressa os primeiros passos da valsa, do tango e do cha cha cha, quando alguém me convidou para um baile em casa particular. Eram os melhores. Organizados em casas onde havia “meninas casadoiras”, tinham sempre um segundo aliciante nesse tempo de “escassez”: além das raparigas, havia comida “à fartazana”, angariada através de “multas” aos convidados, especialmente às mulheres. Os donos da casa eram os “guardiões morais”, a quem as mamãs entregavam a responsabilidade das filhas. Mas, quando em bailes de coletividades como as Assembleias Recreativas ou Clubes e bailes de Finalistas, os pais das “meninas” tinham mesa própria de onde controlavam as “pequenas” e, especialmente, os candidatos. Em muitos casos, até eram seletivos ao aprovarem ou não o “rapaz”. Contava-se uma história ou anedota sobre esse controle: em plena dança, um dos papás gritou: “Alto e para o baile. Apalparam o c. à minha filha”. O visado, terá reagido de imediato: “Fui eu, mas quero casar com ela”. O pai da rapariga desarmou logo e gritou: “Siga o baile…” Os interesses do pai estavam assegurados.
Dançava-se o tango, o slow, o passo doble e a valsa, agarrados, não tanto quanto os rapazes queriam, mas o quanto as circunstâncias e elas permitiam. Mais tarde apareceria o rock e o twist, essas sim, dançadas com um para cada lado. Eram boas para animar o ambiente mas, gostosas, gostosas, eram as outras… Para um adolescente como eu, o baile era sempre algo de especial, uma oportunidade para ter nos braços a mulher de quem gostava. Mas nem sempre concretizada. Porque, nos bailes públicos, estava-se sujeito a apanhar “uma nega”. Quando começava a tocar a música, tinha de ir até à mesa onde a moça estava sentada com a família e fazer um aceno de cabeça para “formalizar” o convite. Se ela aceitasse (e tivesse autorização da “vigilante”), levantava-se para dançar. Caso contrário, olhava para o lado ou fingia que não via. Para um adolescente tímido, a recusa era um golpe na autoestima. Para os “sabidolas” e descarados, já muito habituados a esse contratempo, não era problema. Quando uma moça se mostrava demasiado seletiva, armavam bagunça, como aconteceu em Santo Tirso num baile do tipo “arraial minhoto” onde fui com um amigo. Encontramos lá um conterrâneo mais velho. Durante o baile, tanto eu como o amigo que me acompanhou tentamos dançar com uma moça loura, de cabelo comprido, mas fomos rejeitados. O nosso conterrâneo não gostou e fez questão de a ir convidar, fazendo-lhe uma vénia a curta distância. Ao receber também um não, deu um passo atrás e, em voz alta, bradou: “Que me diga que não dança, está no seu direito. Mas, mandar-me à m… é que não”. E deu meia volta, com a dignidade de quem tem razão. Toda a gente ao redor ficou a olhar. E ela sentiu-se tão envergonhada, que saiu logo de seguida.
Os bailes eram relativamente restritos, até porque não havia muita gente a saber dançar as chamadas “danças de salão”. Para além disso, como uma boa parte dos bailes eram em casas particulares onde só ia quem fosse convidado, mais limitado ficava tal acesso. Nos bailes em instituições, em que as Assembleias Recreativas eram as mais ativas, a entrada era igualmente condicionada…
Fomos mais de meia dúzia os convidados por um amigo comum para rumar a uma aldeia de Santo Tirso numa noite de fim de ano, onde ia haver dança. O anfitrião era um tio desse nosso amigo, que tinha duas filhas a ultrapassarem o “prazo de validade” (e nesse tempo o limite situava-se entre os vinte e os vinte e cinco anos), pelo que urgia fazer alguma coisa. A condição exigida ao grupo que ia cá de Lousada era cantar as Janeiras. Por isso, paramos no alto de Lustosa para ensaiar uma música do conjunto de António Mafra e versos feitos por mim para o efeito, à luz dos faróis. Devia ser um quadro lindo… Apesar de tudo estar “nos conformes”, o baile não correu muito bem. Uma das raparigas convidadas era muito bonita e tinha uma particularidade: a dançar, a sua camisola azul celeste “colava-se” ao par, irradiando um calor anormal. Com isso, a rapaziada fazia fila para ver quem era o felizardo da dança seguinte… E o anfitrião não gostou de ver as filhas “sem clientela”, enquanto “aquela galdéria” tinha a malta toda presa pelo beicinho. Ia sendo um problema dos diabos, que teve de ser resolvido com alguma diplomacia…
Em poucos anos, a vigilância e controle das moças foi abrandando e sendo substituída por uma liberdade condicionada, até chegar a não ter condições. Os bailes, ponto alto de entretenimento, encontro e prazer, onde tudo começou para muitos casais, perderam o encanto e foram substituídos pelas discotecas e bares, em que já não se valoriza as pequenas conquistas, mas somente o tudo ou nada. O prazer dos avanços e recuos no “assalto ao castelo”, perdeu-se nas facilidades da “rendição sem luta”. E os locais, como as Assembleias Recreativas e Clubes, também perderam a mística, a “clientela”, o brilho e o (quase) exclusivo dos bailes.
Mas as mamãs, tinham e continuam a ter um papel importante na vigilância e segurança das filhas adolescentes, agora mais ajustada à realidade do século XXI: “Tomaste a pílula? Como vais ao cinema com o António e vai acabar tarde, fica em casa dele. Mas não se esqueçam de usar preservativo. Pratica o sexo seguro” …