“Está um frio de rachar”, dizem-me quando entro numa loja. Não sei o que é que ele “racha” mas, na realidade, esta manhã tive de colocar várias camadas de roupa para proteger este corpinho daquele vento gelado que parece atravessar-me os ossos. Não é tanto o frio que nos gela. O pior é quando ele aparece agarrado ao vento, uma dupla que mete medo. Até me faz crer que ando nu na rua, tal a facilidade com que trespassa a roupa e a carne.
Felizmente, hoje já temos vestuário adequado para as intempéries, coisa que não havia quando ia a pé para a escola primária. Nesse tempo, sim, havia mesmo frio, porque não havia com que o parar. A maioria ia descalça a pisar a terra levantada pela geada, com calças rotas (que nesse tempo eram sinal de pobreza e hoje estariam na moda) ou remendadas, uma camisa velha e, com sorte, camisola feita à mão lá em casa. Para proteger da chuva e do frio, uma “capa” com o saco de sarapilheira. E era preciso ter um saco de sarapilheira, o que não era para todos…
Mas o frio também se fazia sentir bem forte dentro das casas, sem condições de habitabilidade. A maior parte delas tinha o pavimento em terra batida. Húmidas e frias. O vento e o frio entravam pela cobertura em telha vã e pelas largas frinchas de portas e janelas. Só o peso dos cobertores (para quem os tivesse), enganava o corpo, que ficava dividido entre dois problemas: o peso dos cobertores e o frio. Para os que tinham mais posses, uma botija de água quente, feita em lata pelo latoeiro da terra, dava um grande conforto, a não ser que se rompesse a solda… Os pobres, como não tinham como comprar tais botijas, aqueciam um pedregulho na lareira e enfiavam-no entre os cobertores embrulhado em trapos…
Os “Kispos”, desse revolucionário do nosso modo de vestir conhecido pelo nome de Hans Isller, para além de nos darem um ar desportivo, descontraído e colorido (acabando com o cinzentão das roupas de então), também nos vieram dar proteção contra a chuva, o vento e o frio, de forma irreversível. Bem agasalhados, até passou a dar prazer andar ao arrepio dos elementos, como as crianças quando teimam em dar saltos numa poça de lama.
A riqueza trazida pela industrialização permitiu-nos ter casas novas, com outro aparato que não o da casa de pedra tradicional. Modelos importados da “estranja”, caixilhos de alumínio e outras modernices, ficavam bonitinhas depois de pintadas em cores garridas. E, para os mais abastados, nasceram casas maiores, casarões e outros que tais, que enchiam de orgulho os donos pelo aparato, pela beleza exterior, mas cuja comodidade pouco correspondia ao aspeto. A preocupação maior era sempre, e só, com a beleza da moradia e muito pouco com a comodidade. A qualidade do isolamento térmico e acústico não existia e, quando se começou a falar nisso, fingia-se, brincando aos isolamentos, ao colocar na caixa de ar das paredes exteriores placas de esferovite com um a dois centímetros de espessura, como se isso resolvesse alguma coisa. Resultado: as casas novas tinham problemas velhos: Frias, quando não, húmidas. Sem aquecimento a sério, enganava-se o inverno e o frio com o aquecedor a gás ou elétrico, a lareira ou uma salamandra na sala. E nos quartos? Um montão de cobertores na cama e botijas de água quente, agora de borracha…
Há cerca de trinta anos fiz uma viagem a França com a família e quis visitar uma prima que morava em Lyon. Estávamos no mês de Agosto e, ao meio dia, a temperatura ultrapassava os trinta e cinco graus. Ao encontrar a casa de rés do chão, muito simples, disse à Luisa: “vamos assar lá dentro”. Mas nada disso aconteceu. Fui surpreendido por uma temperatura amena, onde se estava muito bem. Perguntei-lhe se tinham ar condicionado. “Não, o que temos é um bom isolamento térmico”. E, quando me referiu a espessura das placas de isolamento, tanto no interior das paredes como na cobertura, disse para comigo: “isto, é isolamento a sério”. Ainda hoje, apesar de obrigados pela lei, estamos longe de usar espessuras de isolamentos como eles o fizeram.
A verdade é que somos um país de clima temperado, onde se passa mais frio dentro de casa do que em qualquer casa de um país frio da Europa central ou norte. O que é um paradoxo. Até se compreende no caso das famílias que construíram a habitação com muito sacrifício e não disponham de meios para um sistema de aquecimento e a sua manutenção. Mas, para muitos outros, não faz sentido nenhum.
Nos países frios, o aquecimento é uma prioridade imprescindível, sejam ricos ou pobres. Os prédios de apartamentos têm aquecimento coletivo. E já vi isso na antiga Checoslováquia há mais de trinta anos…
Um amigo serralheiro, quando foi pela primeira vez a França colocar a caixilharia numa moradia, ficou muito admirado porque a casa só tinha os alicerces e as paredes exteriores em tosco, com os blocos à vista. Nem telhado. Nunca vira nada daquilo e disse ao empreiteiro que não a podia assentar. Naquelas paredes toscas, sem reboco, só havia os buracos para portas e janelas. O construtor disse-lhe para colocar a caixilharia porque os acabamentos viriam depois. E ele fez o que lhe mandaram. Mais tarde pode ver como se acabava a casa. Só precisaram de um quinto do cimento que nós gastamos e ficou com tal comodidade que, em pleno pico do inverno, andavam lá dentro descalços e em t-shirt, como se fosse verão. Porque a preocupação deles é a comodidade e o conforto.
O sistema construtivo conhecido por “capoto” melhorou muito o isolamento das casas que hoje construímos, mas ainda temos muito caminho a percorrer. Quanto a aquecimento? Ainda ficamos muito pela pré-instalação e depois usamos aquecedores elétricos ou o que calha, que consomem dinheiro, sem proporcionar comodidade e conforto. E nestes picos de frio, anda-se agasalhado em casa como na rua…
Temos um clima temperado. Mas, as nossas opções em relação à climatização caseira, nem sempre são temperadas… pelo bom senso. Questão de prioridades…