Sinceramente, acho que nós, seres humanos, não nascemos para trabalhar. Pura e simplesmente, nascemos para viver… Isso mesmo, para viver. Sejamos francos, trabalhar não é propriamente viver. Que o digam os milhões de pessoas que se levantam de madrugada para ir trabalhar e só regressam a casa já de noite, de segunda a sexta durante décadas, tantas vezes fazendo algo de que não gostam, a troco de um salário miserável… e quando têm a sorte de receber. Será que isso é viver?
Não fiquem chocados com este desabafo e muito menos a pensar que estou bêbado. Não, não estou. Só bebi água ao jantar e, por aquilo que sei, das águas que conheço só a “água… ardente” é que nos pode levar a esse estado. E eu que o diga… Ou, pensando melhor, também a “água… pé”. Mas, nem a “água de rosas”, nem a “água oxigenada” (a que agora atribuem múltiplas propriedades, menos a capacidade de “pregar uma piela”), nem sequer a “água benta”, me poem a “cantar o tiro-liro” e a “chamar pelo Gregório”.
Pensando bem, apesar de nos considerarmos o ser mais inteligente, também somos o único animal que se levanta às seis ou sete horas da manhã para ir trabalhar… ou à procura de trabalho. Que raio de gosto. Que outro animal o faz? Nenhum. Nem os burros. Até eles são dos que só trabalham quando obrigados… pelo homem. Livremente? Nem pensar. Se falassem, diziam que não nasceram para isso…
Afinal, trabalhar tornou-se… um mal necessário. Porque é preciso fazer pela vida, ganhar dinheiro para a bucha, estar ocupado. O problema é que o homem não trabalha só para satisfazer as necessidades básicas. Ao inventar falsas necessidades, entrou num ciclo vicioso e, para as satisfazer, obriga-se a trabalhar mais e mais, como escravo de si próprio. O Barão de Itararé dizia que “quem inventou o trabalho não tinha mais que fazer”. O trabalho até nem é uma coisa má, porque, mau, mau… é ter de trabalhar. É por isso que as pessoas adoram aquele momento em que, depois de se levantarem da cama à pressa para ir trabalhar… percebem que é domingo. Como dizia W. Shakespeare, “o estranho é que, sem ser forçado, alguém saia de casa em busca de trabalho”. Para os que teimam em dizer que “trabalhar dá saúde”, responde-se “então, que trabalhem os doentes”. E todos sabemos que trabalhar dá muito trabalho…
Nós, seres humanos, começamos por trabalhar para assegurar o direito a comida e vestuário. E, logo que o conseguimos, quisemos a “barraca” para nos abrigar. Claro, passamos a trabalhar mais. E veio o desejo de ter a bicicleta, a seguir a mota, o barco e o automóvel. E lá trabalhamos nós ainda mais, marido e mulher. Mas conseguimos. No entanto, inventaram-se os eletrodomésticos básicos que foram sendo substituídos por outros cada vez mais sofisticados. E nós compramos e trocámo-los pelos mais modernos, trabalhando cada vez mais intensamente para os ter. Homem, mulher e filhos. Mas veio a rádio, a televisão a preto e branco e a cores, os gravadores, os computadores, todo o tipo de móveis, telefones e telemóveis, produtos de beleza, jogos e bugigangas imensas, para o que temos de trabalhar ainda mais, homem, mulher, filhos e sogras. E as avarias dos equipamentos, consertos e serviço de manutenção de automóveis e outras máquinas sofisticadas mas de duração limitada, exigiram mais trabalho para poder pagar essas “necessidades falsas” que nós, seres humanos, andamos a inventar, convencidos que nos davam mais tempo para viver. E agora somos escravos delas. Que paradoxo curioso… Tempo? Mas onde é que ficou o tempo para a família e para nós mesmos? No trabalho? Quando andávamos a pé, tínhamos tempo para tudo. Agora, que andamos de carro, de comboio ou de avião, cada vez mais rápidos… mais atrasados estamos e mais temos de trabalhar. Será que isto é mesmo a vida para a qual o ser humano foi criado?
Quando digo que “não nascemos para trabalhar mas nascemos para viver” não significa que não devemos “dar o corpo ao manifesto”. De jeito nenhum até porque, muitos dos momentos que me deram mais satisfação na vida, estão associados a trabalho… voluntário. Repito, voluntário. E até “trabalhei como um burro” (e peço desculpa aos burros pela comparação porque, se calhar, não é lisonja para eles) tanto no Clube Automóvel de Lousada, como noutras associações e organizações a que estive ligado ao longo da vida. E fiz muitas coisas, com enorme entusiasmo e alegria. Mas também, quando deixei de me entusiasmar com o que fazia, como na organização de corridas e estas passaram a ser “uma chatice ”, avisei os companheiros de jornada, atempadamente e deixei o CAL. Já não me dizia nada, não tinha motivação… Por isso num mundo ideal, só deveríamos fazer o trabalho que nos dá prazer. Aquele que somos obrigados a executar como assalariados, “a troco de uma côdea ou para a côdea”, é “trabalho forçado”. E já Bernard Show dizia que “a escravatura humana atingiu o seu ponto culminante na nossa época sob a forma de trabalho livremente assalariado”. Daí o dizer-se que “se nós temos de passar a maior parte do tempo a trabalhar, então porque é que tão poucas pessoas se divertem a fazê-lo”? Bom, “os moralistas que tecem loas ao trabalho, fazem-nos pensar nos palermas que foram enganados numa barraca de feira e que tentam fazer os outros entrar para lá de qualquer maneira” (J. Renard).
Numa aldeia cá da terra, um empresário local sabendo que um seu conterrâneo estava desempregado, quando o encontrou no café da aldeia perguntou-lhe se queria ir trabalhar para si. Ele olhou-o, riu-se com ar cínico e respondeu-lhe: “Ouça lá. Acha-me com cara de estúpido, de quem quer mesmo trabalhar? Para que é que me vou obrigar a mourejar se tenho subsídio, cabaz de alimentos, roupas e tudo o que preciso sem ter de mexer uma palha? Se fosse trabalhar para si, perdia as regalias todas e ainda tinha de “dar o corpo ao manifesto”, como um burro. Deixe-me viver a minha vida”… E virou-lhe as costas.
O empresário ficou com cara de parvo. E, quando me contou a cena, não deixou de expressar uma frase, que também passa na cabeça de muita gente: “Afinal, quem é o burro”???…