Nos últimos dias tenho andado triste e até um pouco deprimido porque, ao contrário daquilo que eu desejava, o meu nome não foi mencionado como tendo conta bancária no Panamá, um dos paraísos fiscais onde qualquer cidadão comum desejaria também ter uma, sobretudo se for das “gordas”. Ainda esperava que entre os onze milhões e meio de documentos sacados à Mossack Fonseca aparecesse um só, um simples documento, comprovativo de que eu dispunha de “uma conta calada” num dos bancos daquele país e que os jornais e televisões de todo o mundo me anunciassem como detentor de dois mil milhões de euros, tal e qual o violoncelista russo… Ora, se um simples “tocador de rebeca” pode ter uma conta com tantos zeros à direita da vírgula, porque é que eu, um simples “tocador de campainhas de porta”, não pode ter também uma? Ver o meu nome a servir de título nos jornais e revistas e a abrir os telejornais das nossas televisões alimentava-me o “Ego” como ninguém imagina… A minha “cotação” subia no “mercado” não só em termos mediáticos mas também como homem de valor ou, mais propriamente, como “homem de valores”. Claro que teria também o reverso da medalha, expresso no tamanho da inveja… E, como consequência disso, seria acusado de todas aquelas coisas que se dizem de alguém que tem muito dinheiro como “anda a vender droga”, “faz parte de uma rede de tráfico de armas”, “pertence a um bando de ladrões” ou “é dinheiro de corrupção”, mesmo que não me conhecessem de lado nenhum nem soubessem o que fiz nem o que faço… Se fosse possível fazer uma sondagem aos meus detratores esta revelaria que 99,9% deles falavam por inveja pois, bem latente no seu íntimo, estaria o desejo secreto de serem eles os donos de tal conta. Olha se não…
Bom, também devo reconhecer que teria uma percentagem razoável de gente que me apoiaria com frases “motivadoras”, capazes de me animar e “levantar a moral”, algo como “aquele é que foi esperto”, “roubou-o em bom tempo” ou “se soube roubá-lo, melhor soube guardá-lo”. Como se compreende, ao ouvir e ver estes comentários “tão favoráveis” o meu coração enchia-se de amor e confiança na “humanidade”.
Se a muita publicidade ao meu (bom?) nome fazia crescer vertiginosamente a mediatização da minha imagem, isso seria efetuado muito à custa do grande sacrifício por ter de aturar o “enxame” de jornalistas acampados à porta de casa, tentando “sacar” umas fotografias ainda que de relance, registando qualquer palavra ou “rosnar” que eu proferisse por “atravancarem” o caminho e me impedirem de entrar ou sair e lutando entre si para que lhes concedesse uma entrevista exclusiva, um “furo jornalístico”.
Mas os dias vão passando e, apesar de irem revelando mais um ou outro nome, a “conta-gotas” (e a nossa coscuvilhice crónica precisa de ser alimentada, para além de “gulosarmos” com a queda de “figurões”), o meu nome não é anunciado para meu desespero…
Desejos à parte, a revelação dos “papéis do Panamá” não acrescenta nada de novo ao que já se sabia sobre “paraísos fiscais”, para além de trazer à luz do dia alguns (poucos) nomes de figuras públicas “insuspeitas”, entre um “reduzido” número de documentos se tivermos em conta que se referem a um único escritório entre milhares dos que se dedicam a tal atividade. Na lista está metida a gente mais diversa desde honestos e desonestos, políticos e traficantes, empresas reais e virtuais, ladrões e assassinos, empresários respeitáveis cumpridores da lei e golpistas ou caloteiros, uns exercendo atividades legais e outros vivendo à margem da lei. Mas tudo está no mesmo saco, todos são medidos pela “mesma bitola”… E então, por esse mundo fora a começar pelo nosso, assistimos a discursos inflamados de “virgens puritanas” que só o são porque não tiveram a oportunidade de “pecar” ou porque ainda não lhes foi “descoberta a careca”, cantando hinos à “transparência” que tanto defendem mas que bem no seu íntimo não desejam. Em suma, a hipocrisia do discurso politicamente correto… A vida é injusta? Claro que sim, quem o pode negar? E o mundo? Nem se fala… Se dentro de alguns países existem regiões ou estados com um sistema fiscal absolutamente diferente, desigual e injusto, paraísos fiscais num lado e alta carga tributária noutros criando disparidades e concorrência desleais internas, se dentro da União Europeia tal também acontece fazendo com que os capitais e as sedes de empresas se mudem para os “mais interessantes”, como é que alguém pode exigir a outros países e outras regiões que acabem com a sua condição de paraíso fiscal em nome da transparência e da equidade se nem sequer a defendem em sua casa? É que os benefícios de um verdadeiro paraíso fiscal são bem visíveis na qualidade de vida dos seus habitantes e o resto é conversa. Quem a quer perder? Será que a Suíça atingiu um elevado nível de vida só pela qualidade dos seus chocolates? Porque foi que a Jerónimo Martins (Pingo Doce) mudou a sua sede para a Holanda? Por causa das tulipas? Os paraísos fiscais são um mal que se contesta mas que os políticos não querem que acabe, até porque é um lugar onde a maioria sonha ir parar um dia… E só será justo se fecharem em simultâneo porque “ou há moralidade ou comem todos”… E quem não quer continuar a comer? Era necessária solidariedade entre nações, mas não nos iludamos, não existe.
A revelação dos “papéis do Panamá” foi um percalço que vai ter custos para uma minoria, um “acidente no percurso” dos paraísos fiscais. Seria bom que acabassem? Claro, como seria bom que os nossos impostos fossem mais justos, que se penalizasse menos quem trabalha, quem produz riqueza, como seria bom que… O caso é bom para a imprensa (vai dar para um ano ou mais), para alimentar a coscuvilhice e a inveja e para mostrar como funciona um mundo a que só uma minoria tem acesso. E pouco mais. Tudo o resto não passa de uma grande hipocrisia… Eu não tenho ilusões.
Mas, cá para nós que ninguém nos ouve, continuo a ter esperança de um dia destes ver o meu nome “esparramado” na imprensa, com um “valor obsceno” à frente… E, como qualquer um que vive no “paraíso”, estarei a “borrifar-me” para a Inveja…