Hoje levantei-me mais cedo para ir à procura de alguém que conheço desde criança, pois cedo, bem cedo, os meus pais me ensinaram que o deveria ter sempre comigo mas que, nos tempos que correm, encontro raras vezes: O senhor Respeito.
Dirigi-me às escolas e perguntei à rapaziada se o tinham visto por ali, mas a maioria nem sequer o conhecia. Alguns, inclusivamente, disseram-me que os pais não lhes falaram dele, nunca os viram com ele e nem sequer o aconselharam como companhia. Procurei nas fábricas e encontrei-o algumas vezes, mas vi muito mais O Medo, outro senhor que ultimamente tem andado por lá, na expressão dos olhares e nos gestos de quem receia perder o emprego num tempo em que se tornou tão precioso e raro, ao ponto de não se fabricarem novos. Nalgumas repartições, instituições e chefias, também não fui feliz, tendo encontrado mais a senhora Arrogância no modo e na forma de quem acha que os clientes são uma praga intolerável, que se atende somente por obrigação.
Mas, atenção, é verdade que o encontrei algumas vezes em diversos locais, sempre acompanhado das senhoras Simpatia e Atenção, o que me deu um enorme prazer.
O respeito é algo que todos exigem mas que ninguém se acha no dever de prestar. Não se compra, não se vende, nem é fruto de trocas ou compensações. Ter respeito por alguém é uma manifestação de estima e, sobretudo, de consideração pelo ser humano.
O respeito é, antes de mais, um dever do homem para consigo mesmo e, por via disso, para com o seu semelhante. Só assim se pode ter o seu espaço reconhecido por todos, o que implica a aceitação do espaço dos outros. Começa por ser uma questão de educação e, só depois, de obrigação.
Não é uma questão de rico ou pobre, feio ou bonito, gordo ou magro, ateu ou religioso, É uma questão que deve ser extensiva a todos os seres humanos. Se o pobre deve respeitar o rico, o rico deve ter para com o pobre um respeito acrescido, porque é mais frágil.
A verdade é que, com a crise que atravessamos, veio ao de cima uma nova casta de indivíduos que nem são empresários nem investidores, mas que andam por aí disfarçados, não passando de golpistas da treta e de exploradores encapotados, uma nova classe social cujo oportunismo e falta de ética lhes permite enriquecer à custa dos “novos pobres”, transformando os seus trabalhadores em peças duma máquina de fazer dinheiro, sem direito a horários, a remuneração digna, a descansos, a tempo para a família. É gente que se aproveita de forma indecorosa do atual estado do país para alterar um dia de trabalho de 8/9 horas em 12, 14, 15 ou mais, e uma semana de trabalho de cinco dias em seis ou sete, pagando sempre o mesmo, roubando os direitos de quem trabalha, fazendo-lhes sentir que lhes estão a fazer um favor porque são dispensáveis, porque há muita gente na fila, a precisar…
Se esta é a sociedade moderna de que muitos responsáveis tanto se gabaram, por amor de Deus, “podem-se limpar a ela”..
Claro que evoluímos, temos meios e condições que outras sociedades não têm mas, o que nos faz modernos, são os valores, os princípios, o nosso grau de humanismo, a eliminação de preconceitos e injustiças, uma boa capacidade de convivência e de partilha, em total respeito pela dignidade humana.
António (e não importa se é este o seu nome) era empregado de balcão de uma casa comercial na região. O patrão começou por fazê-lo trabalhar até às oito horas da noite e, pouco a pouco, prolongou o horário de saída para além das dez. Ainda não satisfeito, mandou-o aparecer aos sábados para ir trabalhar na quinta do irmão e, para cúmulo dessa prepotência, acabou por lhe impor o domingo como dia de trabalho na sua propriedade, num regime laboral sem limite de tempo, sem fins de semana, sem qualquer benefício no salário ou em qualquer outra regalia. Em suma, uma nova escravatura em pleno século vinte e um..
Já o Afonso (e também não importa se este é o seu nome), trabalha há mais de três anos numa empresa da região, tendo sempre a promessa do patrão que no próximo mês o vai “meter na Caixa”, fazendo-o trabalhar grande parte dos dias até à meia noite sem qualquer tipo de compensação, para além de ter vários salários em atraso como se ele não precisasse de dinheiro para viver…
E poderia enumerar aqui muito mais exemplos, alguns em que a ilegalidade e a exploração se estende a todo o pessoal de pequenas empresas, pois todos os dias somos confrontados com notícias sobre abusos de vária ordem, desta nova “classe” de empregadores, vindos não sei de onde, talvez tornada praga como resultado das muitas séries televisivas sobre “Vampiros”.
Como podem estas pessoas esperar que as respeitem? Podem temê-las, sujeitarem-se por necessidade mas nada mais que isso. É que não se respeitam as pessoas por amizade. Vai muito mais para além disso, pois o respeito envolve educação e responsabilidade para com os cidadãos.
A vida é um palco onde cada um encena os seus atos. Contudo, o respeito deve prevalecer muito para além de toda e qualquer encenação, como valor fundamental na nossa cultura.
Ao explorarem de forma tão primária outros seres humanos, com a “baba” da ganância e da avidez a escorrer-lhes pelos cantos da boca, esta “nova casta” de gente desce ao poço da pouca vergonha quando falta ao respeito dos mais frágeis, dos indefesos. E ao fazê-lo, perde o respeito por si própria e perde o direito de ser respeitada…
Mas será que isso lhe interessa?