Sonhei que o parlamento aprovou, por unanimidade, a legalização da atividade de ladrão como “profissão”, com Estatuto Profissional e tudo, provocando uma onda de alegria em milhares de praticantes apinhados na escadaria do Parlamento e espalhados pelo país.
Os argumentos foram convincentes. Vagabundo é vagabundo, não quer trabalhar. Ladrão não é vagabundo, trabalha no que sabe fazer, roubar, uma atividade geradora de rendimento e emprego.
Emprego? perguntaram os cépticos. Claro, se não existissem ladrões, haveria menos polícias, juízes, delegados, jornalistas, advogados e tantos milhares de outros profissionais que vivem… da sua existência.
Governo que se preze, nunca vai acabar com ladrão pois este é motor da economia. Numa sociedade sem ladrões seria o caos. As empresas de alarmes, portas blindadas, fechaduras, cercas elétricas, muros, cofres, caixas fortes, transporte de valores, viaturas blindadas, segurança e tantas outras, teriam de encerrar, provocando uma onda de falências e desemprego que nem a crise que vivemos provocou. E, como os produtos roubados têm de ser substituídos, a indústria e o comércio venderiam menos. Daí a importância da função económica e social do ladrão, como “profissão”…
Como todos nascemos com um pouco de tudo, (sendo a educação e o meio onde crescemos que nos moldam), também nascemos com um pouco de ladrão dentro de nós. Por isso (no meu sonho), o ministério da educação irá criar no ensino básico a disciplina para desenvolver bem cedo as capacidades de cada um na arte de “ladroagem”. Estão também pensados pelo ministério, cursos no secundário para ladrões com ambições médias, sendo que para roubos superiores será obrigatória a licenciatura numa das prisões mais conceituadas do país, onde não faltam “professores qualificados”, se bem que para os “mestrados” e “doutoramentos”, os grandes mestres estão (quase) todos cá fora.
Um profissional da ladroagem não tem horário de trabalho e corre o risco de não poder regressar a casa (como qualquer operário quando tem um acidente de trabalho) e ir “bater com os costados na prisão”, passando à condição daquilo a que já chamam de “funcionário público não declarado”, com direito a cama, mesa e roupa lavada, biblioteca, assistência social e de saúde, advogado, transportes, educação e ginásio, etc., etc., podendo mesmo reclamar se os serviços prestados não forem do seu agrado.
No sonho, a segurança social estudará apoios monetários a atribuir à família durante a ausência do “chefe” na “pildra”, para além de vales que darão direito a três semanas de férias em hotéis no Algarve com “tudo incluído”, compras em lojas de marca, empréstimo de viatura à escolha durante o período de “ausência”, tratamentos em esteticista, SPA e outros, atribuídos por empresas a troco da garantia de que não serão assaltadas no futuro. Até a EDP vai oferecer “quilowatts” de graça, tal como a PT minutos de chamadas, para lhes não roubarem mais os cabos de cobre.
E quem pensa que eles perdem a liberdade, engana-se. Cá fora é que não estamos livres da insegurança, no emprego, no casamento, no salário, de ser assaltados e até em manter a sogra calada. Estando preso é estar seguro, é ter a oportunidade de se reciclar, aprender novas técnicas de roubo, trocar experiências, especializar-se e conhecer as tendências mais recentes do “gamanço”. É certo que “na gaiola” correm o risco de ser alvo de violência ou mesmo “assédio sexual” por algum “passarão carenciado”, nada que se não veja cá fora nas escolas e universidades, entre “praxes” e “bullying”…
Com a democratização do ensino da roubalheira, a profissão terá uma hierarquia em função das “qualificações” por “produto” (animais, metais preciosos, viaturas, etc.), por “visados” (velhinhas, bêbados, lojistas, prostitutas, etc.) e por níveis de roubos (básico, secundário e licenciatura, conforme o montante). Todos farão parte do grande grupo de “ladrões comuns”, onde estão mais de noventa por cento – a “licenciatura” já não dá acesso direto a grandes “tachos de ladroagem”, tal como nem a empregos decentes.
Haverá ainda um outro nível, os mestrados para “ladrões especiais”, conhecidos como “de gravata”, geralmente tecnocratas oportunistas formados noutras “bandas”, a “classe alta” da profissão que não quer misturar-se com a “ralé”. Alguns começam a fazer “estágio” nas “jotas” dos partidos até chegarem ao poder (acesso a “galinheiros” recheados), outros passam pelos bancos (que não os dos jardins) onde “abrem buracos” que nós “trolhas” (digo, camelos) temos de tapar, e uns tantos tratam de levar os “fundos” da UE para “sacos sem fundo” em “paraísos”, tudo com um nível de “profissionalismo” e de “limpeza” tal que o povo até elogia e vota para que continuem…
Esta arte – porque é mesmo uma “arte”- está espalhada em todos os sectores de atividade e é tida como “a melhor profissão do mundo”, batendo mesmo o emprego que a indústria de turismo australiana promove em campanha anual, de zelador numa ilha turística na Grande Barreira de Coral. Mas há comparação?
A profissão é tão boa, tão boa, que a lei até protege o seu exercício, impedindo que os “roubados” se defendam ou provoquem “acidente profissional” ao ladrão que lhe leva os bens, sendo tal considerado um ato ilícito, lesivo dos interesses do “trabalhador”. Sim porque, ele ladrão, não pode ser impedido de “trabalhar”, seja a que título for. Foi o que aconteceu num assalto a um café de Lousada. Enquanto os ladrões se “sacrificavam” a carregar a máquina de tabaco “gamada”, o dono do café, no seu “desconhecimento da lei”, veio à janela dar duas “cartuchadas” com a caçadeira para ver se espantava a “passarada” que “trabalhava” tão afanosamente, acertando de ricochete num dos “passarões”. Mas não podia fazer isso. Ou ajudava a carregar o artigo ou utilizava a via “política” da negociação…
O caso foi parar a tribunal e, para a coisa não “ficar preta”, disseram os jornais que acabou por pagar dois mil e quinhentos euros ao “acidentado”, (só não se sabe se lhe satisfez o desejo, entregando-lhe depois a máquina em casa, cheia de tabaco…). E teve sorte, muita sorte. Se apanhasse um daqueles advogados americanos especialista em “ladroagem”, digo, indemnizações, ficava… nu.
Já Balzac dizia que “esse privilégio de sentir-se em casa em qualquer lugar, pertence apenas aos reis, às prostitutas e aos ladrões”…