Monthly Archives: October 2012

A mudança

 

Quando era criança, e já lá vão umas boas décadas, acreditava que tudo era imutável, estático, sem mudança.

Achava que os ricos de então, os fidalgos, haviam de ser sempre ricos, de nunca precisarem de trabalhar, de viver de mordomias e rendas de caseiros, muitas vezes pagas com o pão tirado da boca dos filhos destes. E havia fidalgos no concelho que eram donos de freguesias quase inteiras, numa espécie de regime feudal à portuguesa, com um património que me parecia tão rico quão indestrutível e perene tal era a sua extensão e grandeza, e que iria durar para sempre.

De festa em festa, os ricos usufruiriam da vida com sobranceria, tendo locais de acesso restrito como era então a Assembleia Lousadense, para onde eu, miúdo, espreitava nos dias de Festa do Senhor dos Aflitos, olhando rostos à janela e pares em rodopio ou em amenas conversas. Ainda retenho na memória alguns desses rostos com ares austeros e solenes.

E os pobres,  dos pedreiros aos criados, dos amoladores aos jornaleiros, dos sapateiros aos latoeiros, para essa criança que eu era, continuariam a ocupar eternamente o seu lugar de desprotegidos da sorte, porque nada mudaria.

Os prédios maiores de então, desde o edifício do Tribunal à Câmara Municipal, do Grémio da Lavoura à Casa Valinhas, dos Solares ao Hospital, iriam atravessar os tempos com a mesma dignidade e importância, resistindo às borrascas e às crises.

Ter bicicleta era um privilégio de que usufruí quando fui estudar (outro privilégio) para o colégio Eça de Queirós, em Lousada porque a maioria andava a pé, e descalço. Automóveis eram raros, muito raros, talvez uma a duas dúzias no concelho, e as estradas eram em terra.

Como, aos meus olhos tudo era sempre igual, era este o sentimento de um garoto sobre o mundo que o rodeava, constituído por uma sociedade rural praticamente despida de indústrias, onde tudo me parecia estático, imutável.

Só na adolescência é que viria aprender que, afinal, o mundo é feito de mudança, que o tempo é mudança e que nada é permanente excepto a mudança.

E se a mudança era lenta, muito lenta mesmo, entrou em aceleração com a chegada da industrialização e, por via desta, com a criação acelerada de riqueza e a multiplicação de oportunidades e de esperança.

Desfizeram-se propriedades vendidas por inteiro ou a retalho, caíram preconceitos, demoliram-se casas que eu julgava inexpugnáveis, desbravaram-se matas até então intocáveis, faliram fidalgos, geraram-se novos ricos de gente que só tinha de seu a esperança, o sonho  e a coragem de arriscar. Afinal, eu estava errado, porque o mundo à minha volta mudava, e de que maneira.

Mudou-se a tecnologia, a filosofia e a economia, mudaram-se as profissões, as motivações e até os patrões. Mudou-se de casa, e de meio de transporte, mudou-se de vida e mudou-se de sorte. Mudou-se de aldeia, de rua e de cidade, mudou-se a moral, o bem e o mal, etc. e tal.

 Até o regime político mudou e com ele os figurantes e os figurões que passaram a prometer mudanças atrás de mudanças até porque, como dizia Dostoievski, “prometer uma mudança, afinal de contas, reduz-se a mentir, por muito respeitável que seja quem promete”.

Muitas foram as alterações da sociedade e tudo, ou quase tudo, mudou, económica e socialmente, ao nível da instrução, da educação e da moral, passamos à era industrial, à era da comunicação e à globalização.

E neste mundo de mudança, eu também fui mudando, de certezas e de verdades, de sonhos e de esperança, da forma de ver o outro e de me ver a mim mesmo, de respeitar todos os seres vivos e o meio ambiente de que faço parte.

A sociedade afinal é dinâmica e tem vindo a acelerar numa ânsia constante de mais e mais mudança, numa eterna insatisfação própria do ser humano.

É evidente aos olhos de qualquer observador atento que aquilo a que vínhamos chamando de mudança ou progresso da sociedade, nos conduziu à beira do abismo, diria mesmo, nos colocou na antecâmara da barbárie. E a única razão para isso é, regra geral, a mudança pela mudança, uma lei que impõe a transformação permanente, seja ela qual for e qual o preço a pagar, bem aproveitada por demagogos mais ou menos baratos, despidos de quaisquer princípios, vendedores de ilusões sem responsabilidade criminal, que se governam mas não governam.

Olhando lá para trás revejo os meus conceitos de criança inocente num mundo que parecia estático. Mas, afinal, acabei por fazer parte de uma geração que viveu e assistiu a transformações e mudanças tecnológicas, económicas, políticas, culturais, sociais, em resumo, civilizacionais, como nenhuma outra geração assistirá através dos tempos.

     É verdade que o mundo detesta mudanças e no entanto são a única coisa que traz progresso. Até no ser humano, como dizia Confúcio, “só os extremamente sábios e os extremamente estúpidos é que não mudam”.

     E afinal, a mudança é a lei da vida. Até eu próprio “ nem sempre sou da minha opinião”.

Homem rico com pouco dinheiro

A riqueza produzida anualmente por um país é indicada por uma sigla: PIB – Produto Interno Bruto, e o primeiro indicador utilizado para ver a qualidade de vida desse país é o PIB per capita, isto é, o PIB a dividir pela população, o que nem sempre é fiável, sobretudo quando são poucos a terem muito e muitos a terem pouco. Igualmente é comum dizer-se que um homem é rico quando tem em abundância, muito dinheiro, valores mobiliários e imobiliários.

É o sonho de tanta gente, chegar lá, às vezes não olhando a meios para atingir os fins. Mas será?

Ao contrário do resto do mundo, o reino do Butão, um pequeno país situado junto aos Himalaias entre a China e a Índia, mede o seu progresso e riqueza por um outro índice: FIB – Felicidade Interna Bruta.

Fechados ao progresso tecnológico, sem indústria, mantêm os seus hábitos, tradições e modo de vida de geração em geração, evitando serem “contaminados” pelo desenvolvimento como o conhecemos, preocupados com a felicidade e o bem estar espiritual dos seus habitantes, votados ao isolamento e à reflexão.

Afinal quem estará certo, o reino do Butão ou o resto do mundo. A riqueza maior deverá ser avaliada pelo índice de felicidade ou por se ter mais ou menos bens? O Tio Patinhas, personagem da banda desenhada, é a figura caricatural do acumulador de riqueza em que esta é uma fonte de preocupações sendo uma delas aumentá-la permanentemente, enquanto se esquece de tirar partido dela. Ao longo da minha vida conheci gente com muito, com pouco ou com nada, numa escala de montantes tão diferenciada quanto extensa. E ainda hoje me questiono qual o mais rico com que me cruzei nesta caminhada.

O senhor Abílio do Abel era trolha de profissão e pode dizer-se que nada mais tinha para além dos filhos. Durante muitos anos, duma janela da casa dos meus pais, via-o passar rua abaixo, ao entardecer dos dias quentes de verão, a tocar viola e com os miúdos aos saltos atrás dele, numa mistura de música e alegria. Seria ele um homem pobre ou antes um homem rico com pouco dinheiro?

Em contraponto, lembro de um grande proprietário, possuidor de muitos imóveis dos quais era mais escravo que dono. Tinha bens mas não tinha rendimentos e como se recusava a vender fosse o que fosse, pedia dinheiro emprestado para viver, em condições inconcebíveis para um ser humano e muito menos para alguém com tantos meios. Seria ele um homem rico ou antes um homem pobre com muito dinheiro?

E todo este arrazoado ocorreu-me ao lembrar-me de alguém a quem o ceifeiro da vida colheu extemporaneamente, praticante de um modo de viver que muitas vezes invejei e me dava que pensar. Conheci-o já adolescente trazido pelo Jaime Moura, para trabalhar connosco no Clube Automóvel de Lousada. Versátil em línguas, excelente relações públicas, com a sua humildade e simplicidade rapidamente se tornou uma das figuras mais populares e queridas do meio automobilístico em que o Clube se movimentava, em Portugal e no estrangeiro, do Minho ao Algarve, de Portugal à Lituánia.

Foi um companheiro de inúmeras viagens em Portugal e para o estrangeiro em representação do CAL, comigo e com o Jaime Moura, tirando partido e usufruindo de cada uma com um prazer enorme. Sempre disponível para partir, pronto para ser útil e servir, foi uma ajuda inestimável para centenas de pilotos, com quem se preocupava como de alguém muito próximo. Tornou-se, nas palavras do norueguês Richard Stoen, “o rosto do Clube Automóvel de Lousada”.

De família humilde, foi sempre parco em recursos, mas viveu com uma intensidade rara, aproveitando todas as oportunidades que a vida lhe foi oferendo, fazendo amigos, viajando, conhecendo, enriquecendo-se. Com pouco viveu muito, como se adivinhasse que o seu amanhã não existiria. Usufruiu sempre de tudo o que pôde ao longo da “viagem” sem se preocupar com a “chegada”, como pai, como marido, como amigo, como caminhante da vida, como viajante, como ser humano. Deixou saudades, muitas saudades, entre a família, entre os muitos amigos e até simples conhecidos.

Sem qualquer dúvida que o Paulo Sérgio foi um HOMEM RICO, com pouco dinheiro.

Deus nos livre… da EDP

Um velho ditado diz que “Deus nos livre de bocas abertas e de maus vizinhos à porta”. Nunca cheguei a perceber bem o porquê das “bocas abertas” serem um mal tão grande para nos querermos livrar delas. Será para não entrar mosca? Mas se a boca não for a nossa, qual é o problema? Será pelo contágio que normalmente provocam?

Já em relação aos “maus vizinhos à porta” percebo e compreendo que qualquer cidadão não os queira, quanto mais não seja pelo mau “hálito” que normalmente trazem.

Hoje prefiro recriar este adágio e dar-lhe o verdadeiro sentido das palavras, com base em factos e na experiência popular, neste caso a minha.

Por princípio sou contra os monopólios, uma forma deturpada de concorrência ou melhor, da ausência dela, que permite ao monopolista “fazer o preço” em vez de “competir pelo preço”, impondo-o a quem precisa do seu produto.

Alguns teóricos de economia defendem que os monopólios podem ser perfeitamente regulados e isso serviria para melhorar o seu desempenho em relação a mercados livres de concorrência imperfeita. Em teoria talvez tenham razão mas pela experiência que temos em Portugal dos ditos “reguladores”, da teoria à prática vai um mundo de “olhos fechados” que nada vê, nada ouve, nada regula.

Em conclusão, os monopólios são maus para o consumidor porque ficam sem alternativas ou, se as houver, são meramente artificiais dado estarem “feitas” com o monopolista para levarem ao engano os menos atentos.

Vem isto a propósito da EDP, empresa que há muitos anos tem dominado o mercado de eletricidade em Portugal e de quem praticamente todos os portugueses têm sido clientes.

Já mudou de nome, dividiu-se em várias empresas por estratégia ou para disfarçar o monopólio que era, mas a verdade é que tem feito praticamente tudo o que quer, a nós consumidores.

Recentemente liberalizou-se o mercado de eletricidade e pensamos que nos poderíamos livrar desta sanguessuga que ao longo de muitos anos nos levou praticamente o que quis e connosco usou sempre do “quero, posso e mando”, com a bênção dos governantes, alguns candidatos a seus futuros dirigentes. Mas, afinal não foi bem assim e a concorrência no sector acaba por ser praticamente nula e sem grande expressão, pelo que temos de nos sujeitar às leis da “velha senhora”. Veja-se um exemplo passado comigo.

Sou proprietário de uma loja que nunca tinha sido ocupada e como a arrendei, o meu inquilino foi à Loja da EDP de Penafiel requerer a ligação da eletricidade e efetuar o contrato respetivo, para o que se fez acompanhar dos documentos necessários, entre os quais um certificado da Certiel, empresa que certifica as instalações elétricas, e onde consta um número conhecido como NIP.

Depois de algum tempo no atendimento, acabaram por lhe dizer que não lhe fariam o contrato de fornecimento de eletricidade porque o NIP da loja estava ocupado noutra instalação qualquer.

Perante a impossibilidade de ter eletricidade na loja, o inquilino transferiu o problema para mim pois se não tivesse energia não queria a loja.

E lá me desloquei eu à dita Loja da EDP, munido dos documentos que me conferiam o direito de exigir a ligação. Começou por me atender um senhor que, com cara de poucos amigos imprópria de uma recepção, me disse que o NIP da minha loja estava ocupado noutra ligação e que por isso não me podia fazer o contrato nem sabia como havia de resolver o meu problema. E passou-me a outra colega para fazer uma reclamação.

Lá voltei a contar a história, mostrei o meu certificado com o respetivo NIP e de pois de muito bláblá ficou registada a minha reclamação e vim para casa esperar.

Passou-se uma semana e como não me deram notícias e o meu inquilino manifestava legítima impaciência pois já tinha acabado as obras na loja mas sem eletricidade não podia funcionar, voltei à Loja da EDP. Fui recebido com a “mesma” simpatia, descobri por mim próprio que o meu NIP fora usado para a EDP fazer um contrato com uma moradora num apartamento do mesmo prédio apesar do certificado referir que se referia a um estabelecimento comercial e a própria moradora ter chamado a atenção a quem fez o contrato na altura, e acabaram por me dizer “que reclamasse no livro amarelo”.

Lavrei a minha reclamação no livro amarelo e lá voltei para casa para continuar à espera.

E durante um mês esperei, mas enviei e.mails e telefonei diariamente para diversos departamentos da EDP, desde as reclamações aos contratos, e tinha sempre o mesmo tipo de respostas: “que estavam a analisar o problema”, “que iam passar o assunto para o superior”, “que esperasse um pouco mais” e tantas outras que significavam o mesmo – os meus direitos não valiam nada.

Embora tivesse a instalação certificada, tivesse o certificado, tivesse o célebre NIP e o direito de exigir a ligação, havia quem estivesse acima disto: A EDP. E continuei à espera.

Ao fim de quase dois meses alguém que conhecia o caso disse-me que se tinha lembrado de um amigo que trabalhava bem dentro da EDP e que lhe ia telefonar para ver se conseguia desbloquear a situação. Poucos dias depois a ligação elétrica foi efetuada. Palavras para quê…

Confesso que ao longo destes dois meses em que um direito legal me foi sonegado pela EDP exclusivamente por erros seus, encontrei muito boa gente, funcionários disponíveis, simpáticos e colaborantes, mas que manifestavam impotência perante a “máquina”, dizendo-me mesmo que não compreendiam a não resolução do problema, tendo em conta que a responsabilidade era toda da EDP ao fazer a ligação da instalação elétrica de um apartamento com o NIP da minha loja.

Mas também encontrei alguns que deveriam trabalhar isolados e nunca num atendimento para o qual não têm vocação ou onde estavam contrariados. Penso mesmo que os que poderiam ter resolvido isto se colocaram do lado do problema e não do lado da solução e estiveram mais preocupados em justificar que não tinham culpa do ocorrido do que em resolver o caso.

Ou se calhar não foi nada disso, foi simplesmente a “máquina” dessa empresa ainda praticamente monopolista do negócio de eletricidade em Portugal, à qual todos temos estado ligados, literalmente, que se está borrifando para nós, que não passamos de um seu contribuinte quase obrigatório, de um mero número de consumidor ou até mesmo de um NIP.

Repito o título: Deus nos livre da EDP.